À tarde depois da escola os rapazes que viviam no largo vale, do Liz, na zona onde de um lado do rio é São Romão e do outro Guimarota, antes de regressar a casa subiam a ruela estreita e íngreme que os levava aos campos em volta da mina. A entrada da mina era quase no topo da encosta e à sua volta o imenso campo de despejo dos restos de minério que não serviam para vender era o paraíso de brincadeiras dos rapazes. Nas zonas em volta desse campo havia ainda pinhais que completavam o cenário para que a zona de aventuras dos rapazes fosse perfeita.
O trabalho na mina para extrair a lenhite, um carvão de fraca qualidade, era muito difícil, os túneis ficavam facilmente alagados e os abates de túneis eram muito frequentes. As entranhas daquele vale pareciam um bolo de bolacha, havia zonas rochosas ladeadas de zonas de solos móveis e maleáveis e o aparecimento de água na mina era uma constante. A mina da Guimarota, tal como tantas outras tinha bolsas de metano que se revelava mortal. Os mineiros andavam sempre com as suas lanternas de mineiro que eram verdadeiros salva- vidas porque detetavam a presença de gases perigosos e mesmo a diminuição do oxigénio que obrigava à saída dos túneis. A criançada gostava de observar os mineiros quando entravam e saiam da mina e olhava -os como heróis.
Como a lenhite tinha pouco valor e a exploração da mina era difícil, havia cada vez menos mineiros e até já se dizia que iria fechar.
Quando brincavam por cima dos montes de material da mina viam muitas vezes bichos presos no carvão: conhas, escamas, pedaços de ossos ou “pedras” com formas de plantas. Admiravam estes pedaços de carvão por uns momentos, mas depois voltavam aos seus jogos e às aventuras de explorar tudo à volta por ali.
Houve um ano em que os rapazes começaram a ter como companhia nos montes dos lixos da mina dois homens de fora, que estavam muito interessados em ver todos os pedaços de “pedras” que por ali havia. No princípio, os rapazes desconfiaram daqueles adultos que se interessavam pelos montes de lixo. Assim que os viam, os rapazes afastavam-se e ficavam à distância a ver o que faziam e a escutar as conversas deles que os fascinavam por parecer quase um conjunto de roncos zangados.
À medida que os foram observando viram que viviam na casa amarela de primeiro andar logo no início da rua estreita e íngreme que levava à mina, foram percebendo que falavam com alguns homens da mina e que aparentemente estavam a fazer um qualquer trabalho que não entendiam. Como os rapazes e aqueles homens partilhavam os territórios que exploravam, começaram a aproximar-se. Com o tempo ficaram a saber que o homem mais velho se chamava Kühne e o mais jovem Krebs. Um homem da mina explicou-lhe que eram alemães e estavam interessados nas “pedras” com os bichos. Disseram aos rapazes para mostrarem os sítios onde havia mais “pedras” com bichos.
A alegria e entusiasmo que os rapazes viam naqueles dois homens espantava-os. Os homens pareciam ter achado um tesouro, era mesmo como se tivessem encontrado ouro e não pedras diferentes num monte de entulho.
Estava formado um grupo de exploradores improvável, homens sábios e rapazes conhecedores do terreno. Os rapazes sem entender bem o que se passava sentiam-se importantes porque sabiam coisas que os senhores estrangeiros queriam muito saber. As aventuras do costume tinham evoluído para um novo patamar.
Um dia, o homem mais jovem encontrou um pedaço de carvão com uma espécie de cabeça de “rato” e levou-o ao mais homem mais velho. Ficaram loucos de entusiasmo. Parecia que tinham encontrado o que procuravam, fosse lá isso o que fosse, porque para os rapazes era uma pedra como tantas outras que já lhes tinham mostrado.
Vieram então mais e mais alemães, reabriram a mina que, entretanto, tinha deixado de ser explorada. Contrataram mulheres para passar a “pente fino” os montes de detritos que havia na zona à volta da mina e os que iam de novo saindo da mina.
O campo de brincadeiras dos rapazes foi passado cuidadosamente por peneiros e observado detalhadamente à procura das tais “pedras preciosas”.
Os rapazes cresceram e deixaram os seus jogos e brincadeiras. Apenas um dos rapazes continuou a acompanhar o trabalho de pesquisa na mina. Tinha aprendido a falar com os investigadores, compreendia agora a importância do que ali tinham encontrado e sabia o que acreditavam que podiam vir a encontrar.
Os investigadores estavam desde o início à procura de mamíferos do tempo dos dinossauros, mamíferos de há mais de 145 milhões de anos. Não tinham a certeza se os mamíferos e os dinossauros tinham vivido na mesma época, mas acreditavam que sim.
Esse jovem que continuou a acompanhar as pesquisas, estava ao lado da rapariga que partia e a selecionava o carvão, como tantas outras naquela missão imensa, quando apareceu um pedaço de carvão com um esqueleto completo. Estava ali o fóssil de um mamífero completo e incrivelmente bem preservado como acontecia com os todos os fósseis encontrados na mina.
Houve logo euforia, foram feitos estudos e mais estudos, era uma descoberta ímpar. Foi-lhe dado o nome científico henkelotherium guimarotae. Estava encontrado o primeiro esqueleto completo de um mamífero do Jurássico no mundo! Este pequeno mamífero media cerca de 7 centímetros, vivia nas árvores e comia insetos e é provavelmente o leiriense mais conhecido no mundo. Os paleontólogos continuam a estudar as maravilhas saídas das entranhas das minas da Guimarota. A Guimarota é um dos sítios notáveis no Mundo para o estudo do Jurássico pela sua riqueza e incrível preservação dos exemplares encontrados.
As fotos antigas de geoleiria.blogspot.com
Texto no âmbito do #9 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Amarelo
Neste desafio, que eu saiba, participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, a A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ, a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor, a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, João-Afonso Machado, A Marquesa da Marvila e a bii yue.
Todas as quartas-feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós :)