Gente da areia e do mar
1.ª semana do desafio Arte & Inspiração lançado pela Fátima Bento.
Foto: Artur Pastor
O ar estava pesado e opressivo, as nuvens de trovoada carregavam o céu, mas o mar embora picado mostrava alguma indulgência e os homens decidiram ir ao mar. Já lá iam mais de quatro dias sem poderem fazer-se ao mar e começava a faltar sustento em algumas casas. Naquela terra de casas branquinhas todas as ruas se alinhavam com o promontório e desciam bem alinhadas direitinhas à praia e ao mar. Todos viviam do mar, do vento, do sol, da vida de trabalho duro baseada na lide daquele imenso ser a que todos tinham respeito. O mar era todo-poderoso, tudo dava e tudo levava! Oh! Quantas mulheres viúvas e quantos meninos sem pai. Aquela gente tinha-lhe respeito e sabia que as suas vidas estavam nas mãos daquele senhor de estranhas iras e acalmias, tempestades e bonanças!
Foto: Artur Pastor
Lá saíram para o mar dali da praia, enfrentando as ondas a rebentar sobre o pequeno barco e todos, homens e mulheres, ajudavam a levar o barco até ao mar e empurravam-no no momento certo entre as ondas. Depois, depois era esperar. Sentadas na areia da praia, bem perto do mar as mulheres faziam a sua espera sem tirar os olhos do barco no mar, as suas bocas enchiam-se de orações devotas se chegava a aflição, ou então de conversas da espuma dos dias se o mar estava de bons humores. O bando de crianças andava pela praia a correr e brincar quando não pairavam nuvens de angústia ruidosa sobre as mães, tias, avós, vizinhas, …
Foto: Artur Pastor
Naquele dia o mar foi crescendo à medida que o pequeno barco se afastava, as ondas foram-se agigantando, as nuvens deixaram cair chuva imensa que parecia fazer fumo tal era a sua fúria, o vento bufava furioso como um touro enraivecido e os corações das mulheres da praia mirravam perante o que os seus olhos viam. O bando de crianças e os homens da praia juntaram-se ao grupo das mulheres pousadas na areia, quais gaivotas em dia de tempestade. Com chuva ou sol era sempre assim, ninguém arredava pé enquanto “os nossos estavam no mar”.
O pequeno barco diminuía no meio das vagas enormes, espumando de branco, as mulheres ora o viam ora ele desaparecia e um murmúrio de desespero fazia o grupo tremer. Depois uma criança dizia “ali, ali, já estou a vê-lo” e havia um momento de alívio, para a seguir se repetir tudo de novo.
A espera durou horas e o tempo não amainava, a esperança e o desespero mantiveram as mãos dadas. Aos poucos o barco começou a voltar para a praia, devagar, com água a entrar e a sair, e os homens a lutar à força de remos e braços.
Todos sabiam que eles eram fortes e iam conseguir vir até ao bom porto, o medo que os atormentava agora era “sair do mar”. Com aquelas ondas iradas, nunca se sabiam o que ia acontecer, todos lá estariam para ajudar, mas só quando o barco estivesse na areia é que podiam de novo respirar com o peito todo e soltar os abraços da festa. Neste momento era o medo dos abraços da dor que os atormentava!
Foto: Arquivo do Diário de Notícias
Foto: Arquivo do Diário de Notícias
No desafio Arte & Inspiração da Fátima Bento, participam Ana D, Ana de Deus, Ana Mestre, bii yue, Célia, Charneca Em Flor, Concha, Cristina Aveiro, Gorduchita, Imsilva, João-Afonso Machado, José da Xã, Jorge Orvélio, Luísa De Sousa, Maria, Maria Araújo, Marquesa, Mia, Marta, Olga, Peixe Frito, Sam ao Luar, setepartidas e Fátima Bento.
Para referencia, esta foi a obra que serviu de inspiração aos textos desta semana
"A Grande Onda de Kanagawa" de Katsushika Hokusai