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Contos por contar

Contos por contar

27
Mai23

As meninas e o Tempo

Cristina Aveiro

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Era uma vez duas meninas pequeninas que adoravam brincar, inventar objetos novos, pintar, desenhar, cantar, correr e saltar e rir sem parar.

Um dia veio o Tempo e com os seus vagares foi fechando as meninas em corpos enormes, obrigou-as a ficarem muito sérias, talvez até importantes, prendeu-as em casas grandes com muitas coisas para fazer.

As meninas já não podiam fazer as coisas que gostavam: brincar, inventar, correr, rir e saltar. As meninas tinham que fazer coisas a que chamavam trabalho e estavam sempre com outras pessoas com corpos enormes, ninguém brincava ou fazia coisas só porque se sentia feliz e queria mostrar isso com todo o seu corpo, correndo, saltando e rindo.

Neste mundo tudo tinha muitas regras, havia momentos para correr, mas sem rir ou fazer “tontices”, momentos para cantar, mas em lugares próprios e da maneira adequada, momentos em que se podia chorar, mas eram muito poucos, momentos para rir, mas devia ser a seguir a dizerem certas coisas, … e por aí fora, sempre com regras e mais regras. Nada do que fosse espontâneo e fora das regras era bem recebido.

Quase parecia um daqueles teatrinhos que as meninas faziam antes, mas com caras vazias, sempre a dizer que estavam cansados, sempre pouco contentes com tudo e com nada.

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Não é preciso dizer o quanto as meninas se sentiam presas e sem vontade de representar aquele teatrinho da vida das pessoas com os corpos grandes, mas o Tempo não deixava que fosse de outra maneira.

Os únicos momentos em que as meninas voltavam a ser livres era quando ficavam as duas sozinhas, ou então quando estavam só com meninas e meninos. Nestes momentos tudo voltava a ser mágico! Era como se nunca tivesse vindo o Tempo.

As meninas inventavam as suas coisas, faziam novos objetos, falavam sem parar de ideias tontas que as faziam rir lá do fundo. Subiam para as mesas e faziam discursos inventados sobre o que lhes viesse à cabeça, ora eram fadas, ora bruxas encantadoras ou leoas corajosas.

Nesses momentos mágicos, em que voltavam a ser meninas só havia uma coisa que as preocupava. Receavam sempre que chegasse alguma pessoa dos corpos grandes. Já tinha acontecido e tinha sido perturbador. As pessoas dos corpos grandes ficavam a olhar reprovadoramente e com desdém. Era quase como se achassem que as meninas (que continuavam presas nos seus corpos enormes) estivessem doentes, ou fossem de outro planeta. Faziam perguntas desagradáveis:

- O que estão a fazer?

- Para que serve isso?

- Porque é que estão tão contentes?

- Voltaram a ser criancinhas?

As meninas fechavam o rosto e nem explicavam nada porque sabiam que quem fazia estas perguntas nunca iria compreender as respostas.

As meninas ficavam sempre tristes por perceberem que as pessoas dos corpos grandes dizendo que adoravam as crianças, na verdade, consideravam-nas inferiores a elas, menos importantes, como se não tivessem nada para ensinar só por serem pequenas.

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Quando as meninas estavam só com crianças ficavam também livres do Tempo e todos se divertiam juntos. Havia brincadeira, teatrinhos, cantorias, jogos, riscos e rabiscos, abraços verdadeiros e o mundo ficava perfeito por algum tempo.

O Tempo nunca deixou as meninas voltarem a ser livres. Os seus corpos enormes começaram a encolher aos poucos e já funcionavam mal. As caras das meninas eram já muito enrugadas e os cabelos ralos e branquinhos. Apesar de os seus corpos serem já frágeis continuavam, sempre que conseguiam, a ter os seus momentos mágicos, onde eram meninas que brincavam e faziam coisas “tontas”.

Um dia o Tempo, cansado de as prender, devolveu-lhes a liberdade e as meninas voaram. São agora duas estrelas marotas e rabinas que nunca deixaram de ser meninas.

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03
Mar22

No Reino da Felicidade

Desafio do Triptofano

Cristina Aveiro

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Naquele reino longínquo todos os súbditos tinham que estar sempre alegres, sorridentes, bonitos e esplendorosos durante todo o tempo e em todos os lugares. Havia severas leis para punir quem se atrevesse a não cumprir o regulamento da felicidade. O rei acreditava que com estas leis firmes conseguia que todos os seus súbditos fossem sempre felizes durante todo o tempo e isso era tudo o que ele queria, que fossem felizes. 

Quando as pessoas se sentiam tristes tinham que esconder o que sentiam, ou procurar lugares onde não pudessem ser vistos pelos guardas da felicidade que estavam por todos os lugares do reino, muitas vezes quase não se podiam ver, mas todos sabiam que eles andavam por todo o lado.

Naquele dia o ator do teatro principal da capital do reino estava a viver a suprema dor de perder o seu filho. O regulamento da felicidade não admitia exceções, mesmo nos casos de tragédias, doenças, catástrofes ou cataclismos. 

O pai destroçado escondeu-se do mundo, não por temer as leis do reino, mas por ser impelido a rumar às montanhas e aos lugares onde tinha vivido momentos preciosos e felizes com o seu filho. Naqueles lugares, onde tinha sido verdadeiramente feliz, gritou, chorou, correu, deixou-se cair. A dor no peito quase o impedia de respirar, de viver. No chão, exausto, olhou o céu, a floresta, os animais e tudo continuava como sempre estivera. Como podia tudo manter-se como antes? Ele não era o mesmo, aquela tristeza e dor que sentia extravasavam, para continuar vivo tinha que partilhar a sua dor com o mundo.

Regressou ao seu lugar, à sua vida e subiu ao palco do grande teatro, assim que os espetadores que enchiam a sala o viram houve um som de espanto e desconforto. O pai dançava em silêncio, todos os seus movimentos e expressões eram impelidos por tudo o que sentia.

Um silêncio espesso cobriu a sala e a dor derramada no palco contagiou todos, houve choro, abraços, mãos apertadas com força. Os guardas da felicidade choraram.

Chegou ao conhecimento do rei o que tinha acontecido no teatro e no palácio todos estavam muito apreensivos, embora mantivessem as suas máscaras de alegria. O rei foi até ao jardim do palácio pensar. O Rei estava perplexo, acreditava que as suas leis e a guarda da felicidade fariam o seu povo feliz. Tudo o que queria era garantir a felicidade do seu povo. O rei compreendeu que partilhar a tristeza, a dor e todos os sentimentos era necessário. 

Regressado ao seu conselho eliminou a lei da felicidade e desmobilizou a guarda. O Rei continuou a procurar novas formas de ajudar o seu povo a ser feliz. Passou a escutar o seu povo que se exprimia agora livremente e dava o seu contributo.

Vitória, vitória, acabou-se a estória!

 

Descubram também os textos da Marta - o meu canto, do Bruno, da Ana D., da Ana de Deus e da Maria. Querem participar? Vejam aqui como!

 
 
08
Mai21

A Liberdade

Cristina Aveiro

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A Liberdade

 

A liberdade é andar nua e descalça.

Nadar no mar e mergulhar.

A liberdade é abraçar quem se ama

Com força e com todo o corpo.

A liberdade é dizer e pensar o que se bem entende,

Defender as causas que se entendem justas sem respeitos tolos.

A liberdade é dizer que o rei vai nu

Quando todos sorriem e fazem vénias de cobardia.

A liberdade é branca como as gaivotas que morrem aprisionadas

Precisa de espaço, luz, campo, praia, mar.

A liberdade é sonhar, escolher, fazer por si e por todos

Porque se quer, para trilhar o caminho escolhido.

A liberdade permite-nos ignorar o que pensam e dizem de nós

Pensem e digam o que quiserem porque nós Somos.

A liberdade está nas pequenas e nas grandes coisas,

É grandiosa e ao mesmo tempo atenta à pequenez.

A liberdade também é Abril, os cravos, o povo

Mas há tanto de Abril que se esfumou em livres bolsos.

A liberdade de Abril devia ser mais exigente com quem nos representa

Devia haver rostos com quem cada voto pudesse falar a pedir contas.

A liberdade precisa de justiça justa, eficaz, rápida, transparente

A opacidade surda da justiça dos ricos e da justiça dos pobres corrói.

Acredito na Liberdade, no Amor, na Paz, no Respeito pelas Gentes e pela Natureza!

Sou talvez crédula, mas sou livre de o ser.

 

 

Fui desafiada pela MJP do blog  liberdade aos 42  para escrever sobre o que é a Liberdade para mim e é assim que a vejo hoje.

 

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