O calor do Natal
Tinham sido dois anos de pandemia em que todas as tradições de Natal não se tinham cumprido. Juntarem-se todos na casa de uma das avós para aqueles dias tão especiais, com as decorações próprias de cada casa, as receitas e delícias de cada anfitriã fora algo de que todos tinham sentido a falta. Naqueles dois anos muitas coisas se tinham passado e durante bastante tempo muitas pessoas no mundo estiveram cientes de que o que mais importa é o que se vive, e não o que se tem, e naquela família esse sentir tinha ficado ainda mais forte.
As avós e os avôs estavam com menos energia, os anos são mais pesados para quem já tem muitos e todos notavam como se cansavam mais, como as suas dificuldades físicas tinham ficado maiores.
Os filhos reuniram-se em conselho de duendes e decidiram que este Natal iam criar uma nova tradição. Este ano o Natal ia ser numa casa nova, que ia ser da família apenas enquanto lá estivessem. Decidiram que iam para Sul, para uma daquelas casas enormes pertinho do mar e da ria, para onde lhes era impossível ir no Verão, mas que no Inverno estavam sozinhas e tristes à espera de ser vividas. Tiveram de escolher uma que cumprisse o que sabiam que as avós iam gostar: cozinha grande com tachos enormes, lareira, …
Quando a família se reuniu para combinar o Natal, os filhos disseram que este ano tinham uma prenda muito especial para todos: iam passar o Natal num lugar mais quente, numa casa grande com jardim e junto à praia. Os avós ficaram algo perdidos com a notícia, já tinham começado a pensar tudo com cuidado, as compras a fazer, as coisas a encomendar, … As crianças desataram a fazer mil perguntas: se iam ter presépio, quem ia fazer a decoração de Natal, se iam tomar banho no mar como no verão, … e já agora se o presente era ir para a casa junto ao mar, como ia ser com os presentes de Natal?
Aos poucos todos foram acolhendo a notícia e começaram a fazer planos. As tarefas culinárias e de organização foram distribuídas por todos, deixando mais tempo a cada um e aliviando os avós das tarefas que sempre tinham assumido como suas. Como tinham também secretamente decidido que cada criança ia ter apenas um presente que fosse algo especial e desejado por ela, sobrava tempo e dinheiro face às buscas de muitos presentes de outros natais.
Quando partiram para a casa do Natal, havia uma mistura de alegria e confusão, afinal não ia ser nada como antes. Os avós tinham resistido a este plano, mas lá iam com os seus mimos natalícios na mala do carro e com roupas mais leves porque não ia haver frio, e quase de certeza não ia chover.
Quando chegaram ficaram todos encantados com a casa grande, branquinha, com a açoteia no topo de onde se via o mar, as janelas que davam para o jardim e para o telheiro da sala, a lareira,… Os adultos adoraram a simplicidade da casa, onde pouco tinha mudado desde quando há muito tempo tinha sido construída, as paredes caiadas, os tetos altos até ao telhado, o chão de tijoleira de barro vermelho amaciada pelo tempo, tudo mostrava que era uma casa idosa e feliz.
Começou uma azáfama para vestir a casa de Natal, presépio, decorações, …, na cozinha as várias equipas faziam as preparações para os pratos respetivos.
Quando tudo ficou organizado, e depois de um almoço simples, porque a ceia ia ser de consoada, saíram todos para aproveitar o sol, uns foram caminhar mais depressa a ver se conseguiam ir até à praia, os avós foram mais devagar aproveitar para caminhar no passadiço junto à ria e encher os pulmões daquele ar morno e cheio de aromas de maresia, dos arbustos das dunas, da ria, enfim, tão diferentes dos que tinham nos seus lugares. Notava-se os sorrisos nas pessoas idosas de outras paragens que passavam com mangas curtas e calções coloridos, embora usando agasalhos no tronco. Os avós observavam e notava-se que pareciam surpreendidos com aquela aparência ativa e coloridas daquelas pessoas que eram das suas idades e afinal pareciam bem mais novas.
Os pequenos estavam encantados com a liberdade de terem a povoação e a praia quase sem ninguém. Podiam correr, andar por ali à vontade, quase não havia transito e só estavam lá os poucos residentes e alguns visitantes de países frios do Norte da Europa.
Quando o sol começou a ir-se embora, regressaram a casa, e todos já lhe chamavam a nossa casa, finalizaram-se as preparações da consoada envolvendo miúdos e graúdos.
O ambiente natalício estava perfeito, com a fogueira, as decorações que tinham vindo na viagem e a azáfama de uma família feliz em noite de consoada.
Este conto responde ao desafio da Isabel do blogue Pessoas e Coisas da Vida sob o mote "o meu conto de Natal" que já deu origem a duas coletâneas de contos pelas mãos da Isabel, do Zé do blogue Lados AB e a nossa ilustradora e escritora Olga do blogue A cor da escrita.
Gostava de partilhar com a Isa do blogue Um pássaro sem poiso, a Ana D. do green ideas, o Vagueando do blog Generalidades, a Lúcia do Com um sorriso chegas ao infinito, o Casimiro do Folhas de luar, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, a A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ, a Rute Justino, a Célia, a Charneca Em Flor, a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, João-Afonso Machado, A Marquesa da Marvila, a bii yue e outros de quem gosto tanto ...