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Contos por contar

Contos por contar

22
Jul22

Vamos apanhar conchinhas na praia? Ou não?

Cristina Aveiro

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Naquele verão as férias iam ser numa praia distante, muito diferente das que conheciam. Os pais tinham-lhes dito que ia estar sempre sol e calor e que o mar estava sempre calmo, a bandeira verde quase nunca descia do mastro.

Os irmãos não conseguiram acreditar, não que os pais lhes mentissem, mas era demasiado bom para ser verdade?! Calor, mar manso e bandeira verde? Iam passar todo o tempo na água como tanto adoravam.

Quando chegaram à praia no primeiro dia não conseguiam parar de tomar banhos e brincar no mar. O dia passou a correr e quando foi hora de deixar a praia às gaivotas que chegavam, eles queriam ficar e continuar com o sol, a areia e o mar.

No dia seguinte os pais levaram-nos num longo passeio junto ao mar até ao fim da praia que parecia nunca mais chegar. Foram banhos e mais banhos, gritinhos de alegria ao ver os peixes a nadar felizes mesmo à beira da areia nas ondas pequeninas. Era tudo tão puro, transparente, perfeito que paravam em silêncio a contemplar a perfeição da natureza.

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No regresso prestaram mais atenção às conchas e búzios de mil cores e feitios, inteiras e partidas, recortadas ou intactas. Os pequenos começaram numa recolha entusiasmada, saltando sempre para a próxima que parecia mais brilhante, mais perfeita, mais diferente das que já tinham, de tal forma que as mãos e os bolsos deles e dos pais não chegavam para aconchegar tamanho tesouro.

Aos poucos foram reparando que muitos dos que caminhavam para trás e para a frente ao longo da praia recolhiam, tal como eles os mesmos tesouros.

Quando por fim chegaram à toalha quiseram ir ao mar lavar todos os tesouros e depois iam pô-los nas toalhas a secar.

Quando chegaram junto à água, pareceu-lhes que ouviam uma voz do mar, das ondas ou dos peixes, a perguntar:

- Para onde levam as casas dos meus filhos? Eles vão precisar delas!

Os meninos ficaram a pensar que aquilo não podia ser real! Olharam a toda a volta a ver se era alguém a brincar com eles, mas não estava ali ninguém.

Perguntaram um ao outro se tinha ouvido aquela voz e com um pouco de receio disseram que sim, que ambos tinham escutado. Conversaram um pouco sobre as conchas e concluíram que muitas não podiam ser a casa de ninguém porque estavam partidas.

Do nada escutaram de novo a voz:

- Como pensam que aparece a areia fofa e limpa com que tanto gostam de brincar? Olhem para ela com atenção? Vêem os pedacinhos das conchas de todas as cores que estão a levar? Pois a areia é feita de muitas e muitas conchas, que rolaram e rolaram milhares de vezes até ficarem partidinhas assim em pedaços muito pequeninos para serem a vossa areia macia e dourada. Sem conchas, não há areia!

Os meninos vieram para as tolhas e deixaram as conchas junto às ondas.

Os pais ficaram admirados e perguntaram porque não tinham trazido as conchas e os meninos disseram que tinham pensado melhor e queriam deixar na praia o que era da praia, da natureza, porque se estava lá devia fazer lá falta.

No dia seguinte, quando chegou a hora do passeio, as crianças quiseram levar os baldes e o saco dos brinquedos. Os pais pensaram que tinham mudado de ideias sobre as conchas.

Ao longo do caminho as crianças começaram a apanhar pedaços de corda, pequenos plásticos, pedaços de redes e de boias de pesca e os pais perceberam a mudança e passaram também a ajudar a encher os baldes.

No regresso muitos olhavam para aquela família com curiosidade, vinham com muito lixo e iam levá-lo aos caixotes da praia. Traziam um sorriso no rosto e quem os via, primeiro estranhava, mas depois abria o rosto num sorriso grato.

Desde aquelas férias deixaram de ser apanhadores de conchas e passaram a trazer sempre da praia o que encontravam por lá e que não era da praia, quanto às conchas, continuavam a ser motivo de admiração e um regalo para os olhos!

E tu? Apanhas conchas na praia? Já pensaste em apanhar outras coisas? Todos podemos ajudar a deixar as coisas nos lugares certos…

20
Fev21

O Hotel de Insetos

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma menina que vivia na cidade, mas tinha um enorme terraço onde naquele ano a mãe tinha decidido fazer uma horta. Tinha sido uma diversão arranjar as enormes floreiras, encher com terra fértil e depois decidir e escolher as plantas que iam fazer crescer. A mãe escolheu alfaces, a menina tomates e brócolos, o irmãozinho quis morangos e a lista nunca mais acabava. Depois foi uma animação ir ao horto comprar as plantinhas frágeis e claro que acrescentaram algumas à lista, tal era a variedade e beleza daquelas plantinhas nos seus alvéolos geometricamente ordenados.

Regressaram a casa e o rebuliço continuou, plantar tudo com a mãe a orientar para que não ficassem demasiado juntas, nem demasiado afastadas, deixando espaço para poderem crescer. Por fim de regador em punho as crianças deram o aconchego final às pequenas plantinhas que ficaram instaladas na sua nova casa.

Quando tudo ficou pronto, as crianças ficaram um pouco perdidas, afinal agora a horta tinha de esperar para acontecerem coisas novas. Os meninos não eram nada bons a esperar, ficavam ansiosos, queriam fazer as coisas acontecer.

A mãe percebeu logo que os seus meninos estavam a precisar de um novo desafio. Meninos vamos fazer um hotel de insetos para a nossa horta. Os pequenos acharam divertido, até pensaram que a mãe estava a brincar. Os insetos ficam em hotéis? Então eles não têm um ninho? Andavam de terra em terra a passear e precisavam de ficar num hotel?

A mãe explicou que muitos insetos andavam de terra em terra sempre à procura de alimento e que ficavam um bocado perdidos nas cidades onde era muito difícil encontrar abrigo. A mãe explicou que por todo o Mundo havia pessoas nas cidades que estavam a construir hotéis para insetos para evitar que desaparecessem. Para o hotel que iam construir iam fazer “quartos” perfeitos para os insetos que queriam acolher porque para além de tudo iam ajudar a nova horta a ficar livre de insetos parasitas e iam fazer a polinização das flores.

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Então afinal quem vão ser os nossos hóspedes perguntou a menina em jeito de brincadeira. A mãe disse que eram abelhas solitárias e borboletas para fazer a polinização e as joaninhas e as crisopas que iam comer os insetos prejudiciais às plantas.

A menina perguntou como ia ser na entrada do hotel, a mãe disse que cada um chegava, escolhia o lugar que melhor lhe convinha e instalava-se.

Havia uma caixa oca com um raminho seco no interior e com duas fendas verticais que eram a entrada para as borboletas. Havia um tronco que tinha sido esburacado com muitos furos, onde cada um era um “quarto” para uma abelha solitária.

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Havia uma zona toda cheia com canas ocas bem arrumadinhas que eram os quartos das joaninhas. Finalmente, para as crisopas havia uma zona preenchida com rolos de cartão canelado bem enroladinhos, onde os espaços entre eles eram os quartos perfeitos. Para completar o hotel, todas as zonas acabavam por ser preenchidas com raminhos secos ou canas ocas.

As crianças ficaram muito entusiasmadas por irem construir o hotel. Foi uma aventura procurar os materiais, pedir ajuda ao pai para adaptar uma caixa de madeira e fazer uma espécie de telhado. Quando por fim ficou pronto tiveram de escolher um lugar na horta virado a Sul, elevado para os insetos o poderem avistar e próximo das plantas que iam ter flores.

No final todos estavam orgulhosos da horta e muito especialmente do hotel para insetos. Agora tinham de esperar pacientemente que as plantinhas crescessem e que os insetos viessem instalar-se.

E tu, gostavas de construir um hotel de insetos? 

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09
Jan21

Flecha Azul, o guarda-rios

Cristina Aveiro

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Era uma vez um rapazito que vivia numa velha azenha construída em pedra, com uma enorme roda de madeira que parecia estar suspensa sobre o rio. A sua vida girava em torno do rio, da azenha com o seu rodar infindável, cheia de ruídos constantes e com uma candência tranquilizadora, um pouco como o rio. Os sons do rio eram mais variados, podiam ser assustadores quando vinham as chuvas fortes e durante muitos dias, nessas alturas o rio parecia um trovão, um monstro indomável, terrível.

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O rapazito sentia medo do rio nesses dias, especialmente à noite quando tentava dormir. Imaginava que o rio levava a azenha e tudo o que lá havia rio abaixo até ao mar e por muito que o pai lhe dissesse que a azenha estava ali há séculos e que tinha sido sempre ocupada pela família ele não conseguia dormir nessas noites.  O rapazito gostava quando o som do rio era um doce restolhar nos seixos e o som da queda da água sobre a roda da azenha num caudal calmo e regular. No Verão o som do rio já não era tão bom de ouvir porque era fraco, quase só se escutava o fio da água na azenha, com pouca força e, adorava ficar sentado na margem do rio parado entre os juncos à espera, a ver se tinha a sorte de ver o flecha azul. A vida da família era sempre junto ao rio, onde a azenha, o moinho movido a água, era o sustento da família e moia os cereais para quase toda a aldeia.

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Para além da moagem dos cereais, também o peixe que apanhavam no rio era fundamental para alimentar a família. O moleiro desde cedo ensinou o rapazito a montar armadilhas para apanhar peixe e a andar pelas margens, silenciosamente e a ter muita paciência para saber esperar pelo momento certo.

Enquanto pescava passava imenso tempo parado, e em silêncio podia observar a vida dos animais que viviam no rio, conhecia-os e tentava entender o que faziam, como se alimentavam, onde descansavam, como criavam os filhos, … enfim tudo sobre a sua vida.

De todos os animais do rio era o Martim-pescador, ou guarda-rios o que mais o fascinava.  

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Um passarinho pequeno, com uma cabeça grande, um bico preto fino e longo, pescoço curto, com umas pernas pequenitas e quase sem cauda. Era rechonchudo, com a cabeça e o bico demasiado grandes para o pequeno corpo, mas tinha a plumagem mais bela e colorida que se podia encontrar naquele reino. As suas cores e o longo bico reto faziam lembrar o exótico beija-flor que vivia em reinos quentes e muito longínquos.

Nas suas costas as penas eram de um azul turquesa muito forte e luminoso, as asas e a cabeça estavam cobertas por penas brilhantes de um verde profundo e intenso, salpicadas pelo que pareciam estrelinhas, diamantes do azul turquesa das suas costas. A barriga volumosa e bem redondinha era coberta de lindas penas cor de mel, quase acobreado e para completar tinha debaixo de cada olho grande e negro uma pincelada desse tom mel, seguida de outra pincelada de penas brancas. Debaixo do bico e acima das penas da barriguinha também havia uma boa pincelada de penas brancas, como se fosse um pequeno babete. As suas curtas patas eram de um laranja forte com dois deditos para a frente e um para trás, que lhe permitiam agarrar-se fortemente aos ramos e a finas varas vibrantes junto à água, onde conseguia ficar pousado em equilíbrio perfeito.

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As gentes do reino ficavam fascinadas com as cores daquele passarito. A maioria dos pequenos pássaros do reino tinham cores acastanhadas, pretas, com algumas penas brancas e alguns com uma pincelada ou outra de cor, mas nada como o guarda-rios.

Quando o guarda-rios fazia o seu voo rasante junto à água entre as duas margens do rio era tão rápido como uma flecha das que usavam na caça, só que era uma flecha de um azul fulgurante. Daí que o pequeno guarda-rios fosse conhecido no reino por flecha azul em homenagem às suas cores e velocidade.

Havia um reino onde lhe chamavam o Diamante Voador por causa das pequenas estrelas em forma de diamante que tinha nas sua asas e cabeça.

As suas penas coloridas eram até exibidas nos chapéus para emprestar um pouco da sua cor às vestes sombrias das gentes do reino.

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Havia reinos distantes onde lhe chamavam Rei dos pescadores porque ele era incrivelmente eficaz, quando escolhia o peixinho que ia apanhar, fazia um voo rápido, um mergulho destemido nadando com as asas e zás, lá subia para fora da água com o peixe atravessado no bico. Os seus olhos são especiais, estando adaptados a ver com nitidez também debaixo de água. Depois pousava num ramo próximo e ia sacudindo o peixe e batendo contra o tronco até que este ficasse imóvel e então virava-o e engolia-o inteiro pelo lado da cabeça. Cada mergulho cada peixe. Ele comia muitos peixinhos por dia, tantos quanto o seu peso.

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O menino passava horas a ver o que fazia o casal de guarda-rios que vivia um pouco acima da azenha. Estavam sempre por ali. Todos os anos tinham três ou até quatro ninhadas de filhotes. Nunca paravam de tratar deles, ou a arranjar o ninho, que era bem difícil de construir, ou a apanhar comida para eles, ou a ensinar os filhotes a cuidarem da sua vida e a irem para outro lugar no rio.

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O ninho era o que mais intrigava o rapaz. Escavavam sempre um túnel enorme na parede barrenta e arenosa da margem do rio. O rapaz já tinha visto um que tinha sido desfeito pela água que tinha quase um metro de comprido. Era um trabalho de equipa escolher o sítio e ir arrastando para trás a terra para criar o túnel de passagem para a câmara onde mais tarde iam pôr e chocar os ovos.

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O menino quando chegava a casa ao fim do dia depois das suas pescarias no rio e de cumprir as tarefas na azenha gostava de contar o que tinha visto nas margens do rio, em especial tudo o que tinha visto os guarda-rios fazerem. Tentava descrever as cores e os voos impressionantes, mas não conseguia fazer os irmãos entenderem a beleza do que tinha visto. Apenas o pai, que também conhecia muito bem a vidas destes pássaros o ajudava às vezes a explicar melhor como era.

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O menino gostava de conseguir desenhar todas aquelas cores e até talvez mostrar como eles faziam aqueles movimentos, mas não sabia como podia fazer isso. Nada tinha para desenhar que não fosse uma tábua de madeira e uma pequena navalha para gravar, mas tudo o que fazia não era parecido com o que tinha visto e queria mostrar. O menino sonhava que ia conseguir um dia, mas enquanto não era capaz, levava os irmãos pela margem do rio, com muito cuidado e alerta porque o flecha-azul podia aparecer a qualquer momento. O menino ensinou todos os que conhecia, a olhar com atenção sempre que passavam na margem de um rio tranquilo, porque assim iam conseguir ver o flecha-azul de certeza.

E tu já viste o flecha-azul? Eu já o vi duas vezes e continuo sempre atenta porque gostava de o ver de novo, é pura magia! Ainda há hoje muitos meninos e meninas em todo o mundo que continuam a observar, a fotografar e filmar o guarda-rios porque não conseguem resistir à sua magia.

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Agradeço a cedencia das fotografias dos guarda-rios da autoria do contador de histórias visuais Sotéro José.

Podes ver devagarinho o nosso flecha-azul:

Este é um documentário que é o sonho de um menino que adorava ver o guarda-rios:

 

 

 

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