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Contos por contar

Contos por contar

04
Jul21

A menina dos brincos-de-princesa

Cristina Aveiro

 

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Era uma vez uma menina pequenina que adorava brincar às princesas e de se vestir com roupas brilhantes e coloridas e passear pelo seu reino com as amigas num mundo de brincadeiras sem fim. No seu reino não havia tempo e todos podiam fazer o que queriam enquanto quisessem, sem ter de ir para aqui e para ali, fazer isto e mais aquilo.

O reino da menina era o reino de brincar, de fazer o que se gosta até cansar e só então ir fazer outra coisa. Era um reino tranquilo, com gargalhadas, enganos e trapalhadas, onde se podia mais tarde tudo esclarecer e voltar a resolver porque nunca havia pressa. A princesa e as amigas enganavam-se muitas vezes a fazer as coisas que queriam, mas depois voltavam com calma a tentar, e tentar até conseguir alcançar o que tinham desejado e sonhado.

Um dia as meninas princesas do reino disseram aos reis que queriam muito ir passar tempo no campo, deixar o seu palácio e ir para o campo, para o jardim, para a floresta explorar, ver, cheirar e sentir o mundo mais verdadeiro e vivo do que o que se vivia no palácio.

Os reis pensaram e conversaram e finalmente lá decidiram que no sábado à tarde as princesas iam poder visitar os domínios da rainha-mãe, que era afinal a avó da princesa.

Oh, como ficaram felizes as princesas! Que mil planos fizeram! Como iam correr pelos campos de papoilas, perder-se no jardim das camélias, procurar os pássaros azuis que voavam sobre o rio bordejado de canas e velhas árvores preguiçosas. Um dos sonhos das princesas era encontrar um ninho e ver os ovos ou os passarinhos pequenos. A princesa conhecia um rapaz que vivia numa aldeia junto aos domínios da rainha-mãe que sabia tudo sobre pássaros, coelhos, ervas e segredos da floresta. Se ele estivesse por lá no sábado à tarde tinha a certeza de que iam ver coisas novas que nunca tinham visto e era isso que as princesas mais queriam.

E finalmente chegou o sábado à tarde e lá foram as princesas, a rainha-mãe estava radiante com a visita, tinha preparado um banquete com bolos, morangos, cerejas, bolachas de mel e todas as delícias que se podiam encontrar nos seus domínios. Foi um não acabar de conversas e gargalhadas até que as princesas pediram permissão para irem até ao seu reino de brincar. A rainha-mãe concedeu que se ausentassem e sugeriu que fossem até ao jardim e procurassem os brincos-de-princesa para ver quais os que ficavam melhor a cada uma. Disse ainda que as cerejas também davam belos brincos de princesa, e que podiam também experimentar.

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As princesas foram até ao jardim e estavam contentes porque adoravam enfeitar-se com brincos, colares e mesmo coroas. No jardim começaram a procurar os brincos, mas não encontraram nada. Havia flores, arbustos, árvores, mas não encontraram brincos. Começaram então a fazer coroas com flores para enfeitarem as suas cabeças reais e adoraram o cheirinho doce que as coroas libertavam. Depois treparam à cerejeira e apanharam cerejas enormes e bem vermelhas que deixavam a boca toda pintada. Começaram então a experimentar usar as cerejas aos pares penduradas nas orelhas como brincos e sentiram-se mais belas do que com quaisquer outros brincos que já tinham usado. Estavam a divertir-se imenso, mas ainda não tinham encontrado os brincos de que a rainha-mãe falara.

Estavam as princesas a procurar os brincos quando chegou o rapaz da aldeia ao jardim. A rainha-mãe tinha-o convidado para vir para o reino de brincar. O rapaz riu-se e disse que o difícil era escolher quais os brincos que ficavam melhor a cada princesa, encontrá-los era a coisa mais fácil do mundo, afinal elas estavam rodeadas por eles. A princesas nem estavam a acreditar, como podiam estar rodeadas de brincos e nem os ver?!

O rapaz disse, com a sabedoria de quem vive na natureza, que podemos olhar e não ver, para ver é preciso saber e conhecer. As princesas estavam cada vez mais intrigadas e ele começou a mostrar-lhes os brincos-de-princesa brancos, os rosa-claro, rosa-escuro, lilás, violeta, grandes, pequenos, singelos, dobrados, enfim uma variedade enorme que havia no jardim da rainha-mãe.

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As princesas começaram a experimentar nas suas orelhinhas pequenas e estavam encantadas, não era fácil escolher os que mais gostavam. Depois de encontrarem os brincos certos para cada uma, colocaram as suas coroas de flores e foram mostrar à rainha-mãe as suas joias belas e preciosas. O rapaz estava divertido com toda aquele entusiasmo das princesas pelos brincos e coroas, enfim, coisas de meninas! Ele estava era cheio de vontade de ir ver como estava o ninho que tinha encontrado na pereira junto ao riacho e tinha esperança que elas também quisessem ir ver.

Quando o rapaz disse que queria ir atá ao riacho ver um ninho, as princesas disseram logo que queriam ir, deixaram para trás as suas joias e lá foram todos juntos a correr pelos campos fora.

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Assim que se aproximaram da pereira, ele disse que não podiam fazer barulho, que tinham que esperar e ver se os pais do ninho não estavam lá. Se estivessem podiam ficar assustados e abandonar o ninho e isso não podia acontecer. As princesas e o rapaz ficaram escondidos atrás de umas ervas altas a observar o sítio que ele lhes mostrava ao longe, onde estava o ninho. Primeiro elas olhavam, mas não viam nada, depois com as explicações dele e com mais atenção lá viram o ninho castanho, bem redondinho encaixado numa bifurcação de ramos. Esperaram bastante até terem a certeza de que não estavam lá os pais e foram até lá ver. As princesas ficaram espantadas com a perfeição da cama redonda, acolchoada com palhinhas finas e delicadas e com os lindos ovos pequeninos azuis sarapintados. O rapaz disse que eram ovos de melro e que tinham de ir embora porque os pais podiam regressar ao ninho.

Ficaram ainda a ver ao longe, escondidos, até que o melro voltou para o ninho e se aninhou lá tão bem que quase não se via.

O sol estava a começar a esconder-se e tiveram de regressar a casa da rainha-mãe. Os reis chegaram para levar as meninas de volta ao palácio na cidade. Na viagem de regresso as meninas, todas engalanadas com as suas coroas de flores e com os seus brincos-de-princesa foram dizendo aos reis que quando crescessem não queriam viver no palácio, queriam ir viver para o campo porque lá o reino sem tempo era mais real e mais perfeito e tudo era mais verdadeiro e livre.

Os reis trocaram olhares e sorriram, eles compreendiam bem o que a sua bela princesa dizia. No futuro tinham que voltar todos e passar mais tempo no campo onde todos viviam mais genuinamente.

 

 

Hoje muitas crianças não têm tempo para gastar a brincar como bem lhes apetecer, sem atividades e mil tarefas, falta-lhes tempo de exploração livre do mundo, em especial da natureza. Este reino sem tempo, ou reino de brincar é um reino onde as temos de deixar ir mais vezes, sujarem-se, molharem-se, cheirarem as ervas, magoarem-se às vezes, ... Isso é que é ser criança de verdade!

16
Mai21

O Alberto tem dor de barriga!

Desafio dos Pássaros 3.0 - Tema 1

Cristina Aveiro

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Foto: Artur Pastor

 

Alberto era um rapaz do campo, levava uma vida simples entre as tarefas que os pais lhe destinavam e a escola que não o interessava quase nada. O que fascinava o rapaz era descobrir os ninhos, conhecer os pássaros, as árvores, ir pescar enguias na ribeira com um açude de pedras e um garfo como o pai lhe tinha ensinado, ensinar os rafeiros para a caça, ir caçar com o pai,...

Gostava de aproveitar para ir correr todos os caminhos da aldeia e redondezas. Sempre que o mandavam para mais longe fazer recados, ir buscar feixes de vides, erva ou mato para as camas dos animais ia sempre dar umas voltas por onde não lhe tinham mandado. Tinha que ir fazer as suas investigações, descobrir onde havia tocas de coelhos, estudar as pegadas do chão, as caganitas que os animais iam deixando na terra dos bosques e pinhais. Muitas eram as vezes em que os seus passeios eram descobertos pelos pais, ou porque não tinha ido buscar o número de feixes determinado, ou porque alguém o tinha visto onde não era suposto estar, ou até porque tinha ido apanhar maçãs ou pêssegos a campos de outros donos.

Ele sabia que estava a pisar o risco, mas para ele valia bem a pena arriscar e ir ver o seu mundo do que andar só a fazer as tarefas aborrecidas que lhe mandavam.

Claro está que para fazer as tarefas da escola também lhe era difícil ter vontade e muitas vezes só na manhã seguinte quando o acordavam para se lavar, comer e ir a pé para a escola é que ele se ficava a ralar por não ter feito os trabalhos. Nas primeiras vezes pensou que o professor talvez não reparasse que ele não tinha feito os trabalhos. Rapidamente percebeu que isso não acontecia, e nesse tempo acreditava-se que com umas reguadas nas mãos, as crianças mudavam o seu comportamento. O professor deu muitas vezes reguadas nas mãos do Alberto por ele não fazer os trabalhos, mas ele mesmo assim nem sempre os fazia.

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Numa dessas manhãs, cheio de medo das reguadas que o esperavam na escola, decidiu que não ia à escola e disse à mãe que lhe doía muito a barriga e começou a gemer. A mãe ficou preocupada porque era frequente as crianças apanharem febres e doenças na barriga e disse ao pequeno que já lhe ia esfregar a barriga com um pouco de azeite para ver se ele melhorava. Deu-lhe apenas um bocadinho pequeno de miolo de broa porque disse que se lhe doía a barriga era melhor não comer muito. O Alberto lá teve de se aguentar com a fome porque aquele bocadito de broa era muito pouco, mas teve que manter as aparências.

Depois de a mãe lhe massajar a barriga, disse-lhe para ficar mais um bocado na cama enquanto ela ia para o campo. Ele esperou que a mãe saísse com o posseiro e a enxada e pouco depois abalou para o mato da charneca onde os amigos lhe tinham dito que havia um ninho de perdiz. Esquecido das horas, já o sol ia alto quando voltou em grande corrida para casa e se enfiou na cama a escorrer suor e vermelho como um tomate.

A mãe mal chegou a casa foi logo ter com o seu rapaz ao leito e ficou preocupadíssima por o encontrar tão suado e quente. Ficou a achar que era febre intestinal, tinha sido assim com o rapaz da Jacinta e ele quase tinha morrido. Saiu do quarto e sentou-se junto ao lume a chorar e a pensar no que devia fazer. Decidiu ir até casa da Jacinta e perguntar o que tinha feito para tratar o filho. O Alberto ficou um bocado ralado com a mãe quando a viu tão preocupada, mas não tinha coragem para lhe dizer a verdade e continuou enfiado na cama.

Quando a mãe chegou a casa da Jacinta e lhe disse ao que ia a mulher ficou muito admirada. Disse logo que tinha acabado de ver o Alberto a correr cheio de genica na subida para casa?! A mãe percebeu logo que era mais uma das trafulhices do pequeno, agradeceu e voltou para casa a voar.

Voltou ao quarto e começou a perguntar ao pequeno como se sentia, se não seria melhor ir ao médico, onde era a dor e mais e mais a ver se ele confessava. A dada altura ela já estava vermelha de fúria e o pequeno percebeu que não ia correr bem. Houve um passarinho que te viu a subir para casa a correr à bocadinho, disse-lhe a mãe. Levanta-te imediatamente! Vamos comer e vais passar a tarde a trabalhar ao meu lado e tens que me contar muito bem porque é que não quiseste ir à escola. Se demorares muito, pomos pés ao caminho e vou até à escola perguntar ao professor o que se passa.

O rapaz lá foi dizendo que não tinha feito os trabalhos e que ia levar reguadas. Explicou que lhe parecera melhor dizer que estava doente. A mãe disse que daquela vez passava, mas ia fazer todos os trabalhos da escola quando voltassem do campo e que ficava de castigo sem poder ir a lado nenhum sem ser acompanhado enquanto não se emendasse.

O rapaz ficou aliviado, mas triste por não poder andar pela aldeia à vontade com o resto da rapaziada, jogar ao pião, caçar com a fisga, …

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Foto: João Martins

Durante uns tempos o Alberto conseguiu cumprir as suas obrigações sem tropelias, mas ele já começava a sentir que talvez não conseguisse ser sempre assim. Quem ia saber? Talvez conseguisse.

 

 

Texto no âmbito do Tema 1 do Desafio dos Pássaros - 3.0 que nos dava como mote "Foi o que ouvi", de modo implícito, mas sem mencionar directamente. 

Este texto procura retratar aqueles rapazes do campo com "a fisga no bolso de trás" e as muitas histórias de tropelias que escutei quando criança sobre um familiar muito próximo.

 

01
Abr21

Mãe são para ti!

#11 - Vermelho - Desafio da Caixa dos Lápis de Cor

Cristina Aveiro

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Mary Stevenson Cassatt "Poppies in a field"

Era uma vez uma menina pequenina de rosto redondo, faces rosadas, pele clara e quase sempre com um sorriso doce nos lábios que se chamava Leonor. Tinha longos cabelos castanho muito claro, quase louro que terminavam em caracóis largos e que a faziam sentir-se uma princesa. Era muito doce a menina, gostava muito de brincar e gostava muito de cuidar do pequeno jardim que era só dela no meio do quintal da avó. No jardim da Leonor havia roseiras pequenas que davam rosas também pequeninas de várias cores, cor-de-rosa claro, escuro, branco, amarelas e cor de laranja, parecia um jardim de brincar por ser tudo em ponto pequeno. A Leonor adorava as suas rosas e embora tivesse muita vontade de oferecer flores à mãe e à avó não tinha coragem de apanhar as suas rosas porque eram pequeninas, eram poucas e se as apanhasse o seu jardim deixava de estar florido e bonito.

A menina sabia regar, tirar as ervas, cobrir a terra com carrascas de pinheiro para manter a humidade, era uma verdadeira jardineira. Gostava muito do seu pequeno regador com crivo que fazia uma chuva fininha sobre as roseiras. Adorava o seu carrinho de mão de metal verde que usava para ajudar a avó quando apanhavam laranjas ou nozes, quando arrancavam ervas que tinham de ser levadas para o canto do quintal e para tudo o que fosse preciso transportar. A menina sentia-se crescida ao fazer as tarefas no jardim.

O jardim da avó era muito grande e tinha sempre muitas, muitas flores e a Leonor gostava de  as colher para fazer os seus raminhos e oferecer. Apanhar flores para oferecer à mãe e à avó era irresistível para a Leonor, ela adorava flores e adorava a mãe e a avó. Foram muitas as vezes que a avó agradeceu, mas a seguir lhe disse com doçura que esta ou aquela flor ainda não estavam prontas para apanhar, ou que tinha apanhado com o pé muito curto e que não se conseguia pôr em água na jarra. A avó ficava enternecida com o gesto da menina, mas ficava um pouco triste porque tal como a Leonor gostava de ver as flores brilhar no seu jardim.

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Quando iam passear pelo campo ou pelo pinhal para respirar o ar puro, caminhar, correr, sentir a liberdade e a carícia do sol morno, a menina não conseguia parar de apanhar flores. Gostava dos malmequeres do campo, dos pampilhos, dos lírios do vale, dos lírios do campo, da flor-arlequim e tantas outras flores que nem a mãe sabia o nome. Depois de colher, arranjava-as num raminho, com uns rabos-de-gato pelo meio e mais umas verduras a compor e chegava perto da mãe, estendia o braço e dizia:

- Mãe, são para ti!

A mãe abraçava-a e agradecia e ia dizendo que as flores eram felizes no campo e que iam durar pouco tempo em casa numa jarra. Ainda assim, a menina ficava contente por ver o seu raminho na jarra pequena da janela da cozinha durante um ou dois dias, sentia que o cheiro e a beleza do campo estavam ali na sua casa.

Num desses passeios, no início da primavera a menina encontrou uma zona do campo cheia de papoilas vermelhas e achou-as maravilhosas, pareciam ter saído de um desenho, não resistiu e apanhou tantas quantas lhe cabiam nas suas mãos pequeninas e correu para as dar à mãe. Quando chegou perto da mãe e estendeu as papoilas disse com rapidez, sei que não é muito boa ideia apanhar as flores, mas eu acho-as tão bonitas que quero muito vê-las na tua jarra na nossa cozinha. A menina notou que a mãe quando recebeu as flores e lhe deu um miminho não disse nada sobre ter colhido as flores, mas pensou que era por ela ter dito que já sabia o que a mãe pensava.

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Quando começaram a regressar da caminhada a menina viu que as belas papoilas tinham começado a murchar e quando chegaram a casa estavam todas mirradas e parecia que tinham passado muitos dias depois de serem colhidas. A mãe colocou-as cuidadosamente na jarra e a menina ficou a ver o que acontecia muito esperançada que as flores voltassem a “arrebitar”. As papoilas continuaram murchas e a menina ficou triste e disse à mãe que as papoilas só podiam estar no campo, que não eram para ter em casa.

A mãe disse à Leonor que no próximo ano iam semear papoilas no jardim da menina e que então, ela as podia ter perto de casa e ver sempre enquanto estavam em flor.

A Leonor ficou radiante e pensou que a sua mãe sabia sempre tudo!

 

Texto no âmbito do #11 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Vermelho

Neste desafio, que eu saiba, participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ,  a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, João-Afonso Machado, A Marquesa da Marvila e a bii yue.

Todas as quartas-feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós :)

 

 

 

05
Ago20

O Cisne dos Pés Pretos

Cristina Aveiro

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Era uma vez um cisne branco lindíssimo, com penas tão brancas e suaves que pareciam ser feitas de luz. Era alto, elegante, com um longo pescoço ondulante, flexível e gracioso. Quando nadava os seus movimentos pareciam fazer parte de uma dança clássica, mas quando caminhava sobre a relva tinha passadas lentas e firmes mas bamboleava-se para um lado e para o outro. A culpa era das suas enormes patas triangulares com as membranas entre os dedos. O contraste entre as penas e as pernas e os pés não podia ser maior porque as pernas e os pés eram admiravelmente pretos e destacavam-se muito da brancura das suas penas.

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A beleza do cisne enquadrava-se na perfeição no sítio onde vivia, um sítio encantado, mesmo mágico. O cisne dos pés pretos e a sua companheira viviam num campo enorme cheio de relva sempre verdinha e cuidada o ano inteiro. No campo havia enormes árvores centenárias com troncos muito grossos e contorcidos, havia alfarrobeiras, oliveiras, figueiras, nespereiras, … enfim uma enorme variedade das árvores do Sul. O campo tinha também inúmeras flores de todas as cores e era povoado por cheiros mornos e doces do rosmaninho, do alecrim, das folhas de figueira e também de relva fresca, muitas vezes acabada de cortar.

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O campo tinha também vários pequenos lagos que o cisne partilhava com várias famílias de patos pardos que eram bons companheiros. O andar desengonçado e desajeitado, as penas e o bico pardos tornavam ainda mais visível o porte real e majestático do cisne dos pés pretos.

O campo do cisne dos pés pretos de tão perfeito parece que é irreal, mas … existe. É na Quinta de Benamor, uma quinta centenária onde nasceu um campo de … golfe.

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O cisne dos pés pretos observa os jogadores de roupas multicolores sem perturbar a sua vida, fica a olhar para os estranhos ovos brancos redondos que os jogadores seguem pelo campo fora, dando-lhes pancadas com toda a força que eles até voam no ar. O cisne dos pés pretos não compreende o que eles fazem mas não se incomoda com os jogadores. Os jogadores são silenciosos, tal como os carrinhos em que andam e estão sempre mais interessados nos seus estranhos ovos do que na vida do cisne. O único barulho que os jogadores fazem é quando batem com toda a força nos ovos e eles voam até junto das bandeiras brancas.

Havia, contudo, uma jogadora que olhava para o cisne dos pés pretos com atenção e carinho. Dia após dia vinha ao campo, ia-se aproximando do cisne e ele não se afastava. Um dia ela trouxe umas sementes na mão estendida e ficou ali à espera a ver o que acontecia. O cisne dos pés pretos foi andando muito devagarinho, passo após passo até chegar perto da senhora mas sempre um pouco receoso. Mantendo a máxima distância, esticou o seu longo pescoço o mais que pode e comeu. Era delicioso, a erva que comia no campo era boa mas aquelas sementes eram irresistíveis.

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Assim começou um novo ritual dos dias do cisne dos pés pretos, a senhora chegava com as suas sementes e o cisne ia ter com ela para as comer todo feliz. Passou o Outono, o Inverno e o cisne dos pés pretos já nem passava sem aquele momento especial do dia. Um dia a meio da Primavera a senhora não apareceu. No dia seguinte também, e passou a ser sempre assim.

Alguém disse que a senhora tinha voltado para a Suécia para passar lá o Verão, mas claro que isso o cisne dos pés pretos não podia saber nem entender.

Os dias continuaram a passar felizes para o cisne, passeando no campo junto aos jogadores, nadando nos lagos e bailando com a sua companheira. O tempo começou a arrefecer e num dia igual ao anterior o cisne dos pés pretos viu chegar junto ao arco das heras… a senhora das sementes. O cisne dos pés pretos foi a correr até à senhora, os jogadores no campo voltaram-se admirados com a rapidez do cisne e não percebiam o que se estava a passar.

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Quando o cisne chegou junto à senhora e ela lhe voltou a estender a mão com sementes ele comeu com alegria.

O cisne dos pés pretos ficou muito feliz com o regresso da senhora e ficou a pensar:

- Será que ela volta amanhã ?

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26
Jun20

A Cegonha Baralhada

Cristina Aveiro

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Há muito, muito tempo, antes dos nossos avós terem nascido viveu um menino chamado Francisco numa quinta com muitos animais. Era um rapaz curioso que fazia muitas perguntas sobre tudo o que estava à sua volta. Na quinta havia muitas enxadas, podões, foices, gadanhas, ancinhos e um sem fim de instrumentos para cuidar da terra e das culturas. Também havia algumas maquinetas para atrelar às vacas e arar a terra, outra para debulhar o milho, uma prensa com uma pedra gigante a fazer peso no lagar para espremer as uvas da vindima. Enfim havia mil e uma coisas para descobrir todos os dias. Na quinta nunca havia dois dias iguais, em cada altura do ano havia tarefas diferentes como semear na primavera, colher os frutos no final da primavera ou no verão, vindimar no fim do verão, apanhar a azeitona, a castanha e as nozes no outono, … e nunca parava.

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O Francisco já sabia ler, escrever e fazer contas, tinha aprendido na escola. Ele gostava de ler sempre que encontrava algum jornal e os livros que havia lá em casa. Mas o Francisco já tinha lido todos os livros que havia em casa para a sua idade, e ele achava que eram muito poucos. Muitos dos seus amigos não tinham nenhum livro em casa senão os livros da escola, e muitos dos pais dos seus amigos nem sabiam ler como os pais do Francisco. A mãe do Francisco cuidava dos animais da quinta e organizava os produtos para vender no mercado na cidade todas as semanas. Francisco gostava muito de a ajudar nessas tarefas e estava sempre pronto para ir buscar os ovos com um cesto em verga, ir com um balde em madeira dar água e milho e trigo às galinhas, aos patos, aos perús, … Também gostava muito de ajudar a mãe a fazer os queijos com o leite das cabras e das ovelhas, era muito bom passar aquele tempo com a mãe enquanto espremiam a massa do queijo para dentro das forminhas pequenas de alumínio a que chamavam francelas. Francisco aproveitava estes momentos tranquilos com a mãe para lhe perguntar coisas que lhe tinham estado a bulir na cabeça como ele gostava de dizer.

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Num desses dias o Francisco decidiu perguntar de onde vinham os bébés porque o seu amigo Manuel tinha-lhe dito que ia chegar um bébé a casa dele para ele ter um irmão ou uma irmã. A mãe do Francisco deu-lhe a resposta que todos os pais nesses tempos davam aos seus filhos.

A mãe disse:

- O bébé vem de Paris num cesto pendurado no bico de uma cegonha!

O Francisco perguntou:

- Onde é Paris?

A mãe respondeu-lhe:

- Paris é a capital de França. É uma cidade muito, muito grande e muito longe daqui.

O Francisco ficou pensativo e parou de fazer perguntas por um bocado, o que a mãe estranhou.

Desde essa altura que o Francisco passou a olhar com muita atenção sempre que via uma cegonha e começou a tentar ver como viviam e construíam os seus ninhos. Felizmente havia um ninho de cegonhas no topo de uma chaminé de uma casa velha que já não era habitada junto ao regato da aldeia.

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O Francisco viu que durante o inverno o ninho estava vazio, mas quando estava mesmo a começar a primavera chegou uma cegonha, e algum tempo depois outra. Passavam o tempo todo a arranjar o ninho, iam buscar novos paus, colocavam ervas e palhas fofinhas no meio, arranjavam tudo muito bem com os seus longos bicos avermelhados. O Francisco também viu que elas, ao contrário das outras aves não cantavam. Mas não era por isso que não se faziam ouvir! Passavam muito tempo a mandar a cabeça para trás deixando cair o seu longo pescoço sobre as costas e ao mesmo tempo batiam com os seus bicos sem parar fazendo um barulho que parecia castanholas, bem ritmado e elas pareciam estar muito contentes.

O Francisco viu que tal como ele pensava não traziam no bico nada mais do que paus ou ervas e palhas, não acreditava que pudessem trazer cestos ou bébés. Mas então porque teria a sua mãe dito que elas traziam? Ele decidiu continuar a ver o que faziam as cegonhas porque podia haver alguma coisa que ele não tivesse visto bem.

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O tempo foi passando e o Francisco sempre que podia ia para o cimo de uma colina perto da casa com o ninho e ficava a olhar para as cegonhas. A dada altura uma delas deixou de andar por ali e ficava todo o tempo no ninho, era a outra que lhe trazia a comida. Passado algum tempo, lá estavam três cegonhas pequeninas no ninho. Eram tão engraçadas, muito desajeitadas com a sua penugem cinzenta e desde logo também batiam os seus pequenos bicos escuros e mandavam os pescoços e a cabeça para trás sobre as suas costas.

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A mãe notou que o Francisco pedia muitas vezes para ir dar um passeio até ao riacho e que se demorava no passeio. Quando a mãe lhe perguntou o que é que ele ia fazer nesses passeios e com quem ia, ele disse-lhe que andava a observar um casal de cegonhas que estavam no ninho da chaminé da casa velha. A mãe que conseguia adivinhar os seus pensamentos ficou a pensar que este interesse por aquelas aves devia vir da conversa que tinham tido sobre o bébé do seu amigo Manuel.

A mãe começou por perguntar ao Francisco como eram as cegonhas, o que faziam enquanto ele as tinha estado a ver, o que transportavam no bico, … E o menino falou da elegância das cegonhas, de como eram grandes, especialmente enquanto voavam com as asas bem abertas e o pescoço bem esticado e as patas, do cuidado com que preparam o ninho e das pequenas cegonhas que entretanto tinham nascido. O Francisco não teve coragem de dizer à mãe que não acreditava que a cegonha pudesse carregar com um bébé, mas os seus olhinhos diziam à mãe o que o estava a intrigar.

A mãe perguntou ao Francisco como tinham aparecido as cegonhas pequenas e ele disse que não tinha conseguido ver os ovos, mas que como elas eram aves, deviam ter posto ovos, até porque uma das cegonhas tinha estado muito tempo sempre no ninho tal como as galinhas quando ficavam a chocar os ovos antes de nascerem os pintainhos. E claro, os outros pássaros todos que o Francisco conhecia: os pombos, os melros, os pintassilgos, … faziam os ninhos e punham os ovos antes de nascerem os passarinhos, por isso com as cegonhas devia ser o mesmo. A mãe concordou com o Francisco e disse-lhe para ele observar bem a natureza porque ia encontrar muitas respostas.

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O Francisco ficou novamente a pensar no que a mãe lhe tinha dito e se era certo que os bébés das aves nasciam de ovos, também era certo que os de outros animais não. O Francisco sabia que nos outros animais, as mães ficavam com uma barriga muito grande antes de nascerem os seus filhos. Era assim com a gata, com a porca, a ovelha, na vaca não tinha bem a certeza porque a barriga dela era sempre grande, mas ele achava que sim. Depois de nascerem a barriga das mães voltava ao normal… Logo parecia muito claro, os bébés tinham que vir de lá.

O Francisco continuava a não perceber porque é que a mãe lhe tinha falado nas cegonhas, mas quando lhe disse para observar a natureza ela também lhe estava a dar uma pista para descobrir por si.

Continuou a ir ver a família da cegonhas sempre que tinha tempo livre e gostou muito de ver crescer os filhotes, de ver os pais a alimentarem-nos com peixes, rãs, insectos e minhocas. Pareciam que os pequenos nunca deixavam de ter fome. Estavam sempre prontos para comer. Aos poucos as pequenas aves começavam a tentar voar e estavam sempre a bater as asas como se estivessem a treinar.

Um dia ao final da tarde o Manuel chegou a correr a casa do Francisco e disse-lhe:

- Sabes, já chegou o bébé, mas afinal são dois! São dois meninos muito pequeninos, rosados e com o cabelo escuro.

O Francisco ficou muito feliz e abraçou o amigo, quis logo ir ver os irmãos do Manuel, mas não sabia se podia ir. Foi perguntar à mãe e ela disse que sim que podia, mas que ele tinha de pedir licença aos pais do Manuel. Lá foram os dois amigos muito contentes até à casa do Manuel. O Francisco pode ver os bébés e achou-os demasiado pequeninos mas muito bonitos.

Quando voltou para casa foi logo conversar com a mãe sobre os bébés e a alegria de todos na casa do Manuel.  O Francisco aproveitou este momento para fazer mais uma pergunta à mãe, embora ele já tivesse encontrado as suas respostas. Ele queria ver o que é que a cara e corpo da mãe lhe iam dizer quando ele fizesse a pergunta. Pois ele já previa que a mãe continuasse a falar-lhe da cegonha, mas ele também já sabia “ler” o que a cara da mãe dizia.

Então o Francisco disse:

- Mãe, a cegonha que foi à casa do Manuel devia ser muito baralhada, não achas?

A mãe manteve um ar sorridente e tranquilo e respondeu:

- Porque é que dizes isso? Tu viste a cegonha?

O Francisco respondeu:

- Não, não vi mas devia ser baralhada porque deixou dois bébés na casa do Manuel portanto deve haver outra casa onde estão à espera de um bébé e ela não vai ter nenhum para levar para lá!

A mãe continuou a sorrir, ficou em silêncio e abraçou o seu filho com muita ternura.  Sentia-se feliz com o seu menino, era inteligente, observador e mostrava já sentido de humor.

A mãe penso para consigo, pois sim, devia ser mesmo uma cegonha muito baralhada.

 

 

Para veres as cegonhas brancas e os seus filhotes, vê este vídeo!

 

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