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Contos por contar

Contos por contar

14
Abr21

Camarinhas são lágrimas de rainha!

#13 - Branco - Desafio da Caixa dos Lápis de Cor

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma princesa que desde muito pequena não mostrava gosto pelos luxos da corte, pelos vestidos ou pelos banquetes. A princesa era esguia, magra, tinha um lindo rosto de expressão bondosa e um porte elegante que emanava do seu interior e não das suas vestes. O rei seu pai quisera que a princesa fosse ensinada nas letras e na história do reino e do mundo, foi ensinada nas artes da diplomacia, foi educada para ser rainha, mas de uma forma muito invulgar. O seu pai dera à filha a mesma educação para o governo de um reino como se ela fosse um filho varão.

A princesa apreciava tudo o que aprendia, era muito culta e sabia que o seu pai tinha planos para a casar com um rei de um reino com o qual quisesse fortalecer alianças. A princesa gostava muito de meditar, rezar e jejuar e se pudesse escolher o seu destino iria para um convento onde pudesse dedicar-se aos mais pobres, doentes e desprotegidos. Conformada com o seu destino aos doze anos fez-se o seu casamento com um rei de um reino distante. O pai tinha-lhe dito que o seu noivo era um jovem rei, bem parecido e muito culto, que era dado às artes da música e da poesia.

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A jovem princesa fez a longa viagem na sua liteira. No primeiro encontro com o rei seu marido, no seu novo reino, de onde era a rainha, foi recebida em grande festa e desde logo o povo mostrou apreciar a sua jovem rainha.

A princesa, agora rainha, gostou do seu rei, era ruivo de cabelo farto, olhos azuis, rosto estreito que se abria num sorriso largo mostrando uns belos dentes. O rei não era muito alto, mas emanava uma aura de força e vigor de homem saudável e enérgico.

A rainha e o rei partilhavam o gosto pelas letras, pela música e tinham grandes planos para engrandecer o reino. O rei procurou o progresso criando feiras francas, uma bolsa para os mercadores, introduzindo culturas agrícolas, secando pântanos, criando explorações de minas, … A rainha procurou apoiar e tratar dos mendigos, doentes e desprotegidos, mas a rainha foi sempre lutando pela construção de albergues e hospitais para os mais desprotegidos. Nem sempre concordavam o rei e a rainha sobre estas obras de bem-fazer, mas a coragem e perseverança da rainha foram criando obra.

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A rainha sentia orgulho por o rei ter abolido o uso do latim nos documentos reais e estes passarem a usar a língua falada no reino. Para a rainha esta era uma forma de o poder real criar uma identidade forte do reino, valorizando a língua que era única e compreensível pelas gentes.

O rei era muito dado a festas, cantares e dançares e outros folgares. Antes do casamento tinha já três filhos que a rainha acolheu aos seus cuidados como era habitual acontecer nas famílias reais. Os hábitos de vida da rainha eram de simplicidade, recato, jejuns. A rainha não apreciava os banquetes reais, sempre fartos em carnes das caçadas do seu rei. Talvez estes seus hábitos frugais fossem a causa das prolongadas ausências do rei no paço.

A rainha sentia saudade, dor e mesmo ciúme do seu rei que ela sabia ser folgazão e apaixonado pela beleza. Encantava-o a beleza das paisagens, do mar, do céu e das nuvens, e… a beleza das damas. O rei perdia-se por loiras, trigueiras, nobres, burguesas ou simples camponesas. A rainha sabia destas paixões e sofria com elas. Quando as suas aias trocavam aqueles olhares indiscretos e de pena a rainha logo sabia que algo de novo e intenso se passava.

Sempre que o rei estava no paço e não chegava à hora acostumada, a rainha por mais esforço que fizesse para se não notar, ficava inquieta, pensativa e nervosa.

Num desses dias a rainha deu ordens ao seu séquito uma ida ao pinhal que o rei lhe tinha oferecido no ido ano de 1300. A sua intuição levo-a um local rochoso junto ao mar que sabia ser das preferências do rei. Chegada perto do local, mandou parar o séquito e seguiu sozinha até ao lugar onde se encontrava o cavalo do seu rei. Perante a evidência da traição, os belos olhos da rainha deixavam sair lágrimas cristalinas, pelo rosto abaixo, perdendo-se sobre o mato.

Nessa zona do pinhal os pequenos arbustos cobriram-se de pérolas brancas redondas onde ficaram prezas as lágrimas da rainha. Com o tempo todo o pinhal passou a ter destes arbustos que no verão se cobriam e cobrem de pérolas brancas, em especial nas dunas mais próximas do mar. O povo do reino chamou-lhes camarinhas e elas continuam a crescer apenas nesse reino e nesse pinhal.

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Fotografia de Sofia Francisco

Texto no âmbito do #13 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Branco

Neste desafio, que eu saiba, participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ,  a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, João-Afonso Machado, A Marquesa da Marvila e a bii yue.

Este é o "novo último texto do desafio". Acredito que no futuro, de vez em quando vou encontrar novos lápis e vou pintar palavras de novo, pois este desafio ensinou-me como isso pode ser gratificante.

06
Fev21

A festa dos burros

Cristina Aveiro

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Há muito tempo, num quente mês de Agosto, estava a família de veraneio na Praia de Paredes de Vitória. Paredes de Vitória era um lugar singular, meia dúzia de casas baixas de um só andar, três ruas, um vale arenoso percorrido por um vivo ribeiro sempre cheio de água com um caudal forte no seu leito estreito e verdejante, mesmo nos meses de Verão.

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O vale era todo cultivado, cheio de hortas, todos os cantinhos de terra cultivados com esmero. Aquele lugar pequeno era cheio de magia. A praia era extensa, plana e parecia estar guardada por dois gigantes. A Norte havia um rochedo imponente, castanho, altivo a que chamavam castelo. À filha mais velha da família aquele rochedo parecia-lhe a esfinge dos livros de História, era enorme. A Sul erguia-se um morro orgulhoso, com cor de barro vermelho com laivos suaves de um tom esbranquiçado, da mesma altura do castelo. A meio da praia corria o ribeiro que se espraiava e fazia as delícias da criançada, em especial nos dias de mar bravo.

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Nas manhãs, todo o vale ficava coberto por um espesso manto de neblina que deixava tudo refrescado, como que borrifado com zeloso cuidado. Pelo vale acima subia o fumo da única padaria do lugar, que enchia todo o vale com o cheiro doce do pão cozido e da lenha de pinho queimada. As meninas desciam pelo carreiro do vale até à padaria para comprar o pão da manhã e depois regressavam à casa por cima de uma das várias azenhas que havia bem ao fundo do vale mais perto da nascente.

Os dias de praia corriam doces, alguns eram passados dentro da barraca de lona que alugavam ao banheiro a que todos chamavam Boguinhas. Esses eram os dias de neblina, que mesmo assim eram divertidos com infindáveis jogos de cartas, jogos com pedrinhas ou conchinhas, o jogo dos três cantinhos desenhado na areia, nesses dias o tempo parecia gigante, quase sem fim.

Um dia os pais avisaram as meninas que ia haver uma romaria muito importante à capelinha de Nossa Senhora da Vitória. As meninas não sabiam o que era uma romaria e os pais explicaram que era uma festa e que neste caso era muito diferente das que já tinham visto. No dia 15 de Agosto vinha um longo cortejo de Pataias com muitas pessoas, transportadas em carroças de burros que vinham todas enfeitadas com flores e ramagens e mesmo os burros vinham com as cabeças enfeitadas com flores do campo.

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As meninas ficaram cheias de curiosidade, não imaginavam uma procissão com burros e ainda mais enfeitados. Elas costumavam ver às vezes as mulheres que vinham em carroças de burro cheias de roupa para a lavarem no ribeiro, e secar nas margens, desaparecendo ao final do dia, de regresso a Pataias, de acordo com o que lhes tinham dito.

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Agora ficaram a imaginar como seria tudo aquilo enfeitado. O pai das meninas levou-as até ao paredão para conhecerem o Zé Ilhóca, um ancião que sabia incontáveis histórias sobre aquela terra. Ele começou por dizer que aquele lugar que era agora tão pequeno, já tinha sido um importante porto de mar, o maior daquelas costas. Era de tal forma importante que D. Dinis tinha concedido Carta de Foral no ano de 1282. As pequenas nem conseguiam desviar o olhar do rosto bronzeado, cheio de rugas fundas sempre com a boina pousada na cabeça um pouco descaída para trás. Com o passar dos séculos, o mar tinha mudado tudo o que ali havia, a invasão da areia fora aos poucos matando o porto. Das 17 caravelas e do forte para defesa do porto nada restava, e até a paróquia de Paredes tinha sido mudada para Pataias, corria o ano de 1536. Desde essa data as gentes de Pataias passaram a fazer a romagem a Nossa Senhora da Vitória, padroeira de Paredes.

Quando chegou o dia, bem cedo estavam junto à ermida de Nossa Senhora da Vitória e começaram a ver lá ao longe na estrada, rasgada no meio do imenso pinhal do rei, as primeiras carroças enfeitadas. Numa delas vinha o Anjo a cantar as loas, havia também um Juiz e uma Juíza e todos estavam vestidos de modo especial, festivo e respeitoso, alegre, mas devoto.

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Ao chegarem à ermida os romeiros celebraram em animada refeição, havia música e dança. As carroças, os burros e as gentes todos descansavam e refaziam-se da longa caminhada. No final da tarde celebraram a missa, fizeram a procissão com a Senhora da Vitória e regressaram então a Pataias.

As meninas desceram do morro da ermida e continuaram a falar sem parar de tudo o que tinham visto. Sentiam-se contentes, cansadas, mas cheias de imagens coloridas e sons alegres que estavam já a formar uma memória que elas não sabiam, mas que iria durar para sempre.

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A festa dos burros continua a realizar-se no dia 15 de Agosto mantendo a tradição secular.

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