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Contos por contar

Contos por contar

03
Mar22

No Reino da Felicidade

Desafio do Triptofano

Cristina Aveiro

Triptofano-nº 6.jpg

Naquele reino longínquo todos os súbditos tinham que estar sempre alegres, sorridentes, bonitos e esplendorosos durante todo o tempo e em todos os lugares. Havia severas leis para punir quem se atrevesse a não cumprir o regulamento da felicidade. O rei acreditava que com estas leis firmes conseguia que todos os seus súbditos fossem sempre felizes durante todo o tempo e isso era tudo o que ele queria, que fossem felizes. 

Quando as pessoas se sentiam tristes tinham que esconder o que sentiam, ou procurar lugares onde não pudessem ser vistos pelos guardas da felicidade que estavam por todos os lugares do reino, muitas vezes quase não se podiam ver, mas todos sabiam que eles andavam por todo o lado.

Naquele dia o ator do teatro principal da capital do reino estava a viver a suprema dor de perder o seu filho. O regulamento da felicidade não admitia exceções, mesmo nos casos de tragédias, doenças, catástrofes ou cataclismos. 

O pai destroçado escondeu-se do mundo, não por temer as leis do reino, mas por ser impelido a rumar às montanhas e aos lugares onde tinha vivido momentos preciosos e felizes com o seu filho. Naqueles lugares, onde tinha sido verdadeiramente feliz, gritou, chorou, correu, deixou-se cair. A dor no peito quase o impedia de respirar, de viver. No chão, exausto, olhou o céu, a floresta, os animais e tudo continuava como sempre estivera. Como podia tudo manter-se como antes? Ele não era o mesmo, aquela tristeza e dor que sentia extravasavam, para continuar vivo tinha que partilhar a sua dor com o mundo.

Regressou ao seu lugar, à sua vida e subiu ao palco do grande teatro, assim que os espetadores que enchiam a sala o viram houve um som de espanto e desconforto. O pai dançava em silêncio, todos os seus movimentos e expressões eram impelidos por tudo o que sentia.

Um silêncio espesso cobriu a sala e a dor derramada no palco contagiou todos, houve choro, abraços, mãos apertadas com força. Os guardas da felicidade choraram.

Chegou ao conhecimento do rei o que tinha acontecido no teatro e no palácio todos estavam muito apreensivos, embora mantivessem as suas máscaras de alegria. O rei foi até ao jardim do palácio pensar. O Rei estava perplexo, acreditava que as suas leis e a guarda da felicidade fariam o seu povo feliz. Tudo o que queria era garantir a felicidade do seu povo. O rei compreendeu que partilhar a tristeza, a dor e todos os sentimentos era necessário. 

Regressado ao seu conselho eliminou a lei da felicidade e desmobilizou a guarda. O Rei continuou a procurar novas formas de ajudar o seu povo a ser feliz. Passou a escutar o seu povo que se exprimia agora livremente e dava o seu contributo.

Vitória, vitória, acabou-se a estória!

 

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24
Fev22

O banquete interrompido

Desafio do Triptofano

Cristina Aveiro

Desafio de Escrita do Triptofano-n5.jpg

Estavam felizes e celebravam a vida e os seus marcos numa festa de batizado em família. Eram pessoas de poucas posses, na sua casa humilde junto à fronteira do país vizinho do qual também falavam a língua que consideravam também sua. Viviam da agricultura e de empregos de serviços básicos aos seus compatriotas. Eram devotos e apesar de a tensão entre os dois países estar em crescendo desde há alguns anos e num ritmo mais frenético nos últimos meses queriam acreditar que tudo iria acalmar e que as razões maiores de paz e segurança iam vencer. Assim organizaram o banquete caseiro onde participaram a família e os amigos e conseguiriam brindar, cantar e dançar celebrando a vida e o batismo de mais uma criança da família. Nem as notícias da concentração de tropas nos dias anteriores os demoveram do propósito de comemorar e ter esperança na paz.

A meio da refeição o ruído dos morteiros a atingir a aldeia vizinha terminou com a festa, tudo foi deixado para trás. Apressaram-se para o abrigo subterrâneo da aldeia deixando para trás a alegria, a esperança e tudo o mais que tinham preparado.

No refúgio rezavam, abraçavam-se e continuavam a suplicar ao mundo e a Deus pela paz. O mundo assistia a tudo isto em direto. Sentados nas suas salas quentes e saboreando uma boa refeição sentiam solidariedade com aquele povo, interrogavam-se sobre o seu próprio futuro, sofriam de impotência face aos acontecimentos que os ultrapassavam.

A História repete-se e o Homem e o Mundo não aprendem!

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