Abetarda, a ave que tarda
Era uma vez um menino que vivia numa grande cidade e gostava muito de observar os animais. Na cidade havia poucos animais e os pássaros e as aves eram os que ele mais gostava de ficar a ver porque estavam em liberdade. Um dia estava ele na janela do seu quarto a ver uma gaivota pousada no parapeito quando a mãe lhe perguntou se ele sabia qual era a ave mais pesada da Europa. O menino ficou a pensar e disse que devia ser o peru, mas perguntou logo à mãe se o peru voava. A mãe disse que os perus voavam, em especial os selvagens porque os perus domésticos tinham muita dificuldade em voar por estarem habituados a estar presos nas capoeiras. A mãe disse que ele quase acertara mas na verdade a ave mais pesada da Europa era a abetarda. O menino perguntou abe… quê? A mãe disse “A ave que tarda! A abetarda.” O nome da ave é abetarda porque há muito, muito tempo as pessoas que a viam estranhavam por ela demorar a levantar voo, primeiro começava a andar, depois corria para tomar balanço e só no fim conseguia levantar voo. O menino ouviu interessado e disse: “Então é como os aviões que começam a andar devagar, depois mais depressa e só depois é que começam a voar.” A mãe concordou e explicou que a abetarda é grande como um peru mas tem umas pernas bem mais altas e consegue voar bem alto. O menino disse que gostava de ver as abetardas porque pareciam aves curiosas e ele nunca tinha ouvido falar delas. A mãe ficou a pensar um pouco e disse com um ar muito misterioso, só se formos ao Campo Branco, é o sítio onde há mais abetardas perto de nós. E o menino perguntou como era o campo branco, tinha o chão branco, as árvores brancas, as ervas, tudo? A mãe sorriu e disse que era uma zona muito grande de planície com muito poucas árvores, onde cultivavam trigo ou havia pastagens bem no centro do Alentejo.
Um dia os pais do menino disseram que iam fazer um passeio de que todos iam gostar muito. Saíram bem cedo de manhã enquanto a cidade dormia e rumaram a Sul, às enormes planícies ondulantes do Alentejo. O menino foi fazendo perguntas sobre tudo o que via e ia sempre perguntando para onde iam, o que iam fazer, quando chegavam… E os pais iam dizendo que era surpresa, mas que podia já ficar a saber que iam até Castro Verde. O menino perguntou se era também tudo verde nesse sítio, o que era um castro, o que se fazia lá, e claro a pergunta de sempre “Estamos quase a chegar?” O pai disse que já faltava pouco, mas ainda dava tempo para ficar a saber que castro era uma palavra muito antiga do tempo dos romanos para dizer povoado, ou como diríamos hoje cidade e que deviam ter-lhe chamado verde porque na primavera os campos em volta eram prados e campos de cereais verdejantes.
Os pais tinham levado uns binóculos novos e o menino estava curioso para ver como se usavam e o que iam ver com eles. Quando chegaram à Herdade do Vale do Gonçalinho o menino ficou todo animado e desejoso de explorar tudo à sua volta, foi então que a mãe disse que tinham vindo ver as abetardas. Começaram o passeio pela herdade até chegarem a um ponto mais alto junto à única árvore que se avistava pararam e instalaram-se em silêncio total e armados com os binóculos.
As abetardas estavam a uma distância enorme mas conseguiram ver os seus grandes bigodes brancos, a cabeça e o pescoço acinzentados e as costas pardacentas com riscas pretas. Mas o que foi fantástico mesmo foi quando um grupo de abetardas começou a fazer uma roda e todos empinaram os rabos bem para cima e só se viam penas brancas do interior das asas e da parte de baixo das asas, nem pareciam aves, pareciam uma espécie de rosas brancas gigantes e dançavam. Os pescoços das abetardas estavam enfunados pareciam um grande balão, enfim nunca tinham visto nada assim.
Quando estavam todos satisfeitos a ver as aves ouviu-se o som das ovelhas de um rebanho com os seus chocalhos e logo a dança parou e as abetardas começaram a andar devagar, mais depressa, a correr e depois a voar. Viram muitas coisas mais mas nada se comparou ao momento de observação das abetardas, o menino ficou fascinado com a rainha das planícies.
Quando regressavam a casa o menino adormeceu e… estava deitado nas costas de uma abetarda e cruzava os céus, via os campos lá do alto com um sobreiro aqui e outro acolá, via outras aves que o cumprimentavam, os sisões, os peneireiros… De repente apanham um grande susto, a abetarda quase choca contra um poste da eletricidade, ficaram aterrados. A abetarda teve de pousar e também foi emocionante a aterragem.
O carro parou e o menino acordou. Ora afinal não tinha voado, mas tinha sonhado… e depois daquele dia a abetarda tinha ganho um lugar no seu coração.
Vê a abetarda em ação: