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Contos por contar

Contos por contar

17
Jun22

A Casa dos Anjos

Cristina Aveiro

Os Anjos.jpg

Paul Klee 1939

Naquela encosta batida do vento, mesmo frente ao mar bravo lá ao longe no desabrigo da praia do Norte, só os caniços conseguiam crescer. Não era o lugar onde a maioria gostaria de viver. Sem o abrigo do promontório que guardava a praia amada e admirada, sem a vista do alto do céu das casas do Sítio, protegidas e abençoadas pelo manto de Nossa Senhora da Nazaré, aquele lugar tinha a magia dos lugares de poucos, daqueles que eram verdadeiramente os adoradores do mar.

Foto: Artur Pastor

A menina que ali vivia, na casa que tinha sido sempre dos seus, pais, avós e dos que tinham vindo antes deles olhou com curiosidade aquelas pessoas que chegavam para as casas que tinham nascido ali há pouco tempo. Eram muito altos, magros com cabelos claros e olhos azuis. Dizia-se que vinham dos países do Norte, onde nevava, fazia muito frio e havia pouco sol. Sempre que podia a menina ia ver a casa e tentar vê-los. Quando os via dava-lhe os bons dias e sorria. Eles sorriam e faziam uns sons estranhos, graves na sua língua que os fazia parecer zangados. Com o tempo foram-se habituando à curiosidade mútua e a menina foi-se aproximando. Mais tarde, vieram as crianças e a menina ainda ficou mais próxima e juntava-se nos cuidados e brincadeiras. As gentes da terra já se tinham acostumado aqueles novos vizinhos, que eram muito diferentes deles, mas que partilhavam o amor por aquele lugar.

Foto: Federico Patellani

A língua já ia sendo mais partilhada, os forasteiros estudavam em livros e esforçavam-se por aprender palavras e frases e alegravam-se quando as palavras substituíam os gestos que inicialmente eram a única forma de se entenderem.

A menina e os seus gostavam de partilhar o que tinham com aqueles vizinhos da casa diferente. Muitas vezes a menina pensava que sendo eles gente de posses, não tinham uma casa rica, mas uma casa ampla, cheia de janelas grandes, com varandas grandes e onde a cozinha e a sala estavam em cima e os quartos em baixo. Aquela casa passara a ter sempre a porta aberta para ela. Ela gostava de ver os muitos livros que lá havia, os quadros, em especial os dos anjos. Eram anjos como ela nunca tinha visto. Não eram rosados com caras bonitas e cheios de caracóis e sorrisos num céu azul cheio de estrelas. O senhor explicara-lhe que um era o Anjo Triste, o outro o Anjo Esquecido, o Anjo Esperança e o Anjo do Guizo. A menina adorava-os. Sentia que com o pedaço de papel e lápis que lhe estendiam podia desenhar amigos para aquele bando de anjos com tristezas e alegrias, imperfeitos, mas belos, simples e com corações cheios de sentimentos.

Os anos passaram a menina cresceu, os vizinhos envelheceram e um dia resolveram regressar à sua terra e encontrar novos donos para a casa dos Anjos como a menina lhe chamava.

Oh! Como ela gostaria de poder ser ela a habitar aquela casa tão singular, desenhada como um templo para adorar o sol e o mar. Não ia ser assim, iria continuar na sua casa de sempre.

IMG_0549.JPG

No dia da partida, com a promessa de visitas futuras, os vizinhos vieram a casa da menina com um embrulho grande que lhe entregaram. Enquanto a menina abria o pacote, comoveu-se ao ver os Anjos. Então eles disseram-lhe que os anjos gostam de espaços especiais e que sabiam que a menina ia encontrar o espaço certo para eles e assim aconteceu.

 

 

  

12
Dez20

A Casa Sem Fim

Cristina Aveiro

elderly-senior-couple-sitting-on-a-bench-on-the-be

Era uma vez um casal de idosos que tinham uma casa na praia. Era uma casa estranha porque parecia que continuava sempre a estar em construção. Eles tinham começado a fazer aquela casa quando ainda era muito novos e nem sequer tinham filhos. Fizeram os projetos, vieram os pedreiros, construíram e puseram o telhado, as janelas, a porta. Mas havia partes da casa que continuavam por completar, o portão da garagem era feito de tábuas da obra, pelo quintal estavam tábuas, andaimes, a máquina de fazer a massa, areia, cimento, as varandas não tinham grades,… enfim estava meio feito, meio por fazer.

Durante muitos anos tudo ficou assim, parecia que o tempo tinha parado, que tinham interrompido o filme. As persianas das janelas já estavam a ficar velhas, as paredes da casa já tinham rachas e havia zonas onde tinha caído a cobertura das paredes como acontece nas casas muito velhas, mas aquela casa era estranha, por um lado já estava velha, mas por outro lado, ainda não estava terminada.

Um dia o casal voltou e instalou-se no primeiro andar da casa. Começaram a trabalhar os dois na casa. Primeiro retiraram o telhado, as telhas, a estrutura, depois começaram a erguer paredes e construíram mais um andar, e a seguir ainda outro, e a cobertura. Esta nova zona tinha aberturas de janela muito maiores, mais modernas, mas em baixo tudo estava na mesma. Até o portão da garagem provisório em tábuas continuava lá.

O senhor costumava andar com um gorro vermelho na cabeça, botas grossas e calções compridos, a senhora usava lenços na cabeça, calções longos e camisolas largas de trabalho. Estavam sempre só os dois a trabalhar, a subir os materiais com um pequeno guincho, a acabar uma parede, a montar um andaime, … Tudo era calmo na forma de eles trabalharem e era também estranho e diferente. A senhora estava a pintar a parede do lado de fora da zona mais alta da casa, mas ao lado havia uma zona onde os tijolos ainda nem sequer tinham sido cobertos com massa.

A casa sem fim.jpg

Quando as pessoas passavam por ali ficavam sempre a olhar e estranhavam aquela casa que era diferente de todas as que tinham visto. Às vezes eles almoçavam no topo da casa num terraço em construção, pareciam estar numas férias de sonho, tal era a alegria que transmitiam a quem os via.

Os anos foram passando e aqueles idosos continuavam sempre os trabalhos, iam acabando as zonas novas que tinham construído na sua forma desordenada que costumavam seguir. Quando tudo o que estava de novo ficou terminado começaram a reparar e a remodelar as zonas mais antigas que já precisavam de obras. Agora os trabalhos andavam muito mais lentamente, eles estavam mais velhos, tinham menos força e energia, mas continuavam a trabalhar.

Veio um dia e eles não trabalharam, depois outro e outro e continuaram a não ser vistos nas suas tarefas de construção. Os vizinhos das casas à volta estranharam e foram ver o que se passava. Os idosos estavam na casa, sentados, com um ar muito desanimado e triste. Os vizinhos perguntaram o que se passava e eles disseram que já não conseguiam fazer os trabalhos na casa porque os seus corpos já não tinham energia e força e que não  terminar a casa antes de morrer os deixava muito tristes.

Os vizinhos sentiram que tinham que ajudar a cumprir o sonho daqueles idosos que há tantos anos os intrigavam com as suas estranhas obras intermináveis. Organizaram-se em equipas e depois de escutarem os planos que o casal tinha por concretizar puseram mãos à obra.

Como eram muitos conseguiram terminar tudo o que estava planeado em menos de um ano.

Finalmente a casa estava terminada, era estranha e diferente de todas as daquela praia, e mesmo de todas as praias conhecidas.

No jardim da casa fizeram uma grande festa para alegrarem o casal de idosos que estava contente e agradecido. A casa passou a atrair visitantes e todos os locais para a verem, e durante alguns anos ainda podiam ver o casal de idosos que descansava na varanda orgulhoso da sua obra. Os vizinhos passaram também a fazer parte dos últimos anos da vida do simpático casal.

Quando morreram a casa foi oferecida àquela comunidade para servir de abrigo às pessoas que precisavam e também para as crianças virem para aquela praia para colónias de férias.

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