O gafanhoto com dor de barriga
Era uma vez um jovem gafanhoto que era muito traquinas e maroto e estava sempre a dar dores de cabeça à sua mãe.
A mãe gafanhota sentira desde sempre que aquele seu filho era diferente. Quando fizera a postura de cem ovos da sua última ninhada, ao enterrar a barriga na terra para depositar aquele ovo tinha sentido um friozinho estranho. Quando fechara aquele ninho fora especialmente difícil colocar o tampão que protege o ovo até parecia que o ovo não queria ficar fechado. Ao contrário dos irmãos, aquele seu filho não demorara os 100 dias habituais a passar de ovo para ninfa e depois para imago. Foi a primeira ninfa a sair da toca, era lindo, parecia já um gafanhoto adulto mas claro, ainda não tinha asas. A seguir, antes de nada trocara o seu exoesqueleto e passara a imago, um jovem gafanhoto já com asas e tudo. A mãe ao ver como ele era diferente até chegou a recear que do ovo saísse uma lagarta e quem sabe ele se transformasse depois em borboleta, mas tudo aconteceu como o previsto só que mais depressa do que os restantes.
A mãe era muito orgulhosa de todos os seus filhotes, todos belos e elegantes. A mãe não se cansava de olhar para as suas cabeças coroadas por duas antenas curtas, o seu tronco de onde partia o primeiro par de pequenas patas viradas para a frente, da sua bela e longa barriginha saiam mais dois pares de patas viradas para trás. As patas que a mãe mais apreciava eram as maiores, as que ficavam mais atrás, eram enormes, elevavam-se bem acimas das asas, na primeira parte eram muito gordinhas e musculadas e abaixo do joelho passavam a ser fininhas e tinham uma espécie de pequenos espinhos que eram fundamentais para controlar o ar quando saltavam e planavam. Claro que os dois pares de asas sobrepostas, as de fora mais fortes e compactas e as que ficavam escondidas por baixo e só se viam quando eles saltavam e até parecia que estavam a voar com a sua transparência e delicadeza até lhe pareciam as asas de uma libelinha, ou aos seus olhos de mãe pareciam ainda mais bonitas.
Aquele seu filho andava sempre a explorar novos lugares, a provar tudo quanto encontrava, a tentar conhecer outros gafanhotos, joaninhas, libelinhas e um sem número de outros insetos. O que mais preocupava a mãe é que ele também queria ficar amigo das aves e dos pássaros e por mais que a mãe lhe dissesse para se manter afastado de outros animais, mesmo até de gafanhotos ele não obedecia.
Naquele dia o jovem gafanhoto foi ter com a mãe e mal saltava, até os seus cinco olhos estavam tristes. Sim os cinco olhos, os dois gigantes dos lados da cabeça que funcionavam como um conjunto de centenas de pequenas câmaras e lhe permitiam ver quase em todas as direções e os três pequenos olhos na frente da cabeça que lhe permitiam distinguir o claro do escuro.
Quando chegou junto à mãe começou a dizer que estava cheiinho de dores de barriga, eram fortes, enormes e ele quase não se conseguia mexer-se. Enquanto explicava o que se passava as suas dobrinhas da barriga estavam sempre a esticar e a encolher, pareciam um acordeão a tocar. A mãe ficou deveras preocupada! Perguntou o que é que ele tinha andado a comer. Perguntou se ele tinha ido para junto dos campos das pessoas e se tinha andado por lá a provar os legumes. Ele começou por dizer que não, mas à medida que a mãe ia perguntando e explicando que era muito importante dizer toda a verdade para o poder tratar. Ele lá foi dizendo que sim, que não tinha resistido àquelas belas alfaces e também às nabiças, mas que tinha sentido um sabor muito amargo e comera muito pouco. A mãe sabia bem o que tinha acontecido, o agricultor devia ter usado aqueles venenos para os insetos não comeram os seus legumes.
Ficou muito, muito aflita. Deu logo ao pequeno gafanhoto uma erva muito amarga e oleosa que ele não queria comer porque dizia que sabia muito mal. A mãe disse que nem queira ouvir nada, era comer e calar. Nem um minuto depois de comer a erva horrível lá estava ele a vomitar por todos os lados, parecia um jacto de uma mangueira dos bombeiros. Saia uma gosma verde sem fim. Ele estava de rastos, agora estava na mesma com a dor de barriga anterior, aos soluços, enjoado como nunca tinha estado e com novas dores de barriga provocadas por ter estado a vomitar como um vulcão. A mãe explicou-lhe que ainda ia ficar pior antes de ficar melhor. Ele ficou aterrado. Como era possível ficar ainda pior? Oh, céus!
A mãe com muito jeitinho começou a dizer-lhe que ia ter de levar um supositório. O pequeno não sabia o que era. Então a mãe foi procurar uma baga escura de uma planta que ele não conhecia, era negra, arredondada pareceu-lhe uma espécie de pinhão preto. Assim que a mãe lhe explicou o que ia acontecer a seguir o pequeno gafanhoto entrou em pânico, tentava saltar e fugir dali, mas os seus saltos eram minúsculos. A mãe foi conversando, disse-lhe que não era nada do tamanho de um pinhão, que ele tinha que ficar sossegado para tudo ser mais fácil, mas nada. Ele esperneava, desviava-se, virava-se de barriga para cima e depois para baixo, torcia-se e retorcia-se de dores, de medo puro e com a energia que o medo empresta. Tudo no seu corpo lhe dizia para fugir para longe, ele sabia que a mãe não lhe ia fazer nada de mal, que queria trata-lo, mas isto? Que ideia aterradora, como é que aquilo podia ajudar? Por mais que a mãe explicasse o seu cérebro não escutava, os ouvidos apenas ouviam, mas o seu cérebro só gritava fogeeee.
Vieram reforços para resolver a situação, os seus super olhos captavam imagens de um rebanho de gafanhotos a rodeá-lo, a agarrar em todo o lado, pernas, cabeça, barriga, tudo! Por muito que quisesse escapar, pumba, aconteceu. A maléfica semente entrou e aquela sua barriga estava ainda mais enlouquecida. Parecia que tudo estava a saltar lá dentro e que se começava a formar uma onda gigantesca nas suas entranhas. E a onda crescia, e doía, doía e parecia aproximar-se do fim do seu corpo. Não, não era possível, será que ele nem se ia poder afastar para resolver aquilo? Porque é que todos se estava a afastar rapidamente? Será que o estavam a abandonar? Ele não conseguia conter-se mais, ia começar a sair, nunca imaginou que a sua barriga estivesse tão cheia, parecia novamente que ele estava a deitar um jacto, a barriga continuava a encolher e a esticar-se como um acordeão e ele estava a esguichar para a frente e para trás, parecia quase uma fonte luminosa com dois repuxos. Ele não sabia quanto tempo aquilo ia durar, mas parecia que não ia ter fim.
Toda a família do gafanhoto estava bem perto a ver como ele reagia ao tratamento. Felizmente estava a resultar porque os terríveis venenos estavam a sair e todos estavam com esperança que ele ficasse bem.
Aos poucos o pequeno gafanhoto foi acalmando e começou a sentir-se melhor. A mãe tinha razão, tinha ficado bem pior antes de ficar melhor! A mãe também tinha razão quando lhe dizia para não ir para sítios perigosos e provar tudo o que lhe dava vontade.
O pequeno gafanhoto decidiu que ia passar a escutar e usar os conselhos da mãe, mas sabia que ia ser difícil. Será que ele vai conseguir, ou será que vai voltar a correr riscos desnecessários?