Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Contos por contar

Contos por contar

18
Jun22

Então como está a correr a escola?

Cristina Aveiro

Imagem7.jpg

Era uma vez uma menina que nasceu muito rosadinha, de pele clara, sorriso pronto e olhos cor de mel.  Era doce e sorridente, sempre pronta para abraços, brincadeiras com as coisas dos adultos e com uma ternura imensa pelos animais. Todos os animais a interessavam, mesmo as galinhas já adultas ela gostava de mimar.

A vida de criança corria leve e alegre, cheia do amor dos que a rodeavam e a menina era muito feliz. O tempo foi passando, a menina cresceu, veio o tempo de ir para a escola. A menina há muito esperava esse momento porque já conhecia o lugar e gostava de lá ir ter com as outras crianças. Nesses primeiros anos em que a brincadeira, os contos, os desenhos e as pinturas eram o que enchia os dias, e em que se ia aprendendo sem se dar conta disso, a menina sentia-se feliz. Nas alturas em que as regras eram mais rígidas e todos tinham de fazer isto ou aquilo ao mesmo tempo e durante um tempo determinado a menina não gostava, ela queria fazer quando sentia vontade e gostava de parar ou de continuar quando quisesse. Nesses dias ela vinha menos alegre para casa.

A menina viu que os meninos crescidos passavam muito tempo parados nas salas, que depois, em casa, continuavam parados durante muito tempo como se continuassem na escola, com os seus lápis, cadernos e livros. Achava estranho como ficavam tanto tempo a fazer a mesma coisa sem se aborrecerem ou cansarem, mas imaginava que era por serem mais crescidos.

Quando a menina e os seus amigos foram para as salas dos crescidos, onde se aprendia a ler e a fazer outras coisas importantes foi cheia de vontade, afinal iam passar a fazer mais coisas sozinhos e iam certamente ter mais liberdade para fazer o que queriam porque já eram mais capazes de tomar conta de si.

Quando começaram as tarefas de conhecer as letras, de saber como se formavam palavras, quando tinham que repetir muitas vezes o desenho das letras e dos números, e quando o professor falava, falava, tanto tempo que parecia uma melodia a encher o ar, a menina saia daquele lugar e ia para bem longe no seu pensamento. Ao princípio ninguém reparava, mas com o tempo o professor começou a notar que a menina, embora parecesse estar atenta e a fazer o que o lhe pediam, parecia que não estava lá na sala.

O professor chamava o seu nome e trazia-a de novo para as tarefas. A menina nunca se portava mal, nem se distraia em conversas, ao contrário dos seus colegas. Pensava que todos os meninos se cansavam assim das tarefas e de escutar o professor e que vagueavam nos seus pensamentos tal como ela.

Em casa, quando era a hora de fazer as tarefas da escola, tudo se passava da mesma forma e ela rapidamente se cansava, ficava no mesmo lugar, mas a viajar nos seus pensamentos. Demorava muito tempo até acabar tudo aquilo e cansava os adultos com a sua lentidão. Eles não compreendiam, a menina era muito inteligente, mas parecia que não queria trabalhar e os adultos ficavam arreliados com isso. Muitas vezes lhe diziam que se ela tivesse dificuldades em compreender, ou em lembrar-se do que aprendia eles podiam compreender, mas não querer fazer as coisas, isso não podia ser, ela tinha que fazer as tarefas.

A menina não queria que ninguém se arreliasse ou ficasse triste, tentava mais e mais fazer as coisas durante aquele tempo imenso que demoravam ao seu melhor ritmo, mas era mais forte do que ela. Tinha que parar muitas vezes, deixar o seu pensamento descansar e passear por outras coisas, senão não conseguia pensar em nada.

Diziam-lhe que se não parasse ia terminar mais cedo e podia brincar mais tempo, ela bem queria conseguir isso, mas era-lhe impossível.

Passou a observar como faziam os seus amigos e viu que muitos conseguiam ficar muito tempo sem parar a fazer as coisas e conseguiam melhores resultados. Ela também queria ter os bons resultados e procurava forçar-se mais e mais a estar mais tempo nas tarefas, mas…

Então a menina começou a sentir que era diferente, que o seu pensamento não era como o dos outros e que tinha algum defeito.

Todos procuraram ajudar, foi conversar com pessoas que sabiam muito sobre crianças e sobre como elas aprendem, fizeram testes e houve muitas e muitas conversas, mas na verdade não pareciam afinal saber assim tanto, porque não trouxeram nada de novo. A menina continuou a sentir as mesmas dificuldades e a lutar contras elas.

Muitas vezes a menina estranhava que os adultos tomassem a escola como o mais importante da vida de uma criança. Perguntavam sempre como corria a escola, o que andava a aprender, … Nunca perguntavam se tinha muitos amigos, se conseguia ajudar as pessoas, se andava a divertir-se muito, se já conseguia cozinhar, ou se compreendia melhor como vivem e sentem os gatos ou os cães. Parecia que a infinidade de coisas que ela tanto gostava e que a faziam mais feliz não eram importantes para os adultos.

A menina sempre guardou tempo e atenção para os que tinham dificuldades em aprender as coisas da escola, ou que não tinham jeito para resolver as coisas da vida que era preciso. Sempre conseguiu levar um pouco de alegria aos que estavam mais tristes, dar atenção aos mais tímidos.

Os anos passaram, a menina cresceu, percebeu que era diferente da maioria das pessoas na forma de aprender, de trabalhar e talvez até de extravasar as suas emoções. Aceitou que isso não era bom, nem mau, era apenas assim. Percebeu que o seu olhar conseguia chegar muito longe quando observava as pessoas e que lhes conseguia levar calor e alegria, que chegava facilmente ao seu sentir e que esse dom lhe trazia, também a ela, muita alegria.

Sempre que vinham crianças ao seu caminho conversava com elas sobre tudo e mais alguma coisa, mas nunca sobre a escola. Se as crianças falassem sobre a escola, claro que estava lá para as escutar, mas sempre procurando que os seus mundos não se confinassem nela.

05
Ago21

O Camaleão da Praia

Cristina Aveiro

Teresa Dias-3.jpg

Foto: Carla Eira

Era uma vez um jovem camaleão que tinha nascido há um ano nas dunas duma pequena ilha de areia entre o mar e a Ria Formosa. Estava feliz por finalmente ser adulto e poder exibir uma belíssima cor verde luminosa com um padrão de manchas e listas pretas que eram o seu orgulho, sentia-se confiante na sua beleza porque ainda há poucos dias se encontrara com um camaleão mais velho que ficara imediatamente amarelo, mostrando que não admitia outro macho adulto naquela zona. Tinha agora a certeza que ia encontrar uma linda “camaleõa” bem verdinha que iria querer começar uma nova família com ele. As “camaleõas” não tinham listas ou manchas pretas, tinham a pele de um verde muito luminoso, com algumas zonas um pouco mais claras e eram muito graciosas no seu andar vagaroso, elegante e tranquilo.

1200px-Benny_Trapp_Chamaeleo_africanus_sitzt_auf_f

Foto: Benny Trap

O camaleão enquanto crescera tivera de mudar de pele várias vezes porque a sua pele não esticava e à medida que crescia ia deixando a pele pequena e criando uma nova cada vez mais bonita.

Um dia estava ele bem agarrado a uma dittrichia viscosa, que é uma planta das dunas com florinhas amarelas pequeninas e que tem um cheiro forte, quando a avistou. Oh como ela era linda! Primeiro vira-a com um olho, depois virou-se e ficou a vê-la com os dois olhos. Que porte, que beleza, como desfilava sobre o muro caiado! Tudo nela era perfeito, os seus pezinhos com os três dedinhos para fora e os dois para dentro, as suas lindas mãozinhas com os dois dedos para fora e os três para dentro, as suas unhas jovens e delicadas… A forma elegante com elevava a cauda ao caminhar! Até a sua boca era perfeita, parecia estar a sorrir, mesmo estando fechada.

Terwsa Dias-1.jpg

Foto: Teresa Dias

Tratou de começar o longo caminho até ao muro caiado para que ela o visse, lutava contra o seu corpo vagaroso, como queria correr para chegar logo ao pé dela, mas ele não era uma lagartixa, nem um caranguejo para poder correr sempre que tivesse vontade. Diligentemente lá foi indo com o seu andar cadenciado em câmara lenta, foi avançando aos poucos até que ficou num pedaço de areia sem vegetação e ficou totalmente à vista, embora ainda estivesse muito afastado do muro. Ele tinha quase a certeza de que ela já apontara um olho na sua direção. Fica ainda com mais vontade de chegar depressa junto da bela “camaleõa”. Olhou à sua volta e ao olhar para o lado do mar, viu o caminho de tábuas onde as pessoas andam na praia junto às dunas. Decidiu arriscar e ir por ali até ao muro caiado. Era um caminho mais curto mas mais perigoso, ia estar mais exposto e tinha medo que as pessoas o pisassem, mas por ela tudo valia a pena, queria conhecê-la rapidamente.

Ia a meio do caminho de tábuas quando tudo aconteceu muito depressa. Um rapaz, cheio de sacos com mil coisas coloridas para brincar na praia, viu-o lá bem ao longe e desatou a correr. O rapaz tropeçou e espalhou as suas bugigangas pelo estrado e pela areia, mas levantou-se e continuou de novo a correr. O camaleão percebeu o que ia acontecer e bem tentou apressar-se mais e voltar às ervas da duna para se proteger, mas a lentidão dele e a rapidez do rapaz levaram ao inevitável encontro. Primeiro o rapaz observou-o com curiosidade e medo (ufa, ainda bem pensou o camaleão!). O rapaz começou a pensar que era um animal pré-histórico que ali aparecera como por magia! Aos poucos o rapaz começou a esticar a mão e tocou-lhe. O camaleão tentou mostrar-se mais assustador, mas o rapaz parecia ter perdido o medo e … agarrou-o e levou-o para mostrar aos pais e à irmã.

O camaleão estava aterrorizado, olhava para todos os lados, tentava não perder de vista a bela “camaleõa” do muro caiado, mas nem consegui focar os olhos em nada de tão depressa que iam. Estava cheio de medo, nunca andara não mão de ninguém, nunca andara àquela velocidade alucinante, ia cair, ia ser esmagado por aquela mão enorme!

Assim que o rapaz parou para o mostrar à família a irmã do rapaz desatou a gritar e a fugir sem parar. Parecia-lhe que um dos dinossauros de brincar do irmão tinha ganho vida, era pequeno, mas ainda assim muito assustador. Os pais do rapaz explicaram-lhe que era um camaleão jovem e que ele não o devia ter trazido. Disseram também que este animal e os restantes devem ser deixados a viver a sua vida, podemos ficar a vê-los, mas não os devemos perturbar. Disseram que só devemos ajudá-los quando eles correm perigo, como era na passadeira da praia, mas não devemos tocar-lhes, devemos usar um ramo de uma planta ou outro objeto e depois devemos devolvê-los à duna, sobre uma planta, de preferência em plantas com flores para terem muito alimento.

portugal-chameleons-and-other-reptiles-in-algarve-

Foto: Markus Luske

O rapaz ficou triste, ele não tinha querido fazer mal ao camaleão, estava apenas contente e fascinado! Foi então até ao local onde o apanhara e pousou-o delicadamente num pequeno arbusto da duna com flores amarelas, tal como lhe tinham dito, ali o camaleão iria poder comer os muitos insetos que pousavam nas flores e iria recuperar do susto rapidamente.

O pequeno camaleão agarrou-se firmemente com as patitas a um ramo, enrolou a sua cauda bem enroladinha à volta do ramo para não cair e ficar bem camuflado. Ia ter de descansar por umas horas. Ali sentia-se seguro como quando estava dentro do ovo na toca que a sua mãe escavara antes de ele nascer.

1200px-Benny_Trapp_Chamaeleo_africanus_gräbt_Nest

Foto: Benny Trap

Precisava de retemperar as forças, não podia ainda dar-se ao luxo de ir continuar a tentar ser visto pela sua bela “camaleõa”. O camaleão só esperava que ela não se afastasse muito do muro caiado.

Mais sobre mim

foto do autor

Contos de Natal 2022

Contos de Natal 2021

Desafio Caixa dos Lápis de Cor

desafio com moldura selo.png

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D

Desafios da Abelha

Eu Sou Membro
Em destaque no SAPO Blogs
pub