A Raposa Corajosa - Desenhada pela Matilde Aveiro
Era uma vez uma raposa vermelha que tinha acabado de ser mãe de três raposinhos pequeninos. A raposa e o pai dos raposinhos tinham preparado uma bela toca, às vezes chamava-lhe covil, antes dos raposinhos nascerem para poderem estar bem confortáveis. Primeiro procuraram um bom buraco numa colina para terem uma boa vista sobre tudo o que se passava à volta e poderem ver quem se aproximava. Escolheram um buraco grande junto à raiz de uma árvore velha muito grande. Escavaram o buraco e construíram uma toca muito comprida, nalgumas zonas tinha mais de dois metros de túnel. Escavaram também mais duas entradas para que nunca ficassem encurralados se algum intruso entrasse pela porta. Se algum animal viesse e não pudessem escapar por uma porta saiam por outro lado e ficavam a salvo.
Normalmente as raposas não precisam de tocas, dormem bem enroscadinhas, cobertas com a sua cauda felpuda, escondidas debaixo de um arbusto ou de ervas densas durante todo o dia. Mas nesta altura do ano tudo tinha que ser especial, tinham que cuidar bem dos seus filhotes. Tudo começara no meio do inverno quando conhecera o seu companheiro, e no início da primavera tinham nascido os pequenotes.
Nos primeiros tempos era o pai que ia procurar e trazer comida porque a raposa nunca saía do covil. A raposa ficava o tempo todo a cuidar daquelas bolinhas de pelo macio e escuro que ainda não conseguiam ver, nem ouvir, nem tinham dentes e precisavam a todo o tempo do cuidado da mãe. Um mês depois de nascerem os raposinhos já começavam a andar e a explorar um pouco o terreno junto à entrada da toca e a mãe raposa e o pai durante a noite iam caçar e procurar comida para os seus filhotes. Os raposinhos só conseguiriam viver e caçar sozinhos no início do outono. Faltava ainda muito tempo para isso, até essa altura a raposa tinha que lhes ensinar tudo sobre como viver sozinho, afastar-se dos perigos, encontrar comida, enfim tudo o que uma raposa tinha que saber.
A zona onde a família de raposas vivia era uma mata perto de quintas e da cidade. Antigamente a mata era muito maior, havia apenas uma quinta, e não havia casas, mas agora havia muitas casas com jardins, pessoas que às vezes vinham passear pela mata, traziam cães e nos jardins às vezes também andavam gatos a passear por ali. Quando a raposa via os cães ao longe na mata desatava a gritar e a ladrar para avisar as outras raposas e todas se afastavam.
Quando via os gatos e os cães ao longe escondida pelas ervas altas e pelos arbustos a raposa ficava intrigada, no corpo ela até era parecida com alguns cães, mas por outro lado, os seus olhos pareciam de um gato, tinham a pupila vertical e só ficava redonda quando andava no escuro, que era a maior parte do tempo. E mais, os seus olhos à noite brilhavam da mesma maneira que os dos gatos, devia ser porque também eles gostavam de andar no escuro.
A raposa era muito bonita, tinha um focinho pontiagudo que conseguia entrar em qualquer buraco que quisesse farejar, tinha uns bigodes enormes que eram verdadeiras antenas sempre a detetar o que se passava em volta, as orelhas eram triangulares, sempre levantadas e alerta. Os seus olhos cor de âmbar estavam na parte da frente do focinho, como os olhos das pessoas e dos gatos e não um de cada lado do focinho como os cães ou os esquilos. Por ter assim os olhos, conseguia ter uma visão muito alargada e podia ver em profundidade, medido as distâncias. Tinha um pelo muito bonito de um tom castanho avermelhado, com pelos brancos debaixo do pescoço, no peito e num tufo na ponta da sua grande, espessa e felpuda cauda. Nas pernas magras os pelos eram castanho escuros, tal como a maior parte dos pelos da cauda.
À medida que os filhos iam crescendo era preciso levar-lhes cada vez mais comida e embora houvesse muitas larvas, bagas silvestres e pequenos ovos de aves, a raposa não estava a conseguir encontrar comida nas proximidades da toca em quantidade suficiente. A mãe raposa e o pai começaram a afastar-se cada vez mais da árvore grande onde estava a toca e começavam mesmo a sair da zona da mata. A mãe raposa começava a sair cada vez mais cedo, mesmo quando ainda havia luz ao final do dia, e só voltava quando já começava a despontar o dia. Quando se afastava mais da mata começava a ver as casas e os seus jardins, aproximava-se sempre devagar, em passos silenciosos, escutando com muita atenção. A raposa até conseguia ouvir as toupeiras e os ratos a escavarem e a caminharem nos seus pequenos túneis subterrâneos. Mesmo à distância conseguia sentir o cheiro muito apetecível que vinha do lado das casas. Estava muito tentada a aproximar-se mais, e ia observando e caminhando até estar mesmo na relva do jardim de uma casa de tijolos vermelhos. Escondida ao máximo nos arbustos olhava em todas a direcções, cheirava e escutava sempre alerta. Viu uns pedaços de carne numa taça e correu à pressa para os agarrar e fugiu para a sebe onde comeu. O que a raposa não viu foi um senhor já velhinho que a observava com toda a atenção a partir da janela. O senhor estava fascinado com a beleza da raposa, com a sua graciosidade nos movimentos e a sua atenção a tudo o que se passava à sua volta.
A raposa voltou a aproximar-se devagarinho, sempre a cheirar e levou mais um pedaço de comida. O senhor abriu a porta da casa para o jardim devagar, com muito cuidado e saiu. A raposa afastou-se imediatamente para o fundo do jardim e como o senhor se mexeu um bocadinho ela desatou a correr para a mata muito assustada. Quando estava a chegar à toca viu um vulto estranho a mexer-se e desatou a ladrar e a gritar para avisar os seus raposinhos que de imediato começaram a chorar sem parar. Só quando entrou na toca e deu a comida que tinha trazido a família voltou a acalmar e pode descansar.
Nos dias seguintes a raposa continuou a ir até ao jardim da casa no final da tarde e lá encontrava sempre comida. Começou a habituar-se à presença do senhor velhinho e como ele nunca tinha sido ameaçador, ela começava a sentir-se mais segura naquele sítio. Bem, não se sentia segura, apenas sentia menos medo do que antes e só se aproximava mais para recolher a comida.
O senhor começou a fazer um som quando a raposa chegava, parecia que a estava a chamar e a raposa estranhamente começou a gostar daquele som.
Houve uns dias em que encontrou comida na mata e não precisou de se afastar tanto nem de ir até às casas. O senhor continuou a ir ao jardim esperar pela raposa mas ela não aparecia e ele sentia a sua falta. Aquele encontro estava a tornar os seus dias mais felizes. Ele imaginava como seria a vida da raposa quando não estava ali. Pensava como ela era graciosa e tinha a coragem de se aproximar da casa e dele e nunca ela tinha sido ameaçadora ou perigosa, parecia sim que estava com medo e fome e que a comida era mesmo o que ela ali procurava. O senhor pensava que quando era criança e lhe contavam contos e fábulas as raposas eram sempre matreiras, traiçoeiras e em geral personagens de quem nos devíamos afastar. Esta raposa verdadeira parecia-lhe muito inteligente, curiosa, rápida a afastar-se de perigos, esforçada a procurar comida, o senhor achava que ela precisava de muita comida, mas ainda assim ela era muito magra. Claro que o senhor não podia saber que a raposa estava a levar comida para os seus raposinhos e que quando conseguia que sobrasse comida ela a guardava enterrada na despensa da toca.
Sempre que a raposa voltava ao jardim sabia que ia encontrar comida e também o senhor velhinho. Este encontro passou a fazer parte da maioria dos dias da raposa e do senhor velhinho. Quando chegou o inverno a raposa continuou a aparecer no jardim, com a mesma ânsia por comida de sempre e com cada vez menos receio do seu amigo.