Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Contos por contar

Contos por contar

27
Mai23

As meninas e o Tempo

Cristina Aveiro

IMG_1811.JPG

Era uma vez duas meninas pequeninas que adoravam brincar, inventar objetos novos, pintar, desenhar, cantar, correr e saltar e rir sem parar.

Um dia veio o Tempo e com os seus vagares foi fechando as meninas em corpos enormes, obrigou-as a ficarem muito sérias, talvez até importantes, prendeu-as em casas grandes com muitas coisas para fazer.

As meninas já não podiam fazer as coisas que gostavam: brincar, inventar, correr, rir e saltar. As meninas tinham que fazer coisas a que chamavam trabalho e estavam sempre com outras pessoas com corpos enormes, ninguém brincava ou fazia coisas só porque se sentia feliz e queria mostrar isso com todo o seu corpo, correndo, saltando e rindo.

Neste mundo tudo tinha muitas regras, havia momentos para correr, mas sem rir ou fazer “tontices”, momentos para cantar, mas em lugares próprios e da maneira adequada, momentos em que se podia chorar, mas eram muito poucos, momentos para rir, mas devia ser a seguir a dizerem certas coisas, … e por aí fora, sempre com regras e mais regras. Nada do que fosse espontâneo e fora das regras era bem recebido.

Quase parecia um daqueles teatrinhos que as meninas faziam antes, mas com caras vazias, sempre a dizer que estavam cansados, sempre pouco contentes com tudo e com nada.

IMG_1837.JPG

Não é preciso dizer o quanto as meninas se sentiam presas e sem vontade de representar aquele teatrinho da vida das pessoas com os corpos grandes, mas o Tempo não deixava que fosse de outra maneira.

Os únicos momentos em que as meninas voltavam a ser livres era quando ficavam as duas sozinhas, ou então quando estavam só com meninas e meninos. Nestes momentos tudo voltava a ser mágico! Era como se nunca tivesse vindo o Tempo.

As meninas inventavam as suas coisas, faziam novos objetos, falavam sem parar de ideias tontas que as faziam rir lá do fundo. Subiam para as mesas e faziam discursos inventados sobre o que lhes viesse à cabeça, ora eram fadas, ora bruxas encantadoras ou leoas corajosas.

Nesses momentos mágicos, em que voltavam a ser meninas só havia uma coisa que as preocupava. Receavam sempre que chegasse alguma pessoa dos corpos grandes. Já tinha acontecido e tinha sido perturbador. As pessoas dos corpos grandes ficavam a olhar reprovadoramente e com desdém. Era quase como se achassem que as meninas (que continuavam presas nos seus corpos enormes) estivessem doentes, ou fossem de outro planeta. Faziam perguntas desagradáveis:

- O que estão a fazer?

- Para que serve isso?

- Porque é que estão tão contentes?

- Voltaram a ser criancinhas?

As meninas fechavam o rosto e nem explicavam nada porque sabiam que quem fazia estas perguntas nunca iria compreender as respostas.

As meninas ficavam sempre tristes por perceberem que as pessoas dos corpos grandes dizendo que adoravam as crianças, na verdade, consideravam-nas inferiores a elas, menos importantes, como se não tivessem nada para ensinar só por serem pequenas.

IMG_1836.JPG

Quando as meninas estavam só com crianças ficavam também livres do Tempo e todos se divertiam juntos. Havia brincadeira, teatrinhos, cantorias, jogos, riscos e rabiscos, abraços verdadeiros e o mundo ficava perfeito por algum tempo.

O Tempo nunca deixou as meninas voltarem a ser livres. Os seus corpos enormes começaram a encolher aos poucos e já funcionavam mal. As caras das meninas eram já muito enrugadas e os cabelos ralos e branquinhos. Apesar de os seus corpos serem já frágeis continuavam, sempre que conseguiam, a ter os seus momentos mágicos, onde eram meninas que brincavam e faziam coisas “tontas”.

Um dia o Tempo, cansado de as prender, devolveu-lhes a liberdade e as meninas voaram. São agora duas estrelas marotas e rabinas que nunca deixaram de ser meninas.

IMG_1835.JPG

03
Ago22

Os Sapos do Meu Coração!

2 anos de Contos por Contar

Cristina Aveiro

IMG_3243.JPG

Esta família do sapal é algo que nunca esperei ter... Pensava sempre que só podemos sentir carinho, partilha e amizade quando nos conhecemos cara a cara, quando nos abraçamos com os braços e estamos juntos fisicamente. Neste lugar, que considero o Reino Encantado dos Sapos Verdes sinto tranquilidade, carinho e alegria, é por isso que cá venho sempre que posso.

Este tem sido um ano de caminhada muito diferente para mim, e as musas estiveram mais afastadas, mas o sapal continuou a ser o meu lugar.

Há um ano comemorando o primeiro aniversário fiz um balanço que agora reli! Acreditem que não tinha presente a quantidade de aventuras que vivemos juntos nesse ano. 

Neste ano escrevi e li pouco, mas houve dois momentos que mereceram a atenção do governo do Reino.

Destaque - No Reino Encantado dos Sapos Verdes-26-

Contos por Contar - Pag Principal do Sapo-Abril 20

Soube bem receber a atenção quando partilhei o que senti em Coz no lugar de magia da Adega das Monjas, mas mais do que tudo foi receber a vossa atenção e presença, sentir que estavam aí mesmo quando estive mais longe.

Sou muito grata por vos ter!

Sabem que mais, a pintura do Louis Wain fez-me sonhar com um grande encontro dos sapos do reino, numa praia de areia dourada a jogar um jogo qualquer, a conversar, brincar, fazer maluquices, sei lá! Ser criança, ser sapo, ser feliz convosco! Conhecer as vossas caras, os vossos abraços, a voz, as gargalhadas e suspiros, ...

 

 

 

04
Jul21

A menina dos brincos-de-princesa

Cristina Aveiro

 

EDM_GARDENS-850x510.jpg

Era uma vez uma menina pequenina que adorava brincar às princesas e de se vestir com roupas brilhantes e coloridas e passear pelo seu reino com as amigas num mundo de brincadeiras sem fim. No seu reino não havia tempo e todos podiam fazer o que queriam enquanto quisessem, sem ter de ir para aqui e para ali, fazer isto e mais aquilo.

O reino da menina era o reino de brincar, de fazer o que se gosta até cansar e só então ir fazer outra coisa. Era um reino tranquilo, com gargalhadas, enganos e trapalhadas, onde se podia mais tarde tudo esclarecer e voltar a resolver porque nunca havia pressa. A princesa e as amigas enganavam-se muitas vezes a fazer as coisas que queriam, mas depois voltavam com calma a tentar, e tentar até conseguir alcançar o que tinham desejado e sonhado.

Um dia as meninas princesas do reino disseram aos reis que queriam muito ir passar tempo no campo, deixar o seu palácio e ir para o campo, para o jardim, para a floresta explorar, ver, cheirar e sentir o mundo mais verdadeiro e vivo do que o que se vivia no palácio.

Os reis pensaram e conversaram e finalmente lá decidiram que no sábado à tarde as princesas iam poder visitar os domínios da rainha-mãe, que era afinal a avó da princesa.

Oh, como ficaram felizes as princesas! Que mil planos fizeram! Como iam correr pelos campos de papoilas, perder-se no jardim das camélias, procurar os pássaros azuis que voavam sobre o rio bordejado de canas e velhas árvores preguiçosas. Um dos sonhos das princesas era encontrar um ninho e ver os ovos ou os passarinhos pequenos. A princesa conhecia um rapaz que vivia numa aldeia junto aos domínios da rainha-mãe que sabia tudo sobre pássaros, coelhos, ervas e segredos da floresta. Se ele estivesse por lá no sábado à tarde tinha a certeza de que iam ver coisas novas que nunca tinham visto e era isso que as princesas mais queriam.

E finalmente chegou o sábado à tarde e lá foram as princesas, a rainha-mãe estava radiante com a visita, tinha preparado um banquete com bolos, morangos, cerejas, bolachas de mel e todas as delícias que se podiam encontrar nos seus domínios. Foi um não acabar de conversas e gargalhadas até que as princesas pediram permissão para irem até ao seu reino de brincar. A rainha-mãe concedeu que se ausentassem e sugeriu que fossem até ao jardim e procurassem os brincos-de-princesa para ver quais os que ficavam melhor a cada uma. Disse ainda que as cerejas também davam belos brincos de princesa, e que podiam também experimentar.

fucsia-em-vaso-2.jpg

As princesas foram até ao jardim e estavam contentes porque adoravam enfeitar-se com brincos, colares e mesmo coroas. No jardim começaram a procurar os brincos, mas não encontraram nada. Havia flores, arbustos, árvores, mas não encontraram brincos. Começaram então a fazer coroas com flores para enfeitarem as suas cabeças reais e adoraram o cheirinho doce que as coroas libertavam. Depois treparam à cerejeira e apanharam cerejas enormes e bem vermelhas que deixavam a boca toda pintada. Começaram então a experimentar usar as cerejas aos pares penduradas nas orelhas como brincos e sentiram-se mais belas do que com quaisquer outros brincos que já tinham usado. Estavam a divertir-se imenso, mas ainda não tinham encontrado os brincos de que a rainha-mãe falara.

Estavam as princesas a procurar os brincos quando chegou o rapaz da aldeia ao jardim. A rainha-mãe tinha-o convidado para vir para o reino de brincar. O rapaz riu-se e disse que o difícil era escolher quais os brincos que ficavam melhor a cada princesa, encontrá-los era a coisa mais fácil do mundo, afinal elas estavam rodeadas por eles. A princesas nem estavam a acreditar, como podiam estar rodeadas de brincos e nem os ver?!

O rapaz disse, com a sabedoria de quem vive na natureza, que podemos olhar e não ver, para ver é preciso saber e conhecer. As princesas estavam cada vez mais intrigadas e ele começou a mostrar-lhes os brincos-de-princesa brancos, os rosa-claro, rosa-escuro, lilás, violeta, grandes, pequenos, singelos, dobrados, enfim uma variedade enorme que havia no jardim da rainha-mãe.

ca8fe83e99d5cc9138f62df436a2cc81.jpg

As princesas começaram a experimentar nas suas orelhinhas pequenas e estavam encantadas, não era fácil escolher os que mais gostavam. Depois de encontrarem os brincos certos para cada uma, colocaram as suas coroas de flores e foram mostrar à rainha-mãe as suas joias belas e preciosas. O rapaz estava divertido com toda aquele entusiasmo das princesas pelos brincos e coroas, enfim, coisas de meninas! Ele estava era cheio de vontade de ir ver como estava o ninho que tinha encontrado na pereira junto ao riacho e tinha esperança que elas também quisessem ir ver.

Quando o rapaz disse que queria ir atá ao riacho ver um ninho, as princesas disseram logo que queriam ir, deixaram para trás as suas joias e lá foram todos juntos a correr pelos campos fora.

blackbird-nest-blackbird-egg-nest-bird-s-nest-bird

Assim que se aproximaram da pereira, ele disse que não podiam fazer barulho, que tinham que esperar e ver se os pais do ninho não estavam lá. Se estivessem podiam ficar assustados e abandonar o ninho e isso não podia acontecer. As princesas e o rapaz ficaram escondidos atrás de umas ervas altas a observar o sítio que ele lhes mostrava ao longe, onde estava o ninho. Primeiro elas olhavam, mas não viam nada, depois com as explicações dele e com mais atenção lá viram o ninho castanho, bem redondinho encaixado numa bifurcação de ramos. Esperaram bastante até terem a certeza de que não estavam lá os pais e foram até lá ver. As princesas ficaram espantadas com a perfeição da cama redonda, acolchoada com palhinhas finas e delicadas e com os lindos ovos pequeninos azuis sarapintados. O rapaz disse que eram ovos de melro e que tinham de ir embora porque os pais podiam regressar ao ninho.

Ficaram ainda a ver ao longe, escondidos, até que o melro voltou para o ninho e se aninhou lá tão bem que quase não se via.

O sol estava a começar a esconder-se e tiveram de regressar a casa da rainha-mãe. Os reis chegaram para levar as meninas de volta ao palácio na cidade. Na viagem de regresso as meninas, todas engalanadas com as suas coroas de flores e com os seus brincos-de-princesa foram dizendo aos reis que quando crescessem não queriam viver no palácio, queriam ir viver para o campo porque lá o reino sem tempo era mais real e mais perfeito e tudo era mais verdadeiro e livre.

Os reis trocaram olhares e sorriram, eles compreendiam bem o que a sua bela princesa dizia. No futuro tinham que voltar todos e passar mais tempo no campo onde todos viviam mais genuinamente.

 

 

Hoje muitas crianças não têm tempo para gastar a brincar como bem lhes apetecer, sem atividades e mil tarefas, falta-lhes tempo de exploração livre do mundo, em especial da natureza. Este reino sem tempo, ou reino de brincar é um reino onde as temos de deixar ir mais vezes, sujarem-se, molharem-se, cheirarem as ervas, magoarem-se às vezes, ... Isso é que é ser criança de verdade!

03
Abr21

Os três coelhinhos castanhos e os ovos da Páscoa

Os coelhos da Aunt B's Sweets & Treats foram a minha inspiração. Agradeço as fotografias dos

Cristina Aveiro

image9.jpeg

Foto de Aunt B's Sweets & Treats

 

Era uma vez três coelhinhos que eram irmãos, viviam num enorme quintal que tinha uma horta, um jardim e uma casa lá bem ao fundo onde não se atreviam a chegar perto. Os três irmãos eram muito bonitos, de um tom castanho brilhante, com um belo pompom branco no rabiosque, grandes olhos castanhos e do que mais se orgulhavam era do cor-de-rosa das suas orelhas e do seu narizito.

A mãe tinha-lhes recomendado que ficassem pela zona junto ao bosque onde crescia boa erva e que nem pensassem em ir para a horta, para o jardim e muito menos que se aventurassem até à casa.

Aos poucos foram andando pela erva verdinha e nem notaram quando estavam mesmo ao lado da horta! Eles nunca tinham visto nada parecido, havia favas, couves, cenouras, alfaces, era um interminável festim de cores e aromas a que não conseguiam resistir.

image15.jpegimage14.jpeg

Fotos de Aunt B's Sweets & Treats

No dia seguinte aventuraram-se um pouco mais e foram logo para a horta, aos poucos começaram a aproximar-se da casa. Havia um grande grupo de crianças a brincar no jardim, umas levavam cestos e procuravam alguma coisa em todos os cantos, outros estavam a fazer uma corrida rolando ovos na relva e mandando-os para a frente com enormes colheres de pau.

By The White House from Washington-DC.jpg

By The White House from Washington-DC

No telheiro da casa uma senhora ajudava as crianças a esvaziar ovos e a pintá-los de cores suaves, pareciam de flores. Iam levando os ovos aos meninos que estava à volta de uma árvore e pendurava os ovos coloridos e enfeitados, parecia mesmo uma árvore de Natal.

pascoa-alemanha-arvore-com-ovos-coloridos.jpg

Os três coelhinhos iam-se sempre aproximando um pouco mais, escondidos nos arbustos, cada vez estavam mais curiosos com toda aquela azáfama. Chegaram mais pessoas ao telheiro e houve abraços, beijos e risos, faziam muito barulho, mas parecia que estava tudo bem. As crianças começaram a ver o que havia nos cestos que tinham trazido e os três coelhinhos conseguiram esgueirar-se para uma das pontas do telheiro para verem tudo aquilo. Viram ovos castanhos de vários tamanhos que as crianças comiam com prazer. As crianças disseram muito alto: - Amêndoas! quando viram um cesto onde havia uma espécie de ovos pequeninos de muitas cores, alguns eram cor-de-rosa, azul-claro, branco, uns estavam embrulhados em prata brilhante de muitas cores, outros pareciam despenteados, aos biquinhos castanhos, havia uns brancos que pareciam ter agarrado pérolas de orvalho brancas e eram lindos.

38473c839548b0acee5e365568cbc435.jpgtransferir.jpgThumb_amendoa_pascoa_2020-corte.jpg

Drageias de Licor Confeitaria Arcádia      Amêndoa Coberta de Torre de Moncorvo-CM     Amêndoa francesa

Numa cestinha de vime claro, envoltos em pano branquinho estavam uns bolos acastanhados brilhantes com um ovo cor de mel no cimo. As crianças vieram junto da cestinha, disseram que cheirava tão bem e perguntaram se podiam ver os folares. Os três coelhinhos não sabiam o que era, mas se eram folares deviam vir das flores por isso eram bons de certeza.

31dde92146ec792cd451f25b4076d8f7.jpg

Foto de Manuela Cruz (https://tertuliadesabores.blogs.sapo.pt)

Com tanta curiosidade os coelhos foram-se esquecendo de se esconder e um dos meninos viu-os e foi ter com eles!

Os coelhos ficaram com tanto medo que nem conseguiram fugir! O menino agarrou-os com muito cuidado, porque viu que eram ainda pequenos como ele, e levou-os para mostrar às outras crianças e à sua mãe. Estavam todos encantados com a beleza deles, o seu castanho luzidio, os pompons branquinhos, as orelhas e o narizito cor-de-rosa, eram mesmo muito bonitos, nunca tinham visto nenhuns assim. O menino perguntou se seriam estes os coelhos da Páscoa e a mãe disse que não sabia. O menino ficou pensativo e disse à mãe que gostava de ficar com eles. A mãe disse que como eram pequenos a mãe deles ia certamente ficar preocupada sem saber onde estariam.

Ovos da Laura.jpg

O menino voltou para o jardim e levou os coelhos até à horta e disse-lhes:

- Gostava muito que ficassem comigo, mas sei que o melhor para vocês é voltarem para a natureza para junto da vossa mãe. Voltem com cuidado para a vossa casa!

image12.jpeg

Foto de Aunt B's Sweets & Treats

 

24
Mar21

Hoje vamos à maré, quem quer vir?

#10 - Verde Claro - Desafio da Caixa dos Lápis de Cor

Cristina Aveiro

1-Rochas do pedrogão.JPG

Era uma vez um bando de primos que adorava estar na praia com a tia Amélia, que não tinha filhos e vivia numa casa só para ela. Aquela praia aninhada no Pinhal de Leiria tinha poucas casas, era ventosa e o mar estava bravo a maior parte do tempo, mas a criançada adorava estar lá. Havia dias em que iam fazer passeios e explorar o pinhal e havia sempre jogos e coisas para fazer, coisas simples como apanhar pinhas a ver quem consegui ter mais, procurar o lugar mais escondido no meio dos medronheiros altos e densos, subir a colina onde estava o posto de vigia dos fogos e ver se os deixavam subir. Nunca se cansavam de inventar coisas para fazer e a tia escutava aquelas vontades todas de gente pequenina e ia combinando, aceitando e rejeitando projetos conseguindo que o bando aceitasse as escolhas finais que eram da tia. A tia era mais fácil de convencer a fazer coisas diferentes do que os pais deles. Havia coisas que só podiam fazer sendo muitos e mesmo as ideias que iam tendo para brincar e fazer eram mais e melhores por estarem naquele lugar e por estarem todos juntos. Quando planeavam o que queria fazer falavam muito, às vezes discutirem de forma acalorada qual era a melhor coisa que podiam fazer no dia seguinte, mas isso só tornava tudo mais divertido.

Um dia de manhã bem cedo a tia disse: - Hoje vamos à maré, quem quer vir?

A criançada ficou logo a dizer que sim com entusiasmo. Alguns não sabiam o que era ir à maré, mas queriam ir na mesma. Todos sabiam que havia a maré cheia e a maré vazia, no fundo o mar encolhia e esticava todos os dias sempre ao mesmo ritmo. Eles preferiam quando a maré estava vazia porque podiam aventurar-se um pouco mais na água. Na maré cheia, mesmo nos raros dias de bandeira verde, apenas podiam molhar os pés porque o mar ainda que manso era grande, com ondas suaves mas muito gordas e ficava fundo, não era para gente pequena.

Vamo-nos despachar a vestir e tomar o pequeno-almoço, depois, cada um agarra no seu balde de praia e leva-o consigo e a tia leva o resto das coisas. No caminho da praia foram para a zona das rochas que estavam descobertas porque a maré estava bem vazia. Estava tão vazia que até se conseguia passar até à outra praia mais a Sul. Os miúdos estavam encantados com o que iam vendo. A tia explicou que iam apanhar os mariscos das rochas, mostrou-lhes os burriés, lapas, os mexilhões, percebes e todos podiam procurar outras coisas que lhes parecessem boas para apanhar. A tia disse que depois daquela pescaria iam fazer um enorme petisco e comer o que apanhassem. Algumas crianças fixaram-se em apanhar os burriés ficando fascinadas com a quantidade de cores que tinham, desde preto, castanho, riscados de branco, … Outras tentavam apanhar os percebes, era uma tarefa mais difícil, os maiores percebes cresciam nas fendas entre duas rochas ou então nas zonas mais baixas, virados de “cabeça” para baixo. Um dos primos ia saltitando de rocha em rocha, apanhando um pouco de tudo o que encontrava.

1-percebes.JPG

Para apanhar as lapas era preciso a ajuda da tia porque tinham de usar uma navalha para as descolar da rocha. Afinal não é à toa que se diz “agarrado como uma lapa”.

Quando a maré começou a subir e todos já estavam a ficar cansados a tia disse que era hora de irem embora e assim foi. Antes de regressar a casa para guardar a pescaria sentaram-se na areia da praia com os seus baldes ao centro para todos verem as pescarias de cada um. Ficaram admirados com o cada um tinha apanhado. Mas havia um balde que deixou todos de boca aberta. Um dos pequenos tinha o balde cheio de alface do mar, linda no seu verde claro, viçoso e brilhante e ele estava muito orgulhoso.

algas-verdes-nas-rochas-na-beira-do-mar_3510-876.j

Os primos começaram a rir e a dizer que ele não tinha percebido nada! Aquilo não era pescaria nenhuma. O menino começou a ficar triste e foi dizendo que se ia haver um petisco com coisas do mar também devia haver uma salada e ele tinha apanhado a alface para a salada. Todos riram ainda mais. Então a tia disse para pararem de ser mauzinhos, aquela não era a alface normal das saladas a que estavam habituados, era alface do mar, comestível e um bom alimento. Sentiam que tinham feito uma bela pescaria e, se a tia dizia que a alface do mar também ia brilhar no petisco é porque era verdade.

Ao chegar a casa foi toda uma azáfama a limpar os mariscos, a aprender como se cozinhava cada um e até mais tarde a aprender como se comiam. Sim, comer burriés tem que ser aprendido, não se percebe logo como se vai tirar o bichinho da concha.

Chegou a vez de lavar muito bem a alface do mar e todos estavam curiosos sobre como a iam comer. A tia explicou que quando tinha visitado os Açores tinha aprendido muitas maneiras de cozinhar aquelas alfaces e naquele dia elas iam entrar em muitos pratos, na sopa, na salada que ia acompanhar o jantar, numa bela omelete, num molho para barrar as torradas e um pouco para a caldeirada. Se houvesse mais até podiam usar para fazer uma sobremesa, mas hoje ia mesmo ser só fruta para a sobremesa! 

E tu alguma vez foste à maré? Alguma vez provaste os legumes do mar, as algas?

 

Texto no âmbito do #10 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Verde Claro

Neste desafio, que eu saiba, participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ,  a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, João-Afonso Machado, A Marquesa da Marvila e a bii yue.

Todas as quartas-feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós :)

Mais sobre mim

foto do autor

Contos de Natal 2022

Contos de Natal 2021

Desafio Caixa dos Lápis de Cor

desafio com moldura selo.png

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D

Desafios da Abelha

Eu Sou Membro
Em destaque no SAPO Blogs
pub