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Contos por contar

Contos por contar

20
Dez22

A Galinha sem Penas!

Ilustrações de Cristina Marto

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma galinha muito, muito vaidosa. Ela desde muito pequenina que era vaidosa e fazia tudo para dar nas vistas, tentava andar de uma forma diferente das outras galinhas, como se dançasse, tentava cantar fazendo sons diferentes das restantes galinhas. Um dia chegou ao capoeiro um grupo de novas galinhas que eram diferentes, não tinham penas no pescoço.

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Todas as galinhas, galos e frangos da capoeira ficaram muito intrigados com as galinhas sem penas no pescoço. A galinha vaidosa ficou muito perturbada porque todos estavam tão interessados nas galinhas que tinham acabado de chegar. Decidiu que tinha que voltar a ser o centro das atenções de toda a capoeira. Começou a pensar o que poderia fazer para que voltassem a dar-lhe atenção. Afinal ela era mais bonita, mais interessante e mais inteligente que essas galinhas sem penas no pescoço. Treinou de novo o seu canto e procurou fazer sons mais impressionantes, ensaiou novos passos dançantes, começou a praticar para voar mais alto do que a subida para o poleiro. Conseguiu fazer um canto mais impressionante, ainda mais esganiçado que antes, andou toda desengonçada, até parecia que lhe doíam as patas esgravatadeiras, os seus voos criaram grande alvoroço na capoeira, eram penas a cair e a andar pelo ar, ficavam todos incomodados com os voos da galinha, mas ainda assim as galinhas recém-chegadas continuavam a ser o centro das atenções no capoeiro.

 

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Decidiu que tinha que fazer alguma coisa mais radical, afinal porque é que ela não podia ter também o pescoço sem penas? E se gostavam tanto de pescoços sem penas, o que aconteceria se ela não tivesse penas nenhumas? Nunca se tinha visto nada assim. Ela tinha a certeza que nunca ninguém tinha visto uma galinha sem penas… Quem sabe se ela não se ia tornar uma galinha famosa em todo o mundo. Quanto mais pensava nesta ideia mais lhe parecia que era original e muito boa. Nunca lhe passou pela cabeça que se nunca tinha havido nenhuma galinha sem penas talvez isso não fosse uma boa ideia.

Convencida que a sua ideia era brilhante começou a tratar de a pôr em prática. Todos os dias à noite quando todos estavam a dormir arrancava as suas belas penas com o bico. Era difícil e fazia-lhe doer, mas ela estava determinada a ser a primeira galinha sem penas.

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Aos poucos ela começou a ficar com cada vez menos penas e as outras galinhas olhavam para ela curiosas. Até às galinhas sem penas no pescoço olhavam para ela com interesse. A galinha vaidosa ficou a achar que todos a admiravam porque ela estava a ficar mais bonita. Embora lhe doesse cada vez mais a pele, ela continuou a arrancar as penas até ficar totalmente sem penas.

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Assim que acabou de tirar todas as penas passou a pavonear-se pela capoeira exibindo a sua pele amarelinha com pontinhos mais altos em todos os sítios de onde tinha arrancado as penas. Ela ao princípio ficou contente porque todos na capoeira paravam para olhar para ela. Não conseguiam tirar os olhos dela, mas não pareciam gostar do que viam, estavam todos arrepiados com a imagem da galinha vaidosa, o aspeto dela era estranho e desagradável.

A galinha sem penas tinha frio, não conseguia aconchegar-se no ninho porque lhe faltava a fofura das penas, e embora sentisse que conseguia ter a atenção de todos não se sentia feliz.

A galinha vaidosa começou a ser acarinhada pelas outras galinhas do capoeiro e ela começou a admirá-las e a ver que eram bonitas com as penas, mas não se preocupavam com o que os outros achavam do seu aspeto. A galinha vaidosa não voltou a arrancar as suas penas e as penas começaram a nascer. Aos poucos a galinha voltava a ter o seu aspeto normal e estava a sentir-se cada vez mais feliz. A galinha vaidosa estava a deixar de ser vaidosa e estava a começar a gostar do seu aspeto normal e já não se esforçava por ser diferente das outras galinhas. A galinha que já não era vaidosa e que já não era a galinha sem penas era uma das galinhas bonitas do galinheiro e gostava de estar com as outras galinhas. Esta galinha passou a esforçar-se por agradar e ser amiga das outras galinhas em vez de querer ser diferente e de só querer que todos a admirassem. Agora a galinha sentia-se mais feliz, tinha descoberto que a amizade é mais valiosa que a admiração.

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10
Abr21

A Princesa, o rei Rato e a Cigana

Cristina Aveiro

RTP-Serra Sintra.jpg

Fotografia RTP

Era uma vez uma Princesa muito alta e magra, com uns olhos azuis muito pequenos e cabelos loiros longos com caracóis muito apertadinhos. A Princesa queria ser sempre a melhor em tudo, achava que sabia mais do que todos e não suportava que a contrariassem. A Princesa adorava passear no seu imponente cavalo branco que a fazia sentir-se ainda mais ufana da sua beleza e aumentava a sua altivez. A floresta do monte da Lua era um dos seus lugares preferidos, com as árvores centenárias, retorcidas e tão cerradas que de dia parecia quase noite tal era a densidade da floresta. Havia também enormes rochedos cobertos de musgo escuro erguidos aos céus que pareciam ter caído do cesto de um enorme gigante que andasse a fazer um muro no seu quintal.  Na floresta eram vulgares os mantos de neblina fechada que não deixavam ver nada senão a névoa branca e impediam as gentes de andarem. Num dia a Princesa galopava no seu passeio pela floresta quando o manto de neblina a apanhou e ela teve de parar e passar a andar lentamente a pé com o cavalo à rédea.

Andou, andou até que cansada se encostou ao abrigo de umas pedras com o cavalo e adormeceu.

Quando amanheceu, acordou com o barulho do som de cavalos de uma carruagem e depois com gritos de homens a lutar, um grande alarido e novamente cavalos a galope a fugir. A Princesa decidiu ir cautelosamente até ao lugar de onde vinham os barulhos. Esperou escondida a ver se não havia ninguém, viu a carruagem, mas os cavalos e os homens não estavam lá. Pensando que na carruagem podia haver comida foi até lá, abriu a porta e quase morreu de susto quando viu que no chão estava deitado como morto um enorme rato com ar majestático. O animal começou a abrir um olho, e depois outro e quando viu que era uma princesa e não os malfeitores que o tinham atacado e à sua comitiva levantou-se de um salto.

Apresentou-se de imediato à Princesa informando que era o rei Rato.  

O rei Rato era muito magro e tinha o rosto escuro e ressequido. Sobressaiam os seus olhos minúsculos muito escuros e encovados, bem como o seu nariz grande e adunco e os lábios tão finos que tornavam a boca quase numa linha no rosto. O rei Rato andava sempre vestido com um fraque preto, muito orgulhoso do seu porte direito e da sua elegância e majestade. O rei Rato sempre se tivera em grande conta, quer da sua graça e beleza, quer da sua suprema inteligência e sabedoria. Estivera sempre muito certo de que era irresistível e que conseguia sempre tudo o que queria. Ao rei Rato nunca lhe ocorrera que alguém pudesse pensar de outra forma. O rei era totalmente cego e surdo em relação aos que o rodeavam, nunca se preocupava com mais ninguém que não fosse ele próprio.

A Princesa olhou demoradamente para o rei Rato e pensou que não era companhia que escolhesse se houvesse outra, mas ia ter que ser, com ele tinha mais hipóteses de conseguir sair da floresta e regressar a casa. Conversaram um pouco e decidiram que iam rumo ao Norte, olhando com atenção para os troncos das árvores e vendo o lado onde o musgo era mais forte e verde. Tentaram conversar para ir passando o tempo, mas cada um só se interessava por o que dizia e não tinham vontade de se escutarem um ao outro, cada um tinha a certeza que estava certo e não escutava a opinião do outro. Felizmente ambos achavam que ir para Norte era boa ideia, senão teriam ido cada um para seu lado.

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Fotografia Net

Foram andando em silêncio, ou num diálogo de surdos debitando as suas vaidades e maravilhas pessoais sem que o outro prestasse atenção. Caminharam durante todo o dia e ao final do dia, quando começava a cair a noite viram um clarão de fogueira lá ao longe e ficaram os dois encantados. Se havia fogo havia gente, se havia gente havia comida e quem sabe um lugar para dormir. Quando chegaram perto foram com cuidado ver que lugar era aquele e quem lá estava. Podiam ser malfeitores ou inimigos. Ficaram admirados quando viram uma enorme tenda com uma fogueira alta no terreiro à frente.  De pé olhando a fogueira estava uma extraordinária mulher Cigana.

A Cigana era diferente de todas as outras, não tinha a pele morena, nem o cabelo ou os olhos escuros. Era alta, entroncada, com corpo de guerreiro viking, tinha enormes olhos azuis e uma farta cabeleira ruiva. Não podia dizer-se que era bela, mas era certamente vistosa, parecia que gostava de fazer questão de se fazer notada. As suas roupas eram muito coloridas e rebrilhava no ouro que usava ao pescoço e nos brincos. Estava a cantar alto com a sua voz nasalada e áspera.  Eles não sabiam, mas a Cigana estranha gostava de dizer a todos o que pensava e erguia a sua voz acima da dos demais para se fazer ouvir, adorava escutar-se e pensava que todos sentiam o mesmo.

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Fotografia Net

Passado algum tempo, a Princesa e o rei Rato decidiram avançar e ir ter com a Cigana esperando que ela os acolhesse. Quando os viu a Cigana gritou-lhes perguntando de onde é que tinham vindo e o que é que queriam dali. A Princesa e o rei Rato lá explicaram com calma o que tinha acontecido e a Cigana foi dizendo que se fosse com ela teria conseguido regressar a casa mesmo com a névoa, que teria mandado todos os bandidos embora e por aí fora. Estavam ali três seres tão diferentes e tão parecidos, será que se conseguiriam entender?!

A Cigana tratou de lhes dar comida e abrigo naquela noite e acompanhou-os no dia seguinte para os ajudar a regressar às suas vidas. Durante a viagem, a floresta e os seus encantos mágicos começaram a aproximar a Cigana e o rei Rato, que aos poucos começaram a falar, e depois a rir e ao fim de dois dias parecia que se conheciam desde sempre e que gostavam das mesmas coisas.

Chegados ao fim da floresta, acompanharam a princesa ao seu castelo e o rei Rato e a Cigana seguiram para o palácio do rei Rato. Como a viagem tinha sido muito longa e o rei Rato não se queria separar da Cigana pediu-lhe que ficasse ali a descansar alguns dias. A Cigana começou por ficar uns tempos numa enorme tenda que o rei Rato mandou erguer nos jardins porque a Cigana se recusava a dormir no palácio. A corte do rei achava tudo aquilo muito estranho porque agora o rei parecia só querer saber das vontades da sua amada Cigana e eles nem conseguiam entender os seus usos e costumes e muito menos as suas roupas e joias.

Ao fim de algum tempo o rei Rato encheu-se de coragem e ajoelhou-se em frente à Cigana, pegou-lhe na mão e pediu-lhe que fosse a sua rainha e ficasse com ele para sempre.

A Cigana aceitou o pedido do rei Rato, celebraram um casamento que durou mais de duas semanas, a princesa foi a madrinha e viveram felizes para sempre na sua tenda no jardim do palácio.

Palácio_de_Seteais_2013_10.jpg

Fotografia Net

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