Um ritual de passagem
#8 - Desafio 30 dias de escrita da Ana de Deus
Na noite de consoada o cheiro das filhoses a fritar tem que encher a casa! Há um aconchego e uma magia da noite de Natal que este aroma traz e reforça.
A minha avó fritava filhoses nessa noite ao lume, num tacho de ferro em azeite. Eram filhoses de massa de farinha de trigo com abóbora cozida e que levedava num enorme alguidar de barro vidrado de verde. A massa era aconchegada e envolta numa manta junto ao calor suave. Depois, contava-me a minha mãe, à hora de fritar, o meu avô trazia a lenha cortada cuidadosamente para poder dar um “lume certinho” nem demasiado forte, nem que enfraquecesse facilmente. As crianças estavam ali com a mãe e passavam as filhoses ao de leve pelo açúcar com canela. Quando começavam a ficar cansadas a minha avó perguntava-lhes se queriam que lhes fizesse filhoses com formas especiais, “um galito”, “um pião”, … para os manter animados com a tarefa.
Quando eu era criança a minha mãe repetia em nossa casa o ritual de amassar e fritar as filhoses, já em óleo, num fogão a gás e num espesso tacho de alumínio. Eu adorava ver a massa ir levedar e ver como ficava no fim. Mais tarde começaram a surgir novas receitas, menos trabalhosas e eu comecei a participar mais ativamente. Após várias alterações ficou a receita datilografada como a versão oficial das filhoses. Foi datilografada por um bom amigo cuja esposa participou na afinação da receita (como sinto saudades da D. Ilda e do Sr. Silva).
Todos os Natais sou eu que faço as filhoses e frito enquanto outros vão tratando da ceia. Adoro fazer as filhoses no Natal!
Texto escrito no âmbito do desafio 30 dias de escrita lançado pela Ana de Deus, e em que participam Ana de Deus, bii yue, João-Afonso Machado, Jorge Orvélio, José da Xã, Maria Araújo e eu.