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Contos por contar

Contos por contar

03
Jun23

As Criaturas do Pinhal

Cristina Aveiro

 

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Naquele Pinhal encostado ao mar bravo de grandes ondas e vendavais havia seres que não se viam em mais lugar nenhum, na verdade nem mesmo naquele Pinhal.

Quando se passeava nos longos caminhos retos e ortogonais daquela floresta imensa, se se escutasse com atenção, ouvia-se o sussurro dos ramos dos pinheiros altos que se misturava com o rugir do mar lá ao longe, com a voz do vento que os movia e com o canto dos pássaros. Era aquela a voz da Catedral Verde, assim lhe chamara um dos seus amantes, era única e viciante. Quem conseguisse escutar a voz e sentir no coração a sua vibração ficava para sempre apaixonado por aquele lugar, nunca mais conseguia viver muito longe dele e tinha de voltar uma e outra vez bem amiúde.

As criaturas do Pinhal passeavam no manto emaranhado de fetos altos e verdes na Primavera, nas copas dos pinheiros altos no Verão, pelo meio dos mantos de cogumelos no Outono e nas charcas que se formavam nas chuvas do Inverno.

Divertiam-se a abanar os ramos dos pinheiros fazendo cair as pinhas e as carumas, mesmo sem haver vento, espalhando o penisco. Sim o penisco, as pequenas sementes de pinheiro com a sua bela asa voadora que as levava longe antes de pousarem na caruma entrelaçada.

Os pequenos seres mágicos adoravam atrapalhar o caminho das borboletas nos seus voos à volta das pequenas flores rasteiras que enfeitavam o chão arenoso do Pinhal durante todo o ano.

No Outono as criaturas mágicas espalhavam os esporos dos míscaros amarelos, dos cantarelos, e de tantos outros cogumelos que deixavam no ar um aroma especial a bosque e a molhado.

Na Primavera as criaturas pintavam de amarelo as flores dos tojos e nascia um verdadeiro oceano amarelo debaixo do teto verde das copas dos pinheiros.

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Não se sabia como eram as criaturas mágicas, mas todos tinham a certeza que cheiravam a resina, a pinhão e a maresia. Embora não as conseguissem ver todos acreditavam que eram uma espécie de nevoeiro de mil tons de verde luminoso e brilhante como a cauda de um cometa. Nas noites de nevoeiro e lua cheia havia quem dissesse que se podiam ver os rastos que deixavam no nevoeiro prateado.

Todos os habitantes das redondezas amavam o Pinhal gigante e mágico que era uma verdadeira muralha protetora da fúria do mar, dos vendavais e das areias voadoras. Gostavam de passear pelos caminhos geométricos do Pinhal, os aceiros e arrifes, pelos trilhos sinuosos como o do comboio de lata.

No Pinhal podiam beber água em tantas fontes… a da Água Formosa, a Férrea, a das Canas, a do Sardão, a da Garcia, a Nova, a de São Pedro, a do Tremelgo, a da Felícia, a dos Franceses… Todas as fontes eram lugares muito especiais, onde havia plantas e animais diferentes, típicos dos lugares encharcados. E os poços do Pinhal?! Eram muitos, mas os mais importantes eram o poço dos ingleses, o do fogo velho e o do nove.

No Pinhal os pinheiros mais altos e perfeitamente retilíneos eram chamados Pau Real, ou Sementões e tinham nomes e números tal era a sua importância.

Já as ribeiras eram lugares misteriosos, onde a luz do sol era coada pela vegetação densa e onde havia árvores gigantes, eucaliptos seculares, carvalhos alvarinhos enormes. Os habitantes não conseguiam saber se a Ribeira mais mágica era a de Moel, a do Tremelgo a do Rio Tinto ou a da Guarda Nova, mas de todas a de Moel era a mais concorrida.

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Junto à ribeira de Moel havia um lugar a que chamavam Vale dos Pirilampos que fascinava todos quando as pequenas luzes pintavam o ar com os seus bailados. Acreditava-se que as criaturas mágicas se abrigavam nestas zonas densas quando dormiam embaladas pelo canto dos pássaros.

Os habitantes amavam tanto o seu Pinhal encantado que tinham construído torres altíssimas com escadas em caracol até ao topo em lugares elevados, a torre do Facho, a da Crastinha, a da Boavista e a do Ponto Novo. No topo das torres havia uma pequena sala envidraçada onde dois habitantes faziam continuamente a vigilância do Pinhal e enviavam mensagens para as aldeias com pombos de correio sempre que avistavam ameaças para a floresta.

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A meio do Pinhal, junto ao mar, havia um farol que para além de guiar os navios também fazia a vigilância do tão precioso Pinhal.

O Pinhal estendia-se até às dunas da praia que contornavam todo o Pinhal a poente, e mesmo aí cresciam pinheiros. Eram moldados pelo vento, fazendo um enorme esforço para crescer apesar dos fortes ventos vindos do mar. Estes pinheiros não conseguiam crescer rumo ao céu. Cresciam deitados sobre as dunas, rastejando, erguendo-se um pouco de onde em onde, para depois voltar ao chão. Eram torcidos e retorcidos, sempre mais baixos do lado do mar e um pouco mais altos do lado do Pinhal.

Nas dunas havia outros companheiros na luta pela sobrevivência, os samoucos, as camarinheiras, os cardos lilases, os lírios das areias, … eram uma verdadeira barreira de proteção para as árvores e plantas do interior do Pinhal.

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Num dia trágico, o que ninguém podia imaginar aconteceu. Um incêndio gigante, furioso, incontrolável devorou quase todo o Pinhal. Queimou mesmo as dunas só parando na areia da praia.

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Foto: Hélio Madeira

Os habitantes ficaram desolados, sem saber como sobreviver àquele inferno de fogo que depois se tornou num deserto de cinza e negro. Acreditavam que as criaturas tinham sido destruídas pelo poder das chamas do terrível fogo apocalíptico. Imaginavam que tinham perdido para sempre o Pinhal secular que era parte da sua identidade.

A Natureza, rapidamente, na sua imensa força de vida, fez nascer pequenas plantas, começando a pintar de verde o imenso deserto cinza.

Ano após ano, vieram os pequenos arbustos, lá no meio, pequeninos pinheiros aninhados na vegetação rasteira foram aparecendo, frágeis, mas cheios de vida. As gentes plantaram pinheiros e outras árvores, mas eram incapazes de tratar de todo o imenso espaço nu e vazio.

Todos começaram a acreditar que as criaturas mágicas afinal deviam ter fugido do fogo, deviam ter resistido, que talvez tivessem ficado a pairar sobre a Lagoa da Saibreira durante o fogo. Sabiam que as Criaturas tinham voltado a fazer nascer os pinheiros por todo o Pinhal.

Agora todos sentiam que tinham ainda mais de se empenhar a cuidar e a fazer renascer a sua amada Catedral Verde porque assim tinha de ser.

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Vídeo sobre o Pinhal hoje e a sua recuperação, infelizmente, devido às condições atmosféricas adversas não foi possível avistar as Criaturas.

Para saber mais sobre o Pinhal, a sua história, imagens do passado, lugares a descobrir, deixo-vos estes dois fantásticos blogues onde recolhi informação preciosa e aprendi sobre este lugar que amo.

https://pinhaldorei.net/lugares-recantos/

http://opinhaldorei.blogspot.com/

 

10
Abr21

A Princesa, o rei Rato e a Cigana

Cristina Aveiro

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Fotografia RTP

Era uma vez uma Princesa muito alta e magra, com uns olhos azuis muito pequenos e cabelos loiros longos com caracóis muito apertadinhos. A Princesa queria ser sempre a melhor em tudo, achava que sabia mais do que todos e não suportava que a contrariassem. A Princesa adorava passear no seu imponente cavalo branco que a fazia sentir-se ainda mais ufana da sua beleza e aumentava a sua altivez. A floresta do monte da Lua era um dos seus lugares preferidos, com as árvores centenárias, retorcidas e tão cerradas que de dia parecia quase noite tal era a densidade da floresta. Havia também enormes rochedos cobertos de musgo escuro erguidos aos céus que pareciam ter caído do cesto de um enorme gigante que andasse a fazer um muro no seu quintal.  Na floresta eram vulgares os mantos de neblina fechada que não deixavam ver nada senão a névoa branca e impediam as gentes de andarem. Num dia a Princesa galopava no seu passeio pela floresta quando o manto de neblina a apanhou e ela teve de parar e passar a andar lentamente a pé com o cavalo à rédea.

Andou, andou até que cansada se encostou ao abrigo de umas pedras com o cavalo e adormeceu.

Quando amanheceu, acordou com o barulho do som de cavalos de uma carruagem e depois com gritos de homens a lutar, um grande alarido e novamente cavalos a galope a fugir. A Princesa decidiu ir cautelosamente até ao lugar de onde vinham os barulhos. Esperou escondida a ver se não havia ninguém, viu a carruagem, mas os cavalos e os homens não estavam lá. Pensando que na carruagem podia haver comida foi até lá, abriu a porta e quase morreu de susto quando viu que no chão estava deitado como morto um enorme rato com ar majestático. O animal começou a abrir um olho, e depois outro e quando viu que era uma princesa e não os malfeitores que o tinham atacado e à sua comitiva levantou-se de um salto.

Apresentou-se de imediato à Princesa informando que era o rei Rato.  

O rei Rato era muito magro e tinha o rosto escuro e ressequido. Sobressaiam os seus olhos minúsculos muito escuros e encovados, bem como o seu nariz grande e adunco e os lábios tão finos que tornavam a boca quase numa linha no rosto. O rei Rato andava sempre vestido com um fraque preto, muito orgulhoso do seu porte direito e da sua elegância e majestade. O rei Rato sempre se tivera em grande conta, quer da sua graça e beleza, quer da sua suprema inteligência e sabedoria. Estivera sempre muito certo de que era irresistível e que conseguia sempre tudo o que queria. Ao rei Rato nunca lhe ocorrera que alguém pudesse pensar de outra forma. O rei era totalmente cego e surdo em relação aos que o rodeavam, nunca se preocupava com mais ninguém que não fosse ele próprio.

A Princesa olhou demoradamente para o rei Rato e pensou que não era companhia que escolhesse se houvesse outra, mas ia ter que ser, com ele tinha mais hipóteses de conseguir sair da floresta e regressar a casa. Conversaram um pouco e decidiram que iam rumo ao Norte, olhando com atenção para os troncos das árvores e vendo o lado onde o musgo era mais forte e verde. Tentaram conversar para ir passando o tempo, mas cada um só se interessava por o que dizia e não tinham vontade de se escutarem um ao outro, cada um tinha a certeza que estava certo e não escutava a opinião do outro. Felizmente ambos achavam que ir para Norte era boa ideia, senão teriam ido cada um para seu lado.

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Fotografia Net

Foram andando em silêncio, ou num diálogo de surdos debitando as suas vaidades e maravilhas pessoais sem que o outro prestasse atenção. Caminharam durante todo o dia e ao final do dia, quando começava a cair a noite viram um clarão de fogueira lá ao longe e ficaram os dois encantados. Se havia fogo havia gente, se havia gente havia comida e quem sabe um lugar para dormir. Quando chegaram perto foram com cuidado ver que lugar era aquele e quem lá estava. Podiam ser malfeitores ou inimigos. Ficaram admirados quando viram uma enorme tenda com uma fogueira alta no terreiro à frente.  De pé olhando a fogueira estava uma extraordinária mulher Cigana.

A Cigana era diferente de todas as outras, não tinha a pele morena, nem o cabelo ou os olhos escuros. Era alta, entroncada, com corpo de guerreiro viking, tinha enormes olhos azuis e uma farta cabeleira ruiva. Não podia dizer-se que era bela, mas era certamente vistosa, parecia que gostava de fazer questão de se fazer notada. As suas roupas eram muito coloridas e rebrilhava no ouro que usava ao pescoço e nos brincos. Estava a cantar alto com a sua voz nasalada e áspera.  Eles não sabiam, mas a Cigana estranha gostava de dizer a todos o que pensava e erguia a sua voz acima da dos demais para se fazer ouvir, adorava escutar-se e pensava que todos sentiam o mesmo.

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Fotografia Net

Passado algum tempo, a Princesa e o rei Rato decidiram avançar e ir ter com a Cigana esperando que ela os acolhesse. Quando os viu a Cigana gritou-lhes perguntando de onde é que tinham vindo e o que é que queriam dali. A Princesa e o rei Rato lá explicaram com calma o que tinha acontecido e a Cigana foi dizendo que se fosse com ela teria conseguido regressar a casa mesmo com a névoa, que teria mandado todos os bandidos embora e por aí fora. Estavam ali três seres tão diferentes e tão parecidos, será que se conseguiriam entender?!

A Cigana tratou de lhes dar comida e abrigo naquela noite e acompanhou-os no dia seguinte para os ajudar a regressar às suas vidas. Durante a viagem, a floresta e os seus encantos mágicos começaram a aproximar a Cigana e o rei Rato, que aos poucos começaram a falar, e depois a rir e ao fim de dois dias parecia que se conheciam desde sempre e que gostavam das mesmas coisas.

Chegados ao fim da floresta, acompanharam a princesa ao seu castelo e o rei Rato e a Cigana seguiram para o palácio do rei Rato. Como a viagem tinha sido muito longa e o rei Rato não se queria separar da Cigana pediu-lhe que ficasse ali a descansar alguns dias. A Cigana começou por ficar uns tempos numa enorme tenda que o rei Rato mandou erguer nos jardins porque a Cigana se recusava a dormir no palácio. A corte do rei achava tudo aquilo muito estranho porque agora o rei parecia só querer saber das vontades da sua amada Cigana e eles nem conseguiam entender os seus usos e costumes e muito menos as suas roupas e joias.

Ao fim de algum tempo o rei Rato encheu-se de coragem e ajoelhou-se em frente à Cigana, pegou-lhe na mão e pediu-lhe que fosse a sua rainha e ficasse com ele para sempre.

A Cigana aceitou o pedido do rei Rato, celebraram um casamento que durou mais de duas semanas, a princesa foi a madrinha e viveram felizes para sempre na sua tenda no jardim do palácio.

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Fotografia Net

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