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Contos por contar

Contos por contar

22
Mai22

A porta aberta

Cristina Aveiro

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Foto:Welcome Beyond

Eram dezoito anos de alegria de viver e crescer no ninho que os seus pais tinham construído. Acabara de conseguir convencê-los a deixá-la ir trabalhar para a Cruz Vermelha onde queria ajudar pessoas, conseguir tornar o mundo um lugar melhor para os que precisam de ajuda. Eram dias felizes estes dos primeiros voos com as suas asas ainda que sob o olhar atento dos seus pais, qual ave juvenil em treino para largar asas para novos mundos.

Young Women in the 1970s (31).jpg

Nesta primavera tranquila irrompeu o vento tremendo do inimaginável. Um acidente de viação levou-lhe os seus pais de uma assentada. Ficou perdida na casa grande e vazia, o seu trabalho era mais ainda o que lhe dava propósito e força para avançar. E pouco tempo depois, a vida trouxe-lhe ao encontro três irmãos muito pequenos, um bebé, um menino de dois anos e uma menina de três que tal como ela tinham perdido os pais muito recentemente. Ela viu neles o sinal e o sentido para avançar e viver.

Aos dezoito anos, sozinha, com alguns meios, adotou os três irmãos que encheram a casa grande de vida e tornaram a sua vida mais completa e feliz. Houve desafios imensos, dificuldades de compreensão de muitos que lhe estavam próximos e de outros no lugar onde trabalhava e vivia. Ela nunca duvidou que passara a ser mãe para sempre, mas havia quem pensasse que sendo tão jovem não medira bem o passo que dera e quem sabe talvez fosse uma fase da sua vida em que iria apoiar aquelas crianças e que depois teria de desistir e “avançar com a vida” como se dizia.

O tempo passou e a sua beleza e energia de jovem atraiu os olhares e atenções de muitos, mas aquele mocetão alentejano de olhar doce que gostava de a procurar para conversar sempre que podia começou a ter um lugar muito especial na sua vida. O namoro avançava, os laços apertavam-se e começavam ambos a sonhar com um ninho comum.

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Eram tempos distantes, de outro século, o passado, e os sonhos de ambos tinham uma divergência profunda, os seus filhos. Ele não conseguia imaginar a vida com filhos que não eram dele, e ela não podia imaginar a vida sem os seus filhos, embora muito quisesse que juntos criassem o ninho comum.

Ela esclareceu de forma irredutível:

- A minha porta está aberta, tu podes sempre vir porque eu te quero, mas os meus filhos jamais podem ir para que tu venhas.

A porta permaneceu aberta, mas ele afastou-se e partiu. Os anos passaram as crianças iam crescendo, um dia, passados seis anos, voltaram a encontrar-se noutra cidade. Falaram e recomeçaram a encontrar-se, a conversar, a continuar o que tinha ficado interrompido e que nunca deixara de existir.

Algarve, 1957 castello-lopes.......png

Foto: Gerárd Castello-Lopes

O jovem alentejano de olhar doce tinha crescido, compreendido melhor as coisas importantes que temos na vida. Um dia voltou a pedir-lhe para ficarem juntos e construírem uma família, mas logo esclareceu que:

- Peço-te que me aceites como pai dos teus filhos, serão meus do fundo do coração e para sempre, e se nascerem mais filhos serão tão nossos como os que já temos.

Aquela jovem de imensa generosidade, de porta aberta e coração feliz aceitou o seu alentejano doce. Nasceu uma menina e ainda hoje vivem felizes na sólida e bela família de seis que juntos construíram.

 

 

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Foto: Gerárd Castello-Lopes

PS- Estou a contar-vos a história que tive a felicidade de escutar da Dona São, a partir da sua janela onde conversamos como faziam os namorados de outros tempos. Comovi-me, sorri, senti-me inspirada porque esta é uma história verdadeira de gente de hoje que continua as suas vidas no meio de nós, e senti que tinha de partilhar convosco.

03
Mar22

No Reino da Felicidade

Desafio do Triptofano

Cristina Aveiro

Triptofano-nº 6.jpg

Naquele reino longínquo todos os súbditos tinham que estar sempre alegres, sorridentes, bonitos e esplendorosos durante todo o tempo e em todos os lugares. Havia severas leis para punir quem se atrevesse a não cumprir o regulamento da felicidade. O rei acreditava que com estas leis firmes conseguia que todos os seus súbditos fossem sempre felizes durante todo o tempo e isso era tudo o que ele queria, que fossem felizes. 

Quando as pessoas se sentiam tristes tinham que esconder o que sentiam, ou procurar lugares onde não pudessem ser vistos pelos guardas da felicidade que estavam por todos os lugares do reino, muitas vezes quase não se podiam ver, mas todos sabiam que eles andavam por todo o lado.

Naquele dia o ator do teatro principal da capital do reino estava a viver a suprema dor de perder o seu filho. O regulamento da felicidade não admitia exceções, mesmo nos casos de tragédias, doenças, catástrofes ou cataclismos. 

O pai destroçado escondeu-se do mundo, não por temer as leis do reino, mas por ser impelido a rumar às montanhas e aos lugares onde tinha vivido momentos preciosos e felizes com o seu filho. Naqueles lugares, onde tinha sido verdadeiramente feliz, gritou, chorou, correu, deixou-se cair. A dor no peito quase o impedia de respirar, de viver. No chão, exausto, olhou o céu, a floresta, os animais e tudo continuava como sempre estivera. Como podia tudo manter-se como antes? Ele não era o mesmo, aquela tristeza e dor que sentia extravasavam, para continuar vivo tinha que partilhar a sua dor com o mundo.

Regressou ao seu lugar, à sua vida e subiu ao palco do grande teatro, assim que os espetadores que enchiam a sala o viram houve um som de espanto e desconforto. O pai dançava em silêncio, todos os seus movimentos e expressões eram impelidos por tudo o que sentia.

Um silêncio espesso cobriu a sala e a dor derramada no palco contagiou todos, houve choro, abraços, mãos apertadas com força. Os guardas da felicidade choraram.

Chegou ao conhecimento do rei o que tinha acontecido no teatro e no palácio todos estavam muito apreensivos, embora mantivessem as suas máscaras de alegria. O rei foi até ao jardim do palácio pensar. O Rei estava perplexo, acreditava que as suas leis e a guarda da felicidade fariam o seu povo feliz. Tudo o que queria era garantir a felicidade do seu povo. O rei compreendeu que partilhar a tristeza, a dor e todos os sentimentos era necessário. 

Regressado ao seu conselho eliminou a lei da felicidade e desmobilizou a guarda. O Rei continuou a procurar novas formas de ajudar o seu povo a ser feliz. Passou a escutar o seu povo que se exprimia agora livremente e dava o seu contributo.

Vitória, vitória, acabou-se a estória!

 

Descubram também os textos da Marta - o meu canto, do Bruno, da Ana D., da Ana de Deus e da Maria. Querem participar? Vejam aqui como!

 
 
15
Fev22

A felicidade é...

Cristina Aveiro

IMG_0672.JPG

sentir o que irradia dos que estão felizes e ficar com as nossas cordas do sentir a vibrar cá dentro

uma coisa rara que aparece em deliciosos salpicos como os que lançam as ondas do mar

juntar nos meus braços as minhas meninas

sentir no abraço o cheiro das pessoas amadas

olhar para um bebé e contemplar a perfeição

ficar deitada a olhar o céu

tomar banho no mar transparente e com ondas

pisar a areia molhada com as ondas do mar a desfazerem-se de mansinho contra os pés

correr na areia ao Sol com a Marley  aos saltinhos ao meu lado

passear na floresta, sentir aquele cheiro que espalha perfume enquanto caminhamos

receber um abraço, um sorriso inteiro

sentir que nos entendem e apreciam

ficar a olhar a fogueira e fazer chegar o verão com o seu calor

afagar um animal dócil e quente

respirar de peito aberto e deixar entrar todo o ar que conseguir

conversar com uma criança e voltar ao essencial

aprender algo novo com as dores e alegrias do processo

ir por um caminho nunca percorrido

olhar para os olhos da minha mãe

ter alguém que me segura a mão quando me sinto insegura

ser desafiado pela vida, e pelas gentes que nos trás, para percorrer novos caminhos

escrever o que me vai na alma

não saber como parar de procurar e registar o que é afinal 

ficar com um sorriso no rosto por pensar em coisas boas

descobrir que há tantas coisas que para mim são a Felicidade!

 

Texto escrito no âmbito do desafio 52 semanas de 2022 da Ana de Deus em que também participam:

A Ana de Deus
A Introvertida
Ana do Green Ideas
Anita Não se Cansa disto
Bruno no Fumo do seu Cigarro

Carlos Palmito
Di a Mulher
Fátima Bento
Isabel M Silva
João-Afonso Machado
José da Xã
Maria Araújo
Maria do Abrigo das Letras
Purpurina
Sam ao Luar

 

17
Jan21

A nossa menina

Desafio da Abelha - Uma história para a foto em 200 palavras

Cristina Aveiro

Desafio da Abelha-15-jan-.png                                                                                                                                                 Foto: Ana de Deus - Desafios da Abelha

 

Oh, meu Deus! Estou tão feliz que quase rebento!

Deixa-me contar-te tudo. Estás feliz? Está tudo bem com o bébé, cresceu bem, tem tudo no sítio certo e a funcionar bem.

 Hoje vi o perfil, tem o narizinho arrebitado mais lindo do mundo. Os lábios são desenhados, a mãozinha estava a mexer perto da boca. Pena não teres conseguido chegar a tempo, mas vais saber tudo, tenho as fotos, e conto-te. Depois do perfil e da carinha mostraram uma zona e perguntaram o que eu estava a ver e se queria saber se era menino ou menina. Eu não sabia o que dizer, olhei e disse é um menino, vejo ali a pilinha. Sorriram e disseram divertidos, isso é o cordão umbilical. Mostraram de novo e disseram:  

- É uma menina!

Vamos ter uma menina, e é linda, linda. Apetece-me gritar a toda a cidade. É a menina mais linda do mundo. É nossa!

Como se vai chamar? Qual o nome da menina linda? Não achas que é linda? A carinha é redondinha e tão perfeita!

O pai feliz e tranquilo disse:

- Vai ter o nome que tu ouvires, porque ela já falou contigo e ainda não falou comigo.

 

 

 

 

 

 

 

 

https://anadedeus.blogs.sapo.pt/a-historia-desta-foto-25411

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