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Contos por contar

Contos por contar

01
Jul24

O caranguejo eremita precisa de casa!

Cristina Aveiro

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Era uma vez um caranguejo eremita que estava radiante porque finalmente tinha conseguido encontrar a sua primeira casa, finalmente passara a ter a parte mole do seu corpo protegida. Que feliz estava, como se sentia seguro!

Que aventura tinha sido encontrar todos aqueles outros caranguejos que tal como ele precisavam de uma “casa”. Como tinha sido incrível aprender a fazer a fila perfeita para que ordenados por tamanhos, pudessem ocupar a casa do seguinte e deixar a sua para o anterior, ele claro, era o último da fila porque ainda não tinha casa alguma. Tudo começava no maior e na bela concha de búzio ou caracol que tinha o tamanho certo para o seu corpo crescido. Sendo o primeiro da fila, logo se colocava atrás o que precisava da sua bela concha que tinha vestido no último ano, e a seguir o de tamanho um pouco mais pequeno e por aí fora. Uma vez preparados a mudança tinha que fazer-se rapidamente para que não viesse ninguém se aproveitar do momento em que estavam despidos e fáceis de apanhar. Era uma dança rápida e certeira e depois da mudança feita lá iam todos contentes viver a sua vida na casa nova.

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BBC-David Attenborough

O nosso caranguejo ficava muitas vezes parado ao sol, perdido em pensamentos e a ver os outros caranguejos que ele tanto admirava. Admirava as suas cores, as suas carapaças fortes que cresciam com eles, a sua agilidade porque não tinham de carregar conchas pesadas às costas, enfim, tudo neles parecia melhor e mais belo do que aquele seu corpo frágil e incompleto.

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Um dia, ganhou coragem e perguntou a um caranguejo fantasma:

- Como é que fazes para ser tão invisível? Como consegues parecer igual à areia? Quem me dera ser como tu, não ter de me encolher todo na concha para não me atacarem.

O caranguejo fantasma olhou para ele surpreendido e respondeu:

- A sério? Gostavas de ser invisível? Eu não gosto nada! Quem me dera puder mudar de concha todos os anos como tu e estar sempre diferente dentro de uma casa forte e segura.

Afastaram-se sem saber o que dizer um ao outro. Cada um pensava que o outro adorava a sua vida e afinal não era como tinham imaginado.

Mais à frente o caranguejo vampiro, do alto da sua bela cor lilás disse:

- Eu adoro o vosso aspeto, tu caranguejo fantasma consegues ir onde quiseres e ninguém sabe, pois és quase invisível, tu caranguejo eremita tens todos aqueles amigos que se juntam e ajudam quando precisam de mudar as vossas casas. Eu, nesta minha horrível cor e com o nome de vampiro assusto todos e ninguém se aproxima de mim. Não sabem como é difícil a minha vida solitária.

Com tanta conversa, em menos de nada juntou-se um grupo enorme de caranguejos de todas as cores e feitios.

O pequeno caranguejo eremita não podia imaginar que houvesse tantos caranguejos e tão diferentes, no tamanho, na cor, nos olhos e nas pinças que nalguns casos eram mesmo assustadoras.

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Na enorme roda que se formou, havia alguns caranguejos eremita que tinham casas estranhas, não pareciam conchas e eles não pareciam nada confortáveis nelas. Havia mesmo um que apesar de ter uma casa que parecia um búzio continuava a parecer despido. 

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Os caranguejos ficaram ali a olhar uns para os outros e sem o dizerem todos estavam admirados porque afinal, uma coisa era certa, todos eram caranguejos…

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Photo by Rompalli Harish from Pexels

A maré começava a subir quando um pequeno caranguejo vermelho com olhos azuis muito estreitos e levantados começou a falar baixinho, um pouco envergonhado, mas muito determinado:

- Nós somos todos diferentes. Todos pensamos que tudo seria mais fácil se a nossa vida fosse como a do outro que estamos a admirar. Só cada um sabe como é a sua vida. Todos somos importantes, cada um é único e tem o seu caminho para seguir.

E continuou:

- O mar tem espaço e precisa de todos nós com as nossas cores, tamanhos e feitios, forças e fraquezas e nunca se esqueçam, todos somos caranguejos.

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Saber mais sobre este pequeno heroi...

Como vive...

Razões para não ter um caranguejo eremita no aquário

O lixo marinho e o caranguejo eremita

 

PS- Há muito tempo que não vinha a estas paragens do Sapal Encantado, mas hoje vim dar um mergulho. Foram inspiração os companheiros de escritas  Jose da Xãbusy as a bee on a rainy dayPessoas e Coisas da VidaOlga PintoUm pássaro sem poisoGeneralidades, green ideasAquém-Tejo, e muitos mais a quem sou grata.

 

22
Jul22

Vamos apanhar conchinhas na praia? Ou não?

Cristina Aveiro

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Naquele verão as férias iam ser numa praia distante, muito diferente das que conheciam. Os pais tinham-lhes dito que ia estar sempre sol e calor e que o mar estava sempre calmo, a bandeira verde quase nunca descia do mastro.

Os irmãos não conseguiram acreditar, não que os pais lhes mentissem, mas era demasiado bom para ser verdade?! Calor, mar manso e bandeira verde? Iam passar todo o tempo na água como tanto adoravam.

Quando chegaram à praia no primeiro dia não conseguiam parar de tomar banhos e brincar no mar. O dia passou a correr e quando foi hora de deixar a praia às gaivotas que chegavam, eles queriam ficar e continuar com o sol, a areia e o mar.

No dia seguinte os pais levaram-nos num longo passeio junto ao mar até ao fim da praia que parecia nunca mais chegar. Foram banhos e mais banhos, gritinhos de alegria ao ver os peixes a nadar felizes mesmo à beira da areia nas ondas pequeninas. Era tudo tão puro, transparente, perfeito que paravam em silêncio a contemplar a perfeição da natureza.

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No regresso prestaram mais atenção às conchas e búzios de mil cores e feitios, inteiras e partidas, recortadas ou intactas. Os pequenos começaram numa recolha entusiasmada, saltando sempre para a próxima que parecia mais brilhante, mais perfeita, mais diferente das que já tinham, de tal forma que as mãos e os bolsos deles e dos pais não chegavam para aconchegar tamanho tesouro.

Aos poucos foram reparando que muitos dos que caminhavam para trás e para a frente ao longo da praia recolhiam, tal como eles os mesmos tesouros.

Quando por fim chegaram à toalha quiseram ir ao mar lavar todos os tesouros e depois iam pô-los nas toalhas a secar.

Quando chegaram junto à água, pareceu-lhes que ouviam uma voz do mar, das ondas ou dos peixes, a perguntar:

- Para onde levam as casas dos meus filhos? Eles vão precisar delas!

Os meninos ficaram a pensar que aquilo não podia ser real! Olharam a toda a volta a ver se era alguém a brincar com eles, mas não estava ali ninguém.

Perguntaram um ao outro se tinha ouvido aquela voz e com um pouco de receio disseram que sim, que ambos tinham escutado. Conversaram um pouco sobre as conchas e concluíram que muitas não podiam ser a casa de ninguém porque estavam partidas.

Do nada escutaram de novo a voz:

- Como pensam que aparece a areia fofa e limpa com que tanto gostam de brincar? Olhem para ela com atenção? Vêem os pedacinhos das conchas de todas as cores que estão a levar? Pois a areia é feita de muitas e muitas conchas, que rolaram e rolaram milhares de vezes até ficarem partidinhas assim em pedaços muito pequeninos para serem a vossa areia macia e dourada. Sem conchas, não há areia!

Os meninos vieram para as tolhas e deixaram as conchas junto às ondas.

Os pais ficaram admirados e perguntaram porque não tinham trazido as conchas e os meninos disseram que tinham pensado melhor e queriam deixar na praia o que era da praia, da natureza, porque se estava lá devia fazer lá falta.

No dia seguinte, quando chegou a hora do passeio, as crianças quiseram levar os baldes e o saco dos brinquedos. Os pais pensaram que tinham mudado de ideias sobre as conchas.

Ao longo do caminho as crianças começaram a apanhar pedaços de corda, pequenos plásticos, pedaços de redes e de boias de pesca e os pais perceberam a mudança e passaram também a ajudar a encher os baldes.

No regresso muitos olhavam para aquela família com curiosidade, vinham com muito lixo e iam levá-lo aos caixotes da praia. Traziam um sorriso no rosto e quem os via, primeiro estranhava, mas depois abria o rosto num sorriso grato.

Desde aquelas férias deixaram de ser apanhadores de conchas e passaram a trazer sempre da praia o que encontravam por lá e que não era da praia, quanto às conchas, continuavam a ser motivo de admiração e um regalo para os olhos!

E tu? Apanhas conchas na praia? Já pensaste em apanhar outras coisas? Todos podemos ajudar a deixar as coisas nos lugares certos…

17
Jun22

A Casa dos Anjos

Cristina Aveiro

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Paul Klee 1939

Naquela encosta batida do vento, mesmo frente ao mar bravo lá ao longe no desabrigo da praia do Norte, só os caniços conseguiam crescer. Não era o lugar onde a maioria gostaria de viver. Sem o abrigo do promontório que guardava a praia amada e admirada, sem a vista do alto do céu das casas do Sítio, protegidas e abençoadas pelo manto de Nossa Senhora da Nazaré, aquele lugar tinha a magia dos lugares de poucos, daqueles que eram verdadeiramente os adoradores do mar.

Foto: Artur Pastor

A menina que ali vivia, na casa que tinha sido sempre dos seus, pais, avós e dos que tinham vindo antes deles olhou com curiosidade aquelas pessoas que chegavam para as casas que tinham nascido ali há pouco tempo. Eram muito altos, magros com cabelos claros e olhos azuis. Dizia-se que vinham dos países do Norte, onde nevava, fazia muito frio e havia pouco sol. Sempre que podia a menina ia ver a casa e tentar vê-los. Quando os via dava-lhe os bons dias e sorria. Eles sorriam e faziam uns sons estranhos, graves na sua língua que os fazia parecer zangados. Com o tempo foram-se habituando à curiosidade mútua e a menina foi-se aproximando. Mais tarde, vieram as crianças e a menina ainda ficou mais próxima e juntava-se nos cuidados e brincadeiras. As gentes da terra já se tinham acostumado aqueles novos vizinhos, que eram muito diferentes deles, mas que partilhavam o amor por aquele lugar.

Foto: Federico Patellani

A língua já ia sendo mais partilhada, os forasteiros estudavam em livros e esforçavam-se por aprender palavras e frases e alegravam-se quando as palavras substituíam os gestos que inicialmente eram a única forma de se entenderem.

A menina e os seus gostavam de partilhar o que tinham com aqueles vizinhos da casa diferente. Muitas vezes a menina pensava que sendo eles gente de posses, não tinham uma casa rica, mas uma casa ampla, cheia de janelas grandes, com varandas grandes e onde a cozinha e a sala estavam em cima e os quartos em baixo. Aquela casa passara a ter sempre a porta aberta para ela. Ela gostava de ver os muitos livros que lá havia, os quadros, em especial os dos anjos. Eram anjos como ela nunca tinha visto. Não eram rosados com caras bonitas e cheios de caracóis e sorrisos num céu azul cheio de estrelas. O senhor explicara-lhe que um era o Anjo Triste, o outro o Anjo Esquecido, o Anjo Esperança e o Anjo do Guizo. A menina adorava-os. Sentia que com o pedaço de papel e lápis que lhe estendiam podia desenhar amigos para aquele bando de anjos com tristezas e alegrias, imperfeitos, mas belos, simples e com corações cheios de sentimentos.

Os anos passaram a menina cresceu, os vizinhos envelheceram e um dia resolveram regressar à sua terra e encontrar novos donos para a casa dos Anjos como a menina lhe chamava.

Oh! Como ela gostaria de poder ser ela a habitar aquela casa tão singular, desenhada como um templo para adorar o sol e o mar. Não ia ser assim, iria continuar na sua casa de sempre.

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No dia da partida, com a promessa de visitas futuras, os vizinhos vieram a casa da menina com um embrulho grande que lhe entregaram. Enquanto a menina abria o pacote, comoveu-se ao ver os Anjos. Então eles disseram-lhe que os anjos gostam de espaços especiais e que sabiam que a menina ia encontrar o espaço certo para eles e assim aconteceu.

 

 

  

15
Set21

Gente da areia e do mar

1.ª semana do desafio Arte & Inspiração lançado pela Fátima Bento.

Cristina Aveiro

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Foto: Artur Pastor

O ar estava pesado e opressivo, as nuvens de trovoada carregavam o céu, mas o mar embora picado mostrava alguma indulgência e os homens decidiram ir ao mar. Já lá iam mais de quatro dias sem poderem fazer-se ao mar e começava a faltar sustento em algumas casas. Naquela terra de casas branquinhas todas as ruas se alinhavam com o promontório e desciam bem alinhadas direitinhas à praia e ao mar. Todos viviam do mar, do vento, do sol, da vida de trabalho duro baseada na lide daquele imenso ser a que todos tinham respeito. O mar era todo-poderoso, tudo dava e tudo levava! Oh! Quantas mulheres viúvas e quantos meninos sem pai. Aquela gente tinha-lhe respeito e sabia que as suas vidas estavam nas mãos daquele senhor de estranhas iras e acalmias, tempestades e bonanças!

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Foto: Artur Pastor

Lá saíram para o mar dali da praia, enfrentando as ondas a rebentar sobre o pequeno barco e todos, homens e mulheres, ajudavam a levar o barco até ao mar e empurravam-no no momento certo entre as ondas. Depois, depois era esperar. Sentadas na areia da praia, bem perto do mar as mulheres faziam a sua espera sem tirar os olhos do barco no mar, as suas bocas enchiam-se de orações devotas se chegava a aflição, ou então de conversas da espuma dos dias se o mar estava de bons humores. O bando de crianças andava pela praia a correr e brincar quando não pairavam nuvens de angústia ruidosa sobre as mães, tias, avós, vizinhas, …

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Foto: Artur Pastor

Naquele dia o mar foi crescendo à medida que o pequeno barco se afastava, as ondas foram-se agigantando, as nuvens deixaram cair chuva imensa que parecia fazer fumo tal era a sua fúria, o vento bufava furioso como um touro enraivecido e os corações das mulheres da praia mirravam perante o que os seus olhos viam. O bando de crianças e os homens da praia juntaram-se ao grupo das mulheres pousadas na areia, quais gaivotas em dia de tempestade. Com chuva ou sol era sempre assim, ninguém arredava pé enquanto “os nossos estavam no mar”.

O pequeno barco diminuía no meio das vagas enormes, espumando de branco, as mulheres ora o viam ora ele desaparecia e um murmúrio de desespero fazia o grupo tremer. Depois uma criança dizia “ali, ali, já estou a vê-lo” e havia um momento de alívio, para a seguir se repetir tudo de novo.

A espera durou horas e o tempo não amainava, a esperança e o desespero mantiveram as mãos dadas. Aos poucos o barco começou a voltar para a praia, devagar, com água a entrar e a sair, e os homens a lutar à força de remos e braços.

Todos sabiam que eles eram fortes e iam conseguir vir até ao bom porto, o medo que os atormentava agora era “sair do mar”. Com aquelas ondas iradas, nunca se sabiam o que ia acontecer, todos lá estariam para ajudar, mas só quando o barco estivesse na areia é que podiam de novo respirar com o peito todo e soltar os abraços da festa. Neste momento era o medo dos abraços da dor que os atormentava!

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Foto: Arquivo do Diário de Notícias

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Foto: Arquivo do Diário de Notícias

No desafio Arte & Inspiração da Fátima Bento, participam Ana DAna de DeusAna Mestrebii yue, Célia, Charneca Em Flor,  ConchaCristina AveiroGorduchitaImsilvaJoão-Afonso MachadoJosé da XãJorge OrvélioLuísa De SousaMariaMaria AraújoMarquesaMiaMartaOlgaPeixe FritoSam ao Luarsetepartidas e Fátima Bento.

 

Para referencia, esta foi a obra que serviu de inspiração aos textos desta semana 

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"A Grande Onda de Kanagawa" de Katsushika Hokusai

10
Mar21

A bailarina maléfica

#8 - Cor-de-Rosa - Desafio da Caixa dos Lápis de Cor

Cristina Aveiro

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Desenho da Matilde Aveiro 2006

Era uma vez uma menina que adorava ir para a praia, sempre que o tempo era de Sol, lá ia a família até à praia, tanto no Inverno como no Verão.

No Inverno eram as brincadeiras na areia, as corridas praia fora, aquela liberdade de ter toda a praia para si e para a sua irmã deixavam-nas felizes como pássaros fora da gaiola. No Verão era tudo, praia por inteiro, as infindáveis brincadeiras na areia e o mar, molhar os pés, brincar com a água até mais não poder e o melhor de tudo eram os banhos. A água era fria, o mar assanhado, muitos dias cheio de ondas grandes e perigosas, mas depois havia aqueles poucos dias por ano em que a bandeira verde saia da caixa, estava sempre como nova, ao contrário da vermelha que estava descorada e envelhecida de tanto ser usada. Os dias de bandeira verde eram o pináculo da alegria na praia, eram banhos e banhos até o frio da água levar a melhor. Saiam da água  e deitavam-se ao sol até ficarem de novo prontas para ir de novo ao banho. Aquele mar tinha ondas brincalhonas, era muito irrequieto mesmo nos dias de mar calmo, mas era um não parar de brincadeira na água, nunca se estava a fazer a mesma coisa. Furavam as ondas, faziam carreirinhas, iam com os pais lá para a frente, enfim, a menina nesses dias chegava ao pôr do sol, à hora das gaivotas cansada a ponto de adormecer, mas tão feliz quanto se podia ser.

Naquele ano os pais disseram que iam conhecer praia novas, diferentes da sua praia. A menina perguntou como é que as praias podiam ser diferentes, havia mar, havia areia e isso era uma praia. Os pais então perguntaram se gostaria de ir para uma praia onde o mar fosse muito mansinho, a água quentinha e estivesse sempre sol e calor. A menina sorriu e perguntou do alto da sua pequenez de estavam a brincar com ela. Isso seria a praia dos seus sonhos, mas não acreditava que houvesse uma praia assim.

E o Verão chegou, e finalmente chegaram as férias. Foram horas e horas de viagem, durante a qual as pequenas perguntaram vezes sem conta: Estamos a chegar? Por fim chegaram, fazia calor, até a brisa era morna, as meninas ficaram encantadas. Foram logo ver a praia e nem conseguiam acreditar, o mar era de um azul-turquesa transparente e com pequeninas ondas bebé como disse a menina. Molharam os pés e quiseram logo ir ao banho, a água era deliciosamente quentinha comparada com a da sua praia.

Naquelas férias quase não passaram tempo na areia, os banhos e brincadeiras na água do mar ocuparam quase o tempo todo. Muitas vezes os pequenos peixinhos cor de areia vinham junto a eles mordiscar nas pernas, ao princípio era um pouco assustador, mas depois todos achavam divertido. Usavam os óculos para mergulhar a cabeça na água e ver os peixes que andavam por ali junto das pessoas.

Tudo corria bem e estavam a ser as férias de sonho, todos estavam felizes. Naquela tarde estavam todos lá bem dentro do mar numa zona do lado da praia que tinha uma parede de rochas, e onde havia algas e ainda mais peixes para observar, estavam a ver mais peixes do que nunca. De repente a menina viu uma espécie de bola com pernas a dançar. Era transparente como gelatina de um cor-de-rosa escuro e nadava como se fosse uma bailarina. A menina adorava o ballet, as roupas cor-de-rosa e as saias de tule e o bichinho parecia a bailarina perfeita, era apenas um pouco mais escura do que as suas roupas de dança.

A menina estava encantada a ver aquele pequeno bichinho, quando sentiu uma enorme picada no pé. Foi uma dor enorme, gritou bem alto, não sabia o que estava a acontecer. Os pais vieram de imediato, pegaram na menina ao colo e todos saíram da água. Foi tempo de a menina ficar a saber que nas águas mais quentes há uns bichinhos maléficos chamados alforrecas. Os pais explicaram que eram de vários tamanhos e cores, transparentes e que se aproximavam sempre do lado de onde soprava o vento. Os bichinhos eram malvados porque tinham um veneno nos seus tentáculos que quando tocava na nossa pele “picava” e fazia uma dor enorme.

A menina chorava e olhava para o seu pezinho todo vermelho e que lhe doía tanto e dizia que não ia voltar mais para o mar. A zona picada foi tratada com creme e massagens de mimos mágicos.

Aos poucos foi acalmando e a mãe disse-lhe para fazer um desenho com a alforreca maléfica, afinal ninguém gosta que o desenhem com cara de mau. E foi o que a menina fez.

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Os banhos no mar continuaram, mas agora sempre bem atentos para ver se não havia maléficas por ali.

No fim das férias a menina disse aos pais que aquelas praias eram quase perfeitas, mas tinham as maléficas alforrecas e não tinham o cheiro a mar da praia deles. A menina tinha gostado muito de ir ali, mas a sua praia favorita era mesmo a deles.

 

 

Texto no âmbito do #8 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Cor-de-Rosa

Neste desafio, que eu saiba, participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ,  a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, João-Afonso Machado, A Marquesa da Marvila e a bii yue.

Todas as quartas-feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós :)

 

06
Mar21

O Pedro e a vela

Cristina Aveiro

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Era uma vez um menino chamado Pedro que vivia na Praia da Barra. Pedro não tinha irmãos, nem irmãs e gostava muito das suas duas primas. Estava sempre à espera das férias de Verão para estarem todos juntos durante mais tempo.

Naquele Verão os três primos foram para a escola de vela, era um sonho da tia do Pedro que quando era pequenina gostava de ter aprendido a velejar. Pedro e as primas iam de manhã bem cedo para as aulas, equipavam-se com os fatos de surfista pretos justos ao corpo para não terem frio, com os coletes salva-vidas vermelhos e lá iam pôr os pequenos barcos na ria. Os barcos eram optimist, pequenos barquinhos onde apenas cabia uma criança, pareciam quase umas banheiras grandes.

Todos os dias aprendiam coisas novas, era uma aventura fascinante conduzir o barco. Às vezes quando havia mais vento e o barco se inclinava muito fazia um pouco de medo, mas era um desafio controlar o barco e manobrar com rapidez. Aprenderam a virar o barco e depois a voltar a pô-lo de novo sobre a água. A prima mais nova não gostava nada de fazer estes exercícios, dizia sempre que não queria que o barco se virasse, por isso não tinha nenhuma vontade de o virar de propósito. O professor que os acompanhava explicava que tinham que aprender a virar de novo o barco porque ele podia virar-se e eles tinham de ser capazes de resolver o problema lá no meio da ria sem estar à espera de ajuda.

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Ao final do dia tinham que tirar os barcos da água, lavá-los e arrumá-los para o dia seguinte. Quando tudo acabava, às vezes ainda iam a mais um banho na ria. A seguir, tinham que ir comer, estavam sempre esfomeados e muito cansados, mas felizes.

Passou a primeira semana e como tinham gostado tanto, ficaram mais outra semana e cada vez iam mais longe, conseguiam aguentar vento mais forte e já eram capazes de participar nas regatas entre os alunos. Havia alunos que já faziam cursos há muito tempo e que conseguiam andar com mais velocidade e ser mais certeiros nas manobras com o barco, mas os três primos conseguiam fazer os percursos e todos diziam que eles tinham feito enormes progressos.

As férias acabaram e as primas foram embora, mas o Pedro queria aprender mais, gostava que o Verão e aulas de vela não acabassem. O bichinho da vela tinha entrado nos seus sonhos, ele gostava de andar de bicicleta, de jogar futebol, mas a vela tinha-lhe dado momentos muito especiais.

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Foi então que os seus pais lhe perguntaram se ele queria continuar durante todo o ano. O Pedro ficou muito contente e disse logo que sim. Nesse ano todos os fins-de-semana lá ia ele todo satisfeito para a ria. No Inverno era mais duro, fazia frio, o vento era mais forte, a ria estava muito mais agitada e as correntes eram muito fortes, o desfio era maior, mas estar ao leme do pequeno barco, dominar a vela e tentar ultrapassar os amigos da vela eram os melhores momentos da semana.

Voltou o Verão, e as primas regressaram para novo curso com o Pedro, e voltaram a ir os três, mas que diferença, o Pedro já parecia um professor, ia com os mais velhos, os que faziam vela o ano inteiro. Quando estavam os três era o Pedro que dava conselhos e ensinava técnicas para entrar melhor na doca, ou vencer a corrente mais facilmente. Quando o Pedro fez anos, teve uma surpresa que o encheu de orgulho, recebeu o seu primeiro barco e não cabia em si de contente, adorava-o. Se numa saída para a água fazia um pequeno risco, ou se uma peça se partia, ficava todo triste, aquele seu barquinho era o seu orgulho.

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Começou a ir a regatas a sério em várias cidades, a ir ver regatas com os barcos da ria e outras com barcos sofisticados.

O Pedro foi crescendo e depois já não cabia nos barcos pequenos. Foi o tempo de se despedir do seu barquinho adorado. Uma nova aventura começava, agora passou a andar num 420, um barco maior que era tripulado por duas pessoas, o Pedro e um grande amigo seu, que formavam uma equipa. Era um barco grande com três velas, com um mastro enorme que fazia parecer o casco minúsculo. Os desafios foram sendo cada vez maiores, foi a muitas regatas e continuava a adorar velejar, agora já ia para o mar aberto, para os grandes portos e cruzava com navios de carga enormes.

Pedro sonhava com barcos maiores, com equipas com muitas pessoas, sonhava mesmo pilotar barcos grandes a motor em viagens à volta do mundo,… Quem sabe, tudo pode acontecer quando queremos muito e nos esforçamos por conseguir. Nunca podemos saber até onde o sonho e a vela nos podem levar.

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19
Fev21

Vai passar

Cristina Aveiro

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                                                      Vai passar
                                                      Vamos voltar ao mar
                                                      Vamos continuar a amar
                                                      Vamos manter-nos a lutar
                                                      Vamos permanecer até tudo acabar.

17
Fev21

Sol de Inverno

#5 - Azul Cobalto - Desafio da Caixa dos Lápis de Cor

Cristina Aveiro

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O Inverno já ia longo, cheio de dias e dias cinzentos, frio, chuva e mais chuva. Estavam cansados, tinham umas saudades enormes do Verão e da vida junto ao mar. Naquele sábado amanheceu um dia de sol radioso e eles nem pensaram duas vezes, todas as tarefas dos sábados ficaram adiadas. Correram no seu carrinho, atravessaram o pinhal do rei e foram até ao mar de São Pedro de Moel. Depois rumaram a Sul, deleitando-se com tudo o que a estrada atlântica tem para oferecer nos dias de Inverno. Poucos carros, céu límpido, mar calmo como se fosse Verão e daquele azul que enche a alma.

Pararam no Sítio da Nazaré. Pousaram o olhar na vista aérea sobre o casario nazareno, a praia vazia abrigada pelo morro que é o maior para-vento que conheço. Sabiam de cor aquela imagem, mas de quando em quando, o olhar precisava de lá ir, de a rever, de a sentir, de ser banhado pela brisa que ascende guiada pela parede quase vertical até ao mítico cimo. A seguir, o ritual incluía uma descida pelo ascensor que os continuava a fascinar no seu movimento calmo e constante já lá ia mais de um século. A descida suave até ao casario, o contorno de flores dos catos no seu laranja escuro e exótico que bordejava o percurso, fazia parte da viagem que nunca deixava de os fazer sorrir e sentir-se maravilhados.

Depois era deambular pelos recantos da vila, regalar os olhos com as casas branquinhas, com as suas barras azul-cobalto, amarelo mostarda, ou vermelho. Gostavam especialmente dos recantos mais elevados onde pela frente só há o mar, onde o sol se põe e quem lá vive nas suas minúsculas casas se sente rei e não as trocaria por nada.

Na vila ainda se encontram muitos homens e mulheres que orgulhosamente continuam a vestir-se no dia-a-dia com os trajes tradicionais. É única a forma como com naturalidade continuaram a pontear a paisagem com algo que, por cá, só se vê em museus ou momentos de folclore.

O passeio nunca fica completo sem percorrer a marginal, rever os barcos garridos no areal, parar nas peixeiras que secam e vendem ali o carapeto (carapau escalado seco), a petinga e uma ou outra delícia que o sol curtiu.

À medida que o sol vai descendo rumo ao fim do dia, é bom fazer o percurso reverso, como que fazendo um misto de até breve e gravando as imagens pintadas com a luz mais alaranjada que quase chega ao dourado. Voltamos a casa e no coração trazemos um bocadinho de Verão para amenizar os dias de Inverno.

Texto no âmbito do #5 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Azul Cobalto

 

Neste desafio participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ,  a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, e a bii yue.

Todas as quartas-feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós :)

 

23
Jan21

As palavras têm sangue azul marinho !

Desafio Caixa dos Lápis de Cor - Azul Marinho

Cristina Aveiro

 

Tinta Permanente Azul Marinho.jpg

A menina já sabia desenhar bem as letras e escrevia com brio no seu caderno de duas linhas com o lápis bem afiado. Naquele dia a professora ia começar a ensinar a escrever com tinta permanente, era uma nova etapa onde os erros já não podiam ser apagados e tudo tinha que ficar bem à primeira. A menina estava cheia de entusiasmo, a caneta de tinta permanente, com o seu aparo dourado, o frasquinho com a tinta Quink da Parker que iria ficar para sempre na sua memória, as folhas de papel mata-borrão com o seu doce tom de rosa claro tudo eram novos objetos que a fascinavam. Quando a professora começou a ensinar a encher o depósito da caneta, rodando a ponta oposta ao aparo e aquele sangue azul marinho de que eram feitas as palavras que não se apagavam entrava na caneta os olhos da menina observavam bebendo cada momento.

Quando encheu a sua caneta e deixou o excesso do aparo no papel mata-borrão, ficou a contemplar o lado debaixo do aparo, era preto, cheio de estrias, parecia quase a barriga de um grilo. Tudo era muito mágico. Depois foi começar a fazer deslizar o aparo na folha de papel de linhas azuis e margens cor de rosa. Não era fácil, se carregava demasiado saia tinta de mais e mesmo com o mata-borrão ficava tudo feio e mal feito, se carregava de menos mal se via o que estava escrito e algumas letras falhavam e a menina não se atrevia a tentar passar de novo para as escrever. Passar de novo no mesmo sítio parecia ter tudo para ficar pior ainda.

Aos poucos a indomável caneta de tinta permanente foi sendo domesticada e a menina começou a deliciar-se enchendo folhas com palavras e mais palavras de bela caligrafia. Primeiro foram cópias, ditados e exercícios, mas a verdadeira magia só passou a acontecer quando a menina já sabia o suficiente para encher as folhas com as histórias que imaginava, ou com as histórias antigas que os avós lhe gostavam de contar quando estavam sentados nos bancos baixos dentro da lareira alta da casa deles. A menina também gostava de escrever sobre as coisas iam acontecendo à sua volta, sempre tentando usar mais e mais palavras novas que ia conhecendo nos livros, com a professora e com os adultos que a amavam e ensinavam mesmo sem querer.

A cor daquela tinta, aquele azul marinho espalhado suavemente no papel era ainda das suas cores preferidas, para vestir, para descansar os olhos, para ver no mar em certos dias, era uma cor de conforto e para ela seria sempre o sangue das palavras.

 

Texto no âmbito "Desfio Caixa dos Lápis de Cor"

 

 

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