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Contos por contar

Contos por contar

09
Jan21

Flecha Azul, o guarda-rios

Cristina Aveiro

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Era uma vez um rapazito que vivia numa velha azenha construída em pedra, com uma enorme roda de madeira que parecia estar suspensa sobre o rio. A sua vida girava em torno do rio, da azenha com o seu rodar infindável, cheia de ruídos constantes e com uma candência tranquilizadora, um pouco como o rio. Os sons do rio eram mais variados, podiam ser assustadores quando vinham as chuvas fortes e durante muitos dias, nessas alturas o rio parecia um trovão, um monstro indomável, terrível.

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O rapazito sentia medo do rio nesses dias, especialmente à noite quando tentava dormir. Imaginava que o rio levava a azenha e tudo o que lá havia rio abaixo até ao mar e por muito que o pai lhe dissesse que a azenha estava ali há séculos e que tinha sido sempre ocupada pela família ele não conseguia dormir nessas noites.  O rapazito gostava quando o som do rio era um doce restolhar nos seixos e o som da queda da água sobre a roda da azenha num caudal calmo e regular. No Verão o som do rio já não era tão bom de ouvir porque era fraco, quase só se escutava o fio da água na azenha, com pouca força e, adorava ficar sentado na margem do rio parado entre os juncos à espera, a ver se tinha a sorte de ver o flecha azul. A vida da família era sempre junto ao rio, onde a azenha, o moinho movido a água, era o sustento da família e moia os cereais para quase toda a aldeia.

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Para além da moagem dos cereais, também o peixe que apanhavam no rio era fundamental para alimentar a família. O moleiro desde cedo ensinou o rapazito a montar armadilhas para apanhar peixe e a andar pelas margens, silenciosamente e a ter muita paciência para saber esperar pelo momento certo.

Enquanto pescava passava imenso tempo parado, e em silêncio podia observar a vida dos animais que viviam no rio, conhecia-os e tentava entender o que faziam, como se alimentavam, onde descansavam, como criavam os filhos, … enfim tudo sobre a sua vida.

De todos os animais do rio era o Martim-pescador, ou guarda-rios o que mais o fascinava.  

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Um passarinho pequeno, com uma cabeça grande, um bico preto fino e longo, pescoço curto, com umas pernas pequenitas e quase sem cauda. Era rechonchudo, com a cabeça e o bico demasiado grandes para o pequeno corpo, mas tinha a plumagem mais bela e colorida que se podia encontrar naquele reino. As suas cores e o longo bico reto faziam lembrar o exótico beija-flor que vivia em reinos quentes e muito longínquos.

Nas suas costas as penas eram de um azul turquesa muito forte e luminoso, as asas e a cabeça estavam cobertas por penas brilhantes de um verde profundo e intenso, salpicadas pelo que pareciam estrelinhas, diamantes do azul turquesa das suas costas. A barriga volumosa e bem redondinha era coberta de lindas penas cor de mel, quase acobreado e para completar tinha debaixo de cada olho grande e negro uma pincelada desse tom mel, seguida de outra pincelada de penas brancas. Debaixo do bico e acima das penas da barriguinha também havia uma boa pincelada de penas brancas, como se fosse um pequeno babete. As suas curtas patas eram de um laranja forte com dois deditos para a frente e um para trás, que lhe permitiam agarrar-se fortemente aos ramos e a finas varas vibrantes junto à água, onde conseguia ficar pousado em equilíbrio perfeito.

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As gentes do reino ficavam fascinadas com as cores daquele passarito. A maioria dos pequenos pássaros do reino tinham cores acastanhadas, pretas, com algumas penas brancas e alguns com uma pincelada ou outra de cor, mas nada como o guarda-rios.

Quando o guarda-rios fazia o seu voo rasante junto à água entre as duas margens do rio era tão rápido como uma flecha das que usavam na caça, só que era uma flecha de um azul fulgurante. Daí que o pequeno guarda-rios fosse conhecido no reino por flecha azul em homenagem às suas cores e velocidade.

Havia um reino onde lhe chamavam o Diamante Voador por causa das pequenas estrelas em forma de diamante que tinha nas sua asas e cabeça.

As suas penas coloridas eram até exibidas nos chapéus para emprestar um pouco da sua cor às vestes sombrias das gentes do reino.

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Havia reinos distantes onde lhe chamavam Rei dos pescadores porque ele era incrivelmente eficaz, quando escolhia o peixinho que ia apanhar, fazia um voo rápido, um mergulho destemido nadando com as asas e zás, lá subia para fora da água com o peixe atravessado no bico. Os seus olhos são especiais, estando adaptados a ver com nitidez também debaixo de água. Depois pousava num ramo próximo e ia sacudindo o peixe e batendo contra o tronco até que este ficasse imóvel e então virava-o e engolia-o inteiro pelo lado da cabeça. Cada mergulho cada peixe. Ele comia muitos peixinhos por dia, tantos quanto o seu peso.

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O menino passava horas a ver o que fazia o casal de guarda-rios que vivia um pouco acima da azenha. Estavam sempre por ali. Todos os anos tinham três ou até quatro ninhadas de filhotes. Nunca paravam de tratar deles, ou a arranjar o ninho, que era bem difícil de construir, ou a apanhar comida para eles, ou a ensinar os filhotes a cuidarem da sua vida e a irem para outro lugar no rio.

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O ninho era o que mais intrigava o rapaz. Escavavam sempre um túnel enorme na parede barrenta e arenosa da margem do rio. O rapaz já tinha visto um que tinha sido desfeito pela água que tinha quase um metro de comprido. Era um trabalho de equipa escolher o sítio e ir arrastando para trás a terra para criar o túnel de passagem para a câmara onde mais tarde iam pôr e chocar os ovos.

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O menino quando chegava a casa ao fim do dia depois das suas pescarias no rio e de cumprir as tarefas na azenha gostava de contar o que tinha visto nas margens do rio, em especial tudo o que tinha visto os guarda-rios fazerem. Tentava descrever as cores e os voos impressionantes, mas não conseguia fazer os irmãos entenderem a beleza do que tinha visto. Apenas o pai, que também conhecia muito bem a vidas destes pássaros o ajudava às vezes a explicar melhor como era.

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O menino gostava de conseguir desenhar todas aquelas cores e até talvez mostrar como eles faziam aqueles movimentos, mas não sabia como podia fazer isso. Nada tinha para desenhar que não fosse uma tábua de madeira e uma pequena navalha para gravar, mas tudo o que fazia não era parecido com o que tinha visto e queria mostrar. O menino sonhava que ia conseguir um dia, mas enquanto não era capaz, levava os irmãos pela margem do rio, com muito cuidado e alerta porque o flecha-azul podia aparecer a qualquer momento. O menino ensinou todos os que conhecia, a olhar com atenção sempre que passavam na margem de um rio tranquilo, porque assim iam conseguir ver o flecha-azul de certeza.

E tu já viste o flecha-azul? Eu já o vi duas vezes e continuo sempre atenta porque gostava de o ver de novo, é pura magia! Ainda há hoje muitos meninos e meninas em todo o mundo que continuam a observar, a fotografar e filmar o guarda-rios porque não conseguem resistir à sua magia.

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Agradeço a cedencia das fotografias dos guarda-rios da autoria do contador de histórias visuais Sotéro José.

Podes ver devagarinho o nosso flecha-azul:

Este é um documentário que é o sonho de um menino que adorava ver o guarda-rios:

 

 

 

19
Jun20

A Lontra Lola

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma lontra chamada Lola que vivia num rio chamado Lis. Era ainda jovem, só tinha um ano e meio, já só faltava meio ano para ser adulta! Sim, as lontras ficam adultas quando fazem dois anos e ela já sabia viver sozinha, sem precisar de ajuda da mãe.

Quando ela era muito pequenina, nem sequer sabia como andar na água, foi a sua mãe que lhe ensinou a nadar. Bem, nos primeiros tempos estava sempre na toca com as irmãs e irmãos, eram cinco e regalavam-se a mamar. A mãe tinha muita paciência e estava sempre a cuidar do seu pelo para ficar bem limpo.

Agora ela já sabia assobiar, chiar e guinchar. Era muito divertido porque assim conseguia que os seus irmãos a ouvissem e por vezes viessem nadar com ela. Gostava muito de nadar, era rápida e conseguia ficar muito tempo debaixo da água. Sempre que mergulhava, os seus ouvidos e as narinas fechavam-se, tal como a sua boca, assim não entrava água nenhuma para incomodar.

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A Lola estava muito orgulhosa das suas patas que eram mesmo especiais… tinham umas membranas entre os dedos que ajudavam a nadar a toda a velocidade.

O seu corpo era muito esguio, com uma bela cauda o que lhe permitia deslizar rapidamente pela água.

O seu pelo era também mesmo especial, tinha duas camadas. A camada mais junto à pele deixava-a sempre quentinha, mesmo na água gelada do Inverno. Tinha outra camada de pelo maior que era um verdadeiro impermeável e permitia que o seu corpo ficasse sempre seco, mesmo debaixo de água, parecia magia.

Durante o dia ela geralmente ficava na sua bela toca. Era um recanto na margem do rio com uma abertura no fundo que dava para entrar logo debaixo de água para o rio, e tinha também uma bela chaminé no topo para entrar o ar fresco. Todo o dia era aproveitado para …dormir! É verdade, durante a noite é que aproveitava para nadar, brincar com as suas amigas e mesmo procurar comida. Gostava muito de pequenos peixes do rio e como vivia junto da nascente onde as águas eram muito puras e cristalinas havia muitos peixes e plantas do rio.

Ela gostava de se passear pelo rio e de aprender com as lontras já muito velhinhas, as que já tinham 6 ou 8 anos. Do que ela mais gostava que lhe ensinassem era sobre sítios escondidos no rio e num lago que ficava muito longe, onde ela nunca tinha ido.

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Estava um dia cinzento e chovia muito, o rio começou a ficar com muita água, havia muito barulho da água a bater nas pedras a toda a velocidade. A Lola saiu da sua toca pela abertura debaixo da água e decidiu aproveitar para descer o rio e ver se chegava até ao grande lago de que falavam as lontras velhinhas.

De repente começou a amanhecer e Lola olhou à volta porque as águas estavam mais calmas. Era uma zona estranha, tinha pontes feitas de pedras, muitas casas e grandes construções com chaminés enormes. Como estava cansada aproximou-se de um regato estreito para procurar um abrigo. Assim que entrou no regato viu que a água era escura, tinha espuma e cheira muito mal. Lola nunca tinha visto nada assim. Procurou peixes porque já estava com fome, mas … não encontrou nem um. Começou a ficar maldisposta, com dor de barriga e de cabeça, sentia-se doente, sem forças e sem conseguir nadar. Parecia que tinha adormecido, não se lembrava de nada e viu que tinha voltado para o rio.

Lá a água era mais limpa, não tanto como na zona da nascente, mas ainda assim era boa para beber. Aqui já conseguia respirar, não havia mau cheiro, que alívio. Estava exausta e encontrou uma zona na margem aconchegada onde finalmente conseguiu deitar-se e dormir. Sim finalmente, já era dia há muito tempo e eram mais do que horas de ir dormir.

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Depois de dormir muito acordou já a noite estava bem escura e a Lua gorda, branca e bem redonda. Foi procurar algo para comer e ficou toda contente porque viu outra lontra ao longe. Nem queria acreditar, ele nadava super bem, Começou a aproximar-se e achou mesmo que ele era lindo e começou a guinchar baixinho para ver se ele a via. Então ele aproximou-se e disse que se chamava Leo. Ele desatou a fazer piruetas, e mostrou-lhe onde podiam ir pescar.

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O Leo tinha nascido num lago e gostava de subir rio acima de vez em quando. O seu sonho era ver a nascente do rio mas devia ser muito longe porque ainda nunca tinha conseguido lá chegar. A Lola quando o ouviu a falar da nascente disse-lhe que era lá que ela vivia. Contou-lhe como a água era limpa e cristalina e como à volta do rio havia arbustos, árvores e montes de pequenas ervas. Tudo era verde, não era como ali naquela zona do rio.

Estavam a Lola e o Leo a descançar e guinchar quando se aproximou um animal com uma rede e o Leo desatou a correr, mas a Lola ficou parada, cheia de medo.

O animal era um caçador que tinha visto os dois e os tinha achado  muito fofos e quis apanha-los. Só apanhou a Lola, e … levou-a para casa porque ia oferece-la à sua filha. A menina achou a Lola bonita, gosta de a ver correr no chão do seu quarto e a dormir durante o dia num cobertor. Duas vezes por dia dava-lhe peixe para a alimentar.

Rapidamente a menina ao olhar com atenção para os olhos da Lola viu que ela não era feliz na sua casa. A menina fica triste e tenta fazer coisas para a Lola estar mais contente, mas … nada resulta. A menina continua a tentar, põe a Lola na banheira a pensar que ela vai ficar feliz, mas os olha da Lola ficam ainda mais tristes e ela nem tenta nadar.

Neste momento a menina percebe que a sua casa não é a casa da Lola! A menina vai a correr chamar o pai. Diz ao pai que gosta muito, muito da Lola e que vai ter muita pena de não a ter, mas que o que quer é que a Lola seja feliz. Então a menina pede ao pai para irem juntos ao sítio onde o pai tinha apanhado a Lola para a deixarem ir em liberdade para a sua casa na natureza.

Quando a Lola se viu na margem do rio nem queria acreditar! Parece que tinha voltado a viver. Desatou a correr para a água, a chiar e a guinchar com esperança de encontrar o Leo para juntos irem para longe. Talvez para a nascente do rio ou para o lago grande. Não demorou muito a que o Leo chegasse ao pé da Lola e todos felizes desataram a nadar rumo à sua casa.

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Agora podes ouvir esta história!

                 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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