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Contos por contar

Contos por contar

05
Ago21

O Camaleão da Praia

Cristina Aveiro

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Foto: Carla Eira

Era uma vez um jovem camaleão que tinha nascido há um ano nas dunas duma pequena ilha de areia entre o mar e a Ria Formosa. Estava feliz por finalmente ser adulto e poder exibir uma belíssima cor verde luminosa com um padrão de manchas e listas pretas que eram o seu orgulho, sentia-se confiante na sua beleza porque ainda há poucos dias se encontrara com um camaleão mais velho que ficara imediatamente amarelo, mostrando que não admitia outro macho adulto naquela zona. Tinha agora a certeza que ia encontrar uma linda “camaleõa” bem verdinha que iria querer começar uma nova família com ele. As “camaleõas” não tinham listas ou manchas pretas, tinham a pele de um verde muito luminoso, com algumas zonas um pouco mais claras e eram muito graciosas no seu andar vagaroso, elegante e tranquilo.

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Foto: Benny Trap

O camaleão enquanto crescera tivera de mudar de pele várias vezes porque a sua pele não esticava e à medida que crescia ia deixando a pele pequena e criando uma nova cada vez mais bonita.

Um dia estava ele bem agarrado a uma dittrichia viscosa, que é uma planta das dunas com florinhas amarelas pequeninas e que tem um cheiro forte, quando a avistou. Oh como ela era linda! Primeiro vira-a com um olho, depois virou-se e ficou a vê-la com os dois olhos. Que porte, que beleza, como desfilava sobre o muro caiado! Tudo nela era perfeito, os seus pezinhos com os três dedinhos para fora e os dois para dentro, as suas lindas mãozinhas com os dois dedos para fora e os três para dentro, as suas unhas jovens e delicadas… A forma elegante com elevava a cauda ao caminhar! Até a sua boca era perfeita, parecia estar a sorrir, mesmo estando fechada.

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Foto: Teresa Dias

Tratou de começar o longo caminho até ao muro caiado para que ela o visse, lutava contra o seu corpo vagaroso, como queria correr para chegar logo ao pé dela, mas ele não era uma lagartixa, nem um caranguejo para poder correr sempre que tivesse vontade. Diligentemente lá foi indo com o seu andar cadenciado em câmara lenta, foi avançando aos poucos até que ficou num pedaço de areia sem vegetação e ficou totalmente à vista, embora ainda estivesse muito afastado do muro. Ele tinha quase a certeza de que ela já apontara um olho na sua direção. Fica ainda com mais vontade de chegar depressa junto da bela “camaleõa”. Olhou à sua volta e ao olhar para o lado do mar, viu o caminho de tábuas onde as pessoas andam na praia junto às dunas. Decidiu arriscar e ir por ali até ao muro caiado. Era um caminho mais curto mas mais perigoso, ia estar mais exposto e tinha medo que as pessoas o pisassem, mas por ela tudo valia a pena, queria conhecê-la rapidamente.

Ia a meio do caminho de tábuas quando tudo aconteceu muito depressa. Um rapaz, cheio de sacos com mil coisas coloridas para brincar na praia, viu-o lá bem ao longe e desatou a correr. O rapaz tropeçou e espalhou as suas bugigangas pelo estrado e pela areia, mas levantou-se e continuou de novo a correr. O camaleão percebeu o que ia acontecer e bem tentou apressar-se mais e voltar às ervas da duna para se proteger, mas a lentidão dele e a rapidez do rapaz levaram ao inevitável encontro. Primeiro o rapaz observou-o com curiosidade e medo (ufa, ainda bem pensou o camaleão!). O rapaz começou a pensar que era um animal pré-histórico que ali aparecera como por magia! Aos poucos o rapaz começou a esticar a mão e tocou-lhe. O camaleão tentou mostrar-se mais assustador, mas o rapaz parecia ter perdido o medo e … agarrou-o e levou-o para mostrar aos pais e à irmã.

O camaleão estava aterrorizado, olhava para todos os lados, tentava não perder de vista a bela “camaleõa” do muro caiado, mas nem consegui focar os olhos em nada de tão depressa que iam. Estava cheio de medo, nunca andara não mão de ninguém, nunca andara àquela velocidade alucinante, ia cair, ia ser esmagado por aquela mão enorme!

Assim que o rapaz parou para o mostrar à família a irmã do rapaz desatou a gritar e a fugir sem parar. Parecia-lhe que um dos dinossauros de brincar do irmão tinha ganho vida, era pequeno, mas ainda assim muito assustador. Os pais do rapaz explicaram-lhe que era um camaleão jovem e que ele não o devia ter trazido. Disseram também que este animal e os restantes devem ser deixados a viver a sua vida, podemos ficar a vê-los, mas não os devemos perturbar. Disseram que só devemos ajudá-los quando eles correm perigo, como era na passadeira da praia, mas não devemos tocar-lhes, devemos usar um ramo de uma planta ou outro objeto e depois devemos devolvê-los à duna, sobre uma planta, de preferência em plantas com flores para terem muito alimento.

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Foto: Markus Luske

O rapaz ficou triste, ele não tinha querido fazer mal ao camaleão, estava apenas contente e fascinado! Foi então até ao local onde o apanhara e pousou-o delicadamente num pequeno arbusto da duna com flores amarelas, tal como lhe tinham dito, ali o camaleão iria poder comer os muitos insetos que pousavam nas flores e iria recuperar do susto rapidamente.

O pequeno camaleão agarrou-se firmemente com as patitas a um ramo, enrolou a sua cauda bem enroladinha à volta do ramo para não cair e ficar bem camuflado. Ia ter de descansar por umas horas. Ali sentia-se seguro como quando estava dentro do ovo na toca que a sua mãe escavara antes de ele nascer.

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Foto: Benny Trap

Precisava de retemperar as forças, não podia ainda dar-se ao luxo de ir continuar a tentar ser visto pela sua bela “camaleõa”. O camaleão só esperava que ela não se afastasse muito do muro caiado.

09
Jan21

Flecha Azul, o guarda-rios

Cristina Aveiro

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Era uma vez um rapazito que vivia numa velha azenha construída em pedra, com uma enorme roda de madeira que parecia estar suspensa sobre o rio. A sua vida girava em torno do rio, da azenha com o seu rodar infindável, cheia de ruídos constantes e com uma candência tranquilizadora, um pouco como o rio. Os sons do rio eram mais variados, podiam ser assustadores quando vinham as chuvas fortes e durante muitos dias, nessas alturas o rio parecia um trovão, um monstro indomável, terrível.

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O rapazito sentia medo do rio nesses dias, especialmente à noite quando tentava dormir. Imaginava que o rio levava a azenha e tudo o que lá havia rio abaixo até ao mar e por muito que o pai lhe dissesse que a azenha estava ali há séculos e que tinha sido sempre ocupada pela família ele não conseguia dormir nessas noites.  O rapazito gostava quando o som do rio era um doce restolhar nos seixos e o som da queda da água sobre a roda da azenha num caudal calmo e regular. No Verão o som do rio já não era tão bom de ouvir porque era fraco, quase só se escutava o fio da água na azenha, com pouca força e, adorava ficar sentado na margem do rio parado entre os juncos à espera, a ver se tinha a sorte de ver o flecha azul. A vida da família era sempre junto ao rio, onde a azenha, o moinho movido a água, era o sustento da família e moia os cereais para quase toda a aldeia.

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Para além da moagem dos cereais, também o peixe que apanhavam no rio era fundamental para alimentar a família. O moleiro desde cedo ensinou o rapazito a montar armadilhas para apanhar peixe e a andar pelas margens, silenciosamente e a ter muita paciência para saber esperar pelo momento certo.

Enquanto pescava passava imenso tempo parado, e em silêncio podia observar a vida dos animais que viviam no rio, conhecia-os e tentava entender o que faziam, como se alimentavam, onde descansavam, como criavam os filhos, … enfim tudo sobre a sua vida.

De todos os animais do rio era o Martim-pescador, ou guarda-rios o que mais o fascinava.  

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Um passarinho pequeno, com uma cabeça grande, um bico preto fino e longo, pescoço curto, com umas pernas pequenitas e quase sem cauda. Era rechonchudo, com a cabeça e o bico demasiado grandes para o pequeno corpo, mas tinha a plumagem mais bela e colorida que se podia encontrar naquele reino. As suas cores e o longo bico reto faziam lembrar o exótico beija-flor que vivia em reinos quentes e muito longínquos.

Nas suas costas as penas eram de um azul turquesa muito forte e luminoso, as asas e a cabeça estavam cobertas por penas brilhantes de um verde profundo e intenso, salpicadas pelo que pareciam estrelinhas, diamantes do azul turquesa das suas costas. A barriga volumosa e bem redondinha era coberta de lindas penas cor de mel, quase acobreado e para completar tinha debaixo de cada olho grande e negro uma pincelada desse tom mel, seguida de outra pincelada de penas brancas. Debaixo do bico e acima das penas da barriguinha também havia uma boa pincelada de penas brancas, como se fosse um pequeno babete. As suas curtas patas eram de um laranja forte com dois deditos para a frente e um para trás, que lhe permitiam agarrar-se fortemente aos ramos e a finas varas vibrantes junto à água, onde conseguia ficar pousado em equilíbrio perfeito.

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As gentes do reino ficavam fascinadas com as cores daquele passarito. A maioria dos pequenos pássaros do reino tinham cores acastanhadas, pretas, com algumas penas brancas e alguns com uma pincelada ou outra de cor, mas nada como o guarda-rios.

Quando o guarda-rios fazia o seu voo rasante junto à água entre as duas margens do rio era tão rápido como uma flecha das que usavam na caça, só que era uma flecha de um azul fulgurante. Daí que o pequeno guarda-rios fosse conhecido no reino por flecha azul em homenagem às suas cores e velocidade.

Havia um reino onde lhe chamavam o Diamante Voador por causa das pequenas estrelas em forma de diamante que tinha nas sua asas e cabeça.

As suas penas coloridas eram até exibidas nos chapéus para emprestar um pouco da sua cor às vestes sombrias das gentes do reino.

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Havia reinos distantes onde lhe chamavam Rei dos pescadores porque ele era incrivelmente eficaz, quando escolhia o peixinho que ia apanhar, fazia um voo rápido, um mergulho destemido nadando com as asas e zás, lá subia para fora da água com o peixe atravessado no bico. Os seus olhos são especiais, estando adaptados a ver com nitidez também debaixo de água. Depois pousava num ramo próximo e ia sacudindo o peixe e batendo contra o tronco até que este ficasse imóvel e então virava-o e engolia-o inteiro pelo lado da cabeça. Cada mergulho cada peixe. Ele comia muitos peixinhos por dia, tantos quanto o seu peso.

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O menino passava horas a ver o que fazia o casal de guarda-rios que vivia um pouco acima da azenha. Estavam sempre por ali. Todos os anos tinham três ou até quatro ninhadas de filhotes. Nunca paravam de tratar deles, ou a arranjar o ninho, que era bem difícil de construir, ou a apanhar comida para eles, ou a ensinar os filhotes a cuidarem da sua vida e a irem para outro lugar no rio.

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O ninho era o que mais intrigava o rapaz. Escavavam sempre um túnel enorme na parede barrenta e arenosa da margem do rio. O rapaz já tinha visto um que tinha sido desfeito pela água que tinha quase um metro de comprido. Era um trabalho de equipa escolher o sítio e ir arrastando para trás a terra para criar o túnel de passagem para a câmara onde mais tarde iam pôr e chocar os ovos.

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O menino quando chegava a casa ao fim do dia depois das suas pescarias no rio e de cumprir as tarefas na azenha gostava de contar o que tinha visto nas margens do rio, em especial tudo o que tinha visto os guarda-rios fazerem. Tentava descrever as cores e os voos impressionantes, mas não conseguia fazer os irmãos entenderem a beleza do que tinha visto. Apenas o pai, que também conhecia muito bem a vidas destes pássaros o ajudava às vezes a explicar melhor como era.

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O menino gostava de conseguir desenhar todas aquelas cores e até talvez mostrar como eles faziam aqueles movimentos, mas não sabia como podia fazer isso. Nada tinha para desenhar que não fosse uma tábua de madeira e uma pequena navalha para gravar, mas tudo o que fazia não era parecido com o que tinha visto e queria mostrar. O menino sonhava que ia conseguir um dia, mas enquanto não era capaz, levava os irmãos pela margem do rio, com muito cuidado e alerta porque o flecha-azul podia aparecer a qualquer momento. O menino ensinou todos os que conhecia, a olhar com atenção sempre que passavam na margem de um rio tranquilo, porque assim iam conseguir ver o flecha-azul de certeza.

E tu já viste o flecha-azul? Eu já o vi duas vezes e continuo sempre atenta porque gostava de o ver de novo, é pura magia! Ainda há hoje muitos meninos e meninas em todo o mundo que continuam a observar, a fotografar e filmar o guarda-rios porque não conseguem resistir à sua magia.

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Agradeço a cedencia das fotografias dos guarda-rios da autoria do contador de histórias visuais Sotéro José.

Podes ver devagarinho o nosso flecha-azul:

Este é um documentário que é o sonho de um menino que adorava ver o guarda-rios:

 

 

 

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