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Contos por contar

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17
Fev21

Sol de Inverno

#5 - Azul Cobalto - Desafio da Caixa dos Lápis de Cor

Cristina Aveiro

Casinha na Nazare.jpg

O Inverno já ia longo, cheio de dias e dias cinzentos, frio, chuva e mais chuva. Estavam cansados, tinham umas saudades enormes do Verão e da vida junto ao mar. Naquele sábado amanheceu um dia de sol radioso e eles nem pensaram duas vezes, todas as tarefas dos sábados ficaram adiadas. Correram no seu carrinho, atravessaram o pinhal do rei e foram até ao mar de São Pedro de Moel. Depois rumaram a Sul, deleitando-se com tudo o que a estrada atlântica tem para oferecer nos dias de Inverno. Poucos carros, céu límpido, mar calmo como se fosse Verão e daquele azul que enche a alma.

Pararam no Sítio da Nazaré. Pousaram o olhar na vista aérea sobre o casario nazareno, a praia vazia abrigada pelo morro que é o maior para-vento que conheço. Sabiam de cor aquela imagem, mas de quando em quando, o olhar precisava de lá ir, de a rever, de a sentir, de ser banhado pela brisa que ascende guiada pela parede quase vertical até ao mítico cimo. A seguir, o ritual incluía uma descida pelo ascensor que os continuava a fascinar no seu movimento calmo e constante já lá ia mais de um século. A descida suave até ao casario, o contorno de flores dos catos no seu laranja escuro e exótico que bordejava o percurso, fazia parte da viagem que nunca deixava de os fazer sorrir e sentir-se maravilhados.

Depois era deambular pelos recantos da vila, regalar os olhos com as casas branquinhas, com as suas barras azul-cobalto, amarelo mostarda, ou vermelho. Gostavam especialmente dos recantos mais elevados onde pela frente só há o mar, onde o sol se põe e quem lá vive nas suas minúsculas casas se sente rei e não as trocaria por nada.

Na vila ainda se encontram muitos homens e mulheres que orgulhosamente continuam a vestir-se no dia-a-dia com os trajes tradicionais. É única a forma como com naturalidade continuaram a pontear a paisagem com algo que, por cá, só se vê em museus ou momentos de folclore.

O passeio nunca fica completo sem percorrer a marginal, rever os barcos garridos no areal, parar nas peixeiras que secam e vendem ali o carapeto (carapau escalado seco), a petinga e uma ou outra delícia que o sol curtiu.

À medida que o sol vai descendo rumo ao fim do dia, é bom fazer o percurso reverso, como que fazendo um misto de até breve e gravando as imagens pintadas com a luz mais alaranjada que quase chega ao dourado. Voltamos a casa e no coração trazemos um bocadinho de Verão para amenizar os dias de Inverno.

Texto no âmbito do #5 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Azul Cobalto

 

Neste desafio participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ,  a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, e a bii yue.

Todas as quartas-feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós :)

 

01
Ago20

Mestre, o cão de água português

Cristina Aveiro

 

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Há muito, muito tempo, numa terra quente, de mar calmo, cheia de luz, viveu o Mestre que era um trabalhador incansável, sempre pronto a acompanhar e ajudar o seu dono.

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Mestre ia todos os dias para a faina da pesca com o dono e os seus companheiros num pequeno barco de madeira a remos, sempre cheio de redes que o dono e os outros pescadores faziam com corda e umas agulhas especiais feitas de cana.

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Mestre ia sempre à popa do barco muito atento, cheirando as águas do mar e ladrando quando sentia o aroma dos cardumes para que o dono lançasse as redes. Às vezes caia um gancho ou um cesta ao mar e prontamente o Mestre saltava do barco, nadava e recolhia o que tinha caído. Quando o Mestre nadava tudo era harmonia e coordenação, costas bem direitas, pernas e braços a nadar, parecia uma pessoa e não um cão a nadar. Na verdade ele não nadava à cão. Como era um cão pescador, um cão de água e tinha umas patas especiais e diferentes das dos outros cães, ele tinham membranas entre os dedos das patas, como os patos ou outros animais nadadores. Mestre era muito rápido a nadar. Às vezes os pescadores que sabiam nadar faziam apostas para ver quem consegui nadar mais depressa que o Mestre, mas… nenhum conseguia ganhar.

Quando era preciso mergulhar o Mestre ia sem medo, parecia que não precisava de respirar, mesmo quando ia muito fundo, mais de dois metros e aguentava muito tempo, porque… podia! Sim, o Mestre podia porque tinha uns super-pulmões com o dobro do tamanho dos dos outros cães e assim consegui guardar lá dentro o dobro do ar e aguentar muito tempo.

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Todos os barcos de pesca naquela terra do Sul tinham cães como o Mestre. Os cães de água eram sagrados para os pescadores, eram a sua riqueza, o seu bem mais precioso. Para os pescadores os seus cães eram mais um membro da família, por isso nunca podiam ser vendidos. Quando havia uma ninhada os cachorros eram oferecidos aos pescadores jovens para que juntos apurassem as artes da pesca.

Na pesca, muitas vezes quando os peixes se começavam a afastar da rede, Mestre nadava à sua volta de modo a que fugissem para dentro da rede. Mestre não descansava enquanto não tivessem conseguido uma boa pesca.

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Sempre que era preciso pedir ajuda a outro barco, ou a terra, Mestre não hesitava e ia fazer o que lhe pediam.

Mestre tinha um longo pelo preto encaracolado, que crescia quase até lhe esconder os olhos. Os seus olhos eram pequenos e escuros mas sabiam dizer mais do que muitas palavras.

O pelo do Mestre era cortado de modo a faze-lo parecer um leão, com o pelo longo no tronco e na cabeça, fazendo uma enorme juba e com o pelo curto no resto do corpo, excepto na ponta da cauda que terminava com um tufo de pelo longo. Não se pense que era por ser moda, ou para ficar bonito, tudo era feito para o Mestre ser ágil e estar protegido. O pelo curto atrás evitava que fosse pesado e tornava-o mais ágil a nadar. A grande juba protegia-o quando ele entrava na água fria depois de estar encalorado no cimo do barco ao sol escaldante. Senão fosse a juba, a diferença de temperatura podia ser fatal para o Mestre.

Os filhos do pescador adoravam brincar com o Mestre, diziam que era um cão tão forte que os protegia de todos os perigos em terra e no mar. Na praia depois da faina iam para o mar com o Mestre, mergulhos, corridas e risadas era tudo o que se podia ouvir. O pai orgulhoso dos seus rapazes, via como eles iam aprendendo a nadar vendo como o Mestre fazia.   O pescador cuidava das redes descansado enquanto os pequenos brincavam nas ondas porque ele sabia que o Mestre tomava conta e se fosse preciso ajuda ele ladrava a pedir.

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Quando o mar estava agitado no Inverno Mestre e o dono ficavam em terra e passavam longo tempo junto ao cais onde também estavam os outros pescadores. O dono remendava as redes e tecia redes novas, o Mestre corria pela praia e nadava. Os pescadores ficavam por ali com os seus cães, contavam histórias do mar e da faina. Havia um pescador idoso, um verdadeiro lobo do mar, que já não podia ir nos barcos mas continuava sempre pelo cais a ajudar, a contar histórias antigas, muitas do tempo dos seus avós, que já lhes tinham sido contadas pelos pais e avós. Os pescadores sabiam muitas coisas mas não sabiam ler, nem tinham livros, tudo era ensinado na família e pelos companheiros mais idosos e sábios.

O velho lobo do mar dizia que os cães de água descendiam dos cães dos romanos chamados cão leão e que há mais de 2000 anos que estes cães eram inseparáveis dos pescadores. Como era um ansião todos o respeitavam e escutavam embora talvez nem todos acreditassem, mas para eles não importava há quanto tempo os cães pescadores existiam, o que importava aos pescadores era que os cães de água estavam lá desde sempre com eles e iriam estar para sempre. Afinal como poderiam pescar se não tivessem os seus cães? Sem a ajuda dos cães nunca conseguiriam pescar o suficiente.

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De vez em quando o Mestre interrompia as suas corridas na praia e voltava para junto do dono, ficava deitado sobre a rede a olhar para ele.

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O Mestre não entendia as conversas dos pescadores, mas sabia que ali era o seu lugar e era feliz.

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Este conto é uma homenagem ao cão-de-água português que é único e só passou a ser mais conhecido em Portugal quando o presidente Barck Obama adoptou um casal, o Bo e a Sunny. A escolha deveu-se ao facto de a raça ser adequada a pessoas com alergias porque tem apenas uma camada de pelo com características especiais.   

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Para saber mais sobre o cão de água português:

 

 

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