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Contos por contar

Contos por contar

04
Ago22

O homem que desenhava gatos!

“A Vida Eletrizante de Louis Wain”

Cristina Aveiro

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Desde muito cedo que percebeu que era diferente das outras crianças, aquele seu lábio estranho, as coisas que interessavam aos outros rapazes na escola e que nada lhe diziam e mesmo em família percebia as suas diferenças. Ter ido tardiamente para a escola (por conselho médico) não terá ajudado a que se sentisse mais confortável nela.

Tinha interesse por observar tudo o que havia na natureza, nos lugares com pessoas nas suas vidas. Muitas vezes não ia à escola para deambular pelas ruas de Londres a observar, a absorver e a desenhar freneticamente tudo.

A sua energia e arte permitiam-lhe pintar com as duas mãos ao mesmo tempo numa velocidade alucinante e com resultados espantosos. Na West London School of Art destacou-se e foi professor por um período curto. Não tinha interesse em ensinar, queria desenhar, criar e pensar em invenções que lhe enchiam a mente. Desenhava para revistas e jornais sem preocupações de ordem prática da vida quotidiana quando a morte do pai o transforma, aos 20 anos, no homem da família, com a mãe e as irmãs a seu cargo.

Esta não era de todo uma missão que a sua mente criativa, frenética, quiçá febril e desorganizada conseguia desempenhar. O lado económico da existência, a ordem das contas e essas tarefas correntes eram algo que a sua mente, que navegava nos altos céus da criatividade, não alcançava. Tão pouco assimilava as normas e convenções sociais rígidas de estratificação por classes que à sua época eram dogmas.

Neste cenário apaixona-se e casa-se com a perceptora das suas irmãs o que manchou o bom nome da família, mas lhe trouxe uma forma de ver o mundo com uma beleza que não conhecia. O seu amor foi feliz, nada lhe importaram as questões sociais, ou a rejeição da sua família, contudo a doença fatal da sua esposa mudou o seu mundo de novo, mergulhando-o em imenso sofrimento. Nesta altura, lutando contra a doença, encontram um pequeno gato perdido no meio de uma tempestade que trouxeram para casa e cuidaram. O Peter, como lhe chamaram, passou a ser o companheiro e a alegria dos dois nestes tempos de doença de Emily. Louis desenhou Peter de forma quase compulsiva e Emily quando viu esses desenhos percebeu ele captara a essência da alma felina. Insistiu para que apresentasse os seus novos desenhos aos jornais e revistas, ao que ele acedeu com pouco entusiasmo.

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A primeira ilustração de Louis com gatos com comportamento humano tinha 150 gatos em 11 cenas e teve destaque na edição de Natal de um jornal londrino importante.

Emily morreu pouco tempo depois, pediu-lhe que continuasse a levar alegria à vida das pessoas através da sua arte e que partilhasse o seu amor pelos gatos.

À época os gatos não eram vistos com bons olhos, eram meras criaturas da noite, serviam para caçar ratos, e segundo Louis:

“Quando comecei a esboçar e pintar gatos, eles eram vistos como criaturas detestáveis, vistos como pragas pelos caçadores.”

Pintar e criar, com alegria e humor foram ao longo de toda a sua vida o lugar onde apaziguava a sua dor. O seu amor pelos gatos esteve sempre presente, mesmo nos tempos mais sombrios de perda e afastamento do mundo. A morte do seu amado Peter foi dramática para Louis porque de algum modo era o companheiro que lhe restava da sua vida com Emily.

Desenhou sempre e pintou até ao fim, experimentando novas formas abstratas, psicadélicas, sempre cheias de rigor, cor e com enorme paixão. A sua dor e fragilidade levaram a que passasse os últimos anos em asilos para doentes mentais, mas mesmo aí continuou sempre a pintar imparavelmente.

Muito mais havia para contar sobre o homem que desenhava gatos, mas contemplar os seus gatos parece-me a melhor forma de o dar a conhecer e homenagear!

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“A Vida Eletrizante de Louis Wain” foi o filme de que me deu a conhecer este homem notável, para além da sua arte marcou-me a sua coragem (haverá quem lhe chame loucura) em romper com preconceitos, em viver o seu caminho, mesmo contra tudo e contra todos se fosse preciso. O estigma sobre a saúde mental foi, é e será uma enorme barreira para que muitas pessoas possam ser felizes e que lhes seja permitido darem o seu pleno contributo à sociedade. Foi também este aspeto da vida e obra de Louis Wain que me tocou profundamente.

 

 

22
Out21

Afinal quem foi Artur Pastor? Como podemos não saber?

Centenário em 2022

Cristina Aveiro

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Se procurarmos quem são os maiores fotógrafos portugueses do século XX facilmente não nos aparece Artur Pastor… Como? 

Nas décadas de 50 e 60 retratou de forma poética, intensa, cheia de humanidade e respeito e a raiar a perfeição a vida das gentes simples e pobres dos meios urbano e rural. Houve espaço também para fixar imagens dos lugares com beleza e intensidade, mas tocam-me a alma as das gentes.

O “poeta da fotografia”, “o homem da Rolleiflex”, viveu num tempo em que a fotografia era vista como uma arte menor, ou mesmo como não sendo uma arte. Nas suas palavras “(…) no limite preto branco, extorquir beleza, materializar uma ideia, surgida de motivos simples, aparentemente desaparecidos e impessoais, é sem dúvida fazer Arte.» mostra estar muito à frente na forma de encarar a sua Arte.

Procurei compreender a razão do “apagamento” de Artur Pastor da história da fotografia portuguesa do século XX e só o posso compreender à luz da mesquinhez e falta de análise imparcial do seu trabalho e do contexto. Aparentemente tudo se explica por ser visto como um “fotógrafo do regime”. Da análise do seu trabalho nunca se observam patrões, pessoas “importantes” ou outro tipo de vinculação a causas do dito.

Artur Pastor fotografou o trabalho, a dureza da forma de viver das gentes simples, a pobreza sem miserabilismo, a beleza de um país parado no tempo.

Foi disruptivo, o seu estúdio era a rua, o campo, a praia, … Lutou por partilhar o “seu olhar”.

Sou grata por poder ver o que me contaram os meus avós e pais através das suas fotografias ímpares.

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Vale a pena ver as fotos que nos deixou, podemos espreitar aqui, ou ali, e em tantos sítios mais.

 

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