Há muito, muito tempo, uma menina pequena, calma e alegre vivia numa pequena aldeia onde todos eram pequenos agricultores e viviam com muita simplicidade. Todos os dias era preciso ir buscar a água à fonte para poderem lavar-se, cozinhar e mesmo dar aos animais.
Eduardo Gageiro
Não havia eletricidade e usavam candeeiros que queimavam combustível para dar luz. A comida era feita à lareira com o calor da lenha que se queimava. A roupa era lavada no ribeiro ou junto a poços de onde se tirava a água, o único detergente era o sabão azul.
Artur Pastor
Desde muito cedo todos trabalhavam para a família ter o suficiente para viver. Havia incontáveis tarefas da agricultura que incluíam semear, regar, apanhar alimento para os animais, colher frutos, feijões, milho, batatas, …
Artur Pastor
Em casa também havia sempre muitos afazeres, desde cuidar dos animais, amassar e cozer a broa, fazer a sopa, passar a ferro com o ferro a carvão. À noite no verão costumavam juntar-se numa eira ou num pátio com vizinhos e amigos a contar histórias antigas, a cantar e quando havia alguém que savia tocar concertina ou realejo era uma festa.
Quando a menina fez sete anos começou a ir à escola, ia um grupo de meninos da aldeia até ao lugar onde havia a escola mais próxima. A primeira vez foi um adulto com eles para aprenderem bem o caminho, mas depois já iam sozinhos a pé durante mais de meia hora. Os meninos da aldeia tinham todos roupas parecidas, feitas de chita ou outros tecidos modestos e iam todos descalços porque não tinham sapatos. Na escola havia meninos que viviam mesmo junto à escola e que tinham roupas um pouco melhores e usavam sapatos, mas todos estavam lá para aprender e o resto não importava.
A menina ficou fascinada com a sua professora, era bonita, tinha a pele muito clara, roupas claras e muitos limpas, como se fossem roupas de domingo. As mulheres que a menina conhecia vestiam roupas escuras, grosseiras, tinham a pele escurecida pelo sol e pareciam mais cansadas e impacientes. Ali começou uma aventura fascinante de descoberta das letras, dos números, das contas, da história do seu país. A menina não perdia uma palavra do que dizia a professora, tudo a deixava quase sem conseguir respirar para não deixar fugir alguma coisa importante. Aprendeu a ler correctamente muito depressa e às vezes a professora chamava-a, punha-a no seu colo para que todos a pudessem, ver melhor e pedia-lhe para ler para os outros alunos. Nestes momentos a menina sentia uma alegria como nunca tinha sentido antes.
Quando regressava da escola ia logo fazer as tarefas que a mãe lhe tinha destinado e assim que podia ia ler os livros da escola porque lá em casa não havia mais livros. À noite depois de terem jantado quando a família ficava à volta da lareira antes de se irem deitar, a menina gostava de conversar sobre a escola e de ler alto para todos quando lhe deixavam. Apenas o pai sabia ler, a mãe não, mas sabia fazer contas sem nunca ter ido à escola.
À medida que ia crescendo a menina era ensinada a fazer todas as coisas que as mulheres da aldeia deviam saber para poderem tomar conta de uma casa e cuidar das terras. A menina gostava de aprender também a fazer estas tarefas, mas na escola o que aprendia era surpreendente, falava-se de coisas que nunca tinha ouvido, visto ou imaginado.
Os anos passaram e a menina fez os quatro anos de escola e a sua adorada professora disse aos seus pais que a menina estava preparada para fazer o exame da quarta classe. Um dia lá foi a menina com as suas tranças bem apertadas, num fato de domingo, com sapatos e tudo a uma escola na cidade. Foi um dia inesquecível, houve algum receio, mas tudo correu bem e a menina teve uma nota brilhante. No final até houve tempo para ir ao parque infantil andar nos baloiços.
No final desse dia, a professora disse aos pais da menina que ela tinha muito talento, era muito inteligente e que era muito importante que continuasse a estudar. Naquele tempo quase todos os alunos só estudavam até ao quarto ano. Havia escolas para continuar a estudar, mas só na cidade e não era possível ir e vir todos os dias a pé uma criança tão pequena.
Os pais ficaram a pensar no que a professora tinha dito, mas eles não tinham posses para dar os estudos à menina e também tinham muito medo de a deixar ir sozinha para a cidade para a casa de alguém para poder continuar a estudar. Na aldeia todos deixavam a escola no quarto ano, eles estavam contentes por haver escola para os seus filhos, porque eles nem sequer tinham ido à escola, pensavam que já seria o suficiente.
A menina ficou profundamente triste por no ano seguinte não voltar à escola, nunca tinha dito a ninguém mas o seu sonho era ser professora e ensinar meninos a ler, a escrever a contar e tudo mais. Era um sonho impossível, já lhe tinham dito que não ia poder continuar a estudar. A menina aceitou a decisão dos pais, mas continuou sempre a aproveitar todas as oportunidades para aprender, para ler tudo o que lhe vinha parar à mão, requisitava livros na biblioteca itinerante que era uma espécie de camionete cheia de livros que percorria as aldeias de tempos-a-tempos.
Os pais queriam dar-lhe o melhor futuro possível, livrando-a da vida dura do campo. Um dia disseram à menina que ia aprender costura com a tia Mansa. Disseram à menina que era um trabalho mais limpo, mais mimoso e mais leve do que trabalhar no campo e que como ela aprendia bem ia com certeza gostar.
A menina foi aprender a costurar, gostava de costurar, a máquina de costura e o seu funcionamento tinham alguma magia, rapidamente aprendeu o essencial. Passou a ir para a casa das pessoas com a máquina Singer que recebeu de presente aos catorze anos. Fazia calças, camisas, saias, cuecas, soutiens, ceroulas, sacas, remendava, … Todas as roupas das pessoas eram feitas pelas costureiras ou pelo alfaiate, não havia roupas feitas nas lojas para vender. Ela tinha sempre muito trabalho. Quando estava a fazer trabalhos mais monótonos imaginava como seria se fosse professora, que coisas teria de aprender para saber ensinar.
Gostava de fazer as roupas para as pessoas, era feliz a costurar mas o seu sonho nunca foi esquecido, quem sabe se ainda ia conseguir!