Todos os dias o menino ia passar algum tempo na casa dos avós, tinha sido sempre assim desde que ele se lembrava. Gostava daquele lanche especial que a avó lhe preparava, das surpresas que lhe fazia, como pipocas doces, ou aquele refresco que ele nunca tinha provado noutro lugar. Havia também o jardim, o quintal com a horta, as galinhas, os patos, aquela liberdade de explorar, cair, sujar-se, limpar-se na torneira do quintal, tudo aquilo era um ninho de liberdade que lhe parecia do tamanho do mundo.
A avó era a rainha suprema de todos aqueles domínios, sabia sobre as plantas, os animais domésticos e tantos outros que por ali apareciam. Os pássaros eram aos montes, mas nem sempre a avó ficava contente com eles, quando era o tempo dos dióspiros, das nêsperas, das nozes, enfim dos frutos apetitosos lá andava a avó a cobrir as árvores com rede fina, ou a pendurar coisas brilhantes ou que fizessem barulho nas árvores, senão os marotos dos pássaros comiam a maior parte da fruta, ou então debicavam e depois a fruta estragava-se. O menino admirava-se porque sabia que a avó gostava de pássaros e achava que não fazia mal eles comeram também os frutos. Conversavam muitas vezes sobre o assunto, mas nunca chegavam a acordo e a avó continuava com as suas engenhocas. O menino pensava que quando tivesse um quintal seu ia deixar os pássaros comerem tudo o que quisessem.
Já mais ao fim do dia, quase ao anoitecer chegava o avô e o menino corria para ir ter com ele. Adorava quando conseguia chegar ao avô antes de ele sair do carro. Assim passava um bom bocado com o avô a explicar-lhe tudo sobre o carro, ou a ajeitar a bicicleta do menino, ou a verem coisas na bancada de trabalho e ferramentas do avô. Outras vezes o menino já encontrava o avô na sala e então ficava ali à conversa. O menino queria saber sobre como funcionavam as máquinas, porque havia a chuva e o vento, como tinham construído os castelos, de onde tinham vindo os bichos-da-seda, … aos poucos o menino ia descobrindo e alargando o seu mundo de criança. O avô sabia sobre muitas coisas, mas às vezes ia ver a livros ou perguntava à avó para responder. Explicava com paciência, atento ao neto e nunca se esquecia do que tinham conversado noutros dias.
O avô chegava cansado do trabalho e às vezes agitado, mas assim que o neto aprecia tudo isso desaparecia e era como se um novo dia tivesse acabado de começar.
Depois o menino regressava a casa com os pais cansado, com as roupas sujas e com uma esfoladela no braço ou na perna, mas o banho levava todos esses pormenores. E chegava então o jantar e a hora dos mimos dos pais.
O tempo foi passando, o menino ia crescendo e continuava a ir todos os dias a casa dos avós. O avô começou a chegar mais cedo do trabalho, vinha ainda mais cansado do que antes e explicaram ao menino que o avô ia deixar de ir trabalhar porque já tinha muitos anos e ia passar a ter mais tempo livre. O menino ficou radiante! Agora tinha sempre o avô e a avó ao final do dia só para ele. Iam passear, de carro ou a pé, conversavam, tratavam do quintal e do jardim, nunca paravam de fazer coisas e de inventar coisas para descobrir.
Um dia o menino reparou que o avô não se lembrava de onde tinham ido no dia anterior, noutro dia o avô disse que tinha de ir fazer uma coisa que já tinha feito, noutro perguntou-lhe a mesma coisa três vezes e parecia nunca se recordar de ter perguntado antes. Aos poucos estas coisas estranhas começaram a acontecer cada vez mais. O menino ficou perturbado, o avô não parecia o avô.
O menino conversou com os pais sobre o que o preocupava, e disse-lhes que parecia que o avô estava doente. Os pais explicaram que já andavam há algum tempo para terem uma conversa importante sobre o avô, mas que tinham decidido esperar até que o menino notasse alguma mudança no avô.
O menino ficou a saber que o avô ao envelhecer estava a ter problemas com a memória e mesmo com a vontade de fazer coisas e divertir-se. Explicaram que estava a ser tratado pelos médicos, mas que o que era mais importante era que os que mais amava o ajudassem a continuar a descobrir o mundo como tinha feito antes. O avô não precisava que lhe dissessem que já tinha perguntado antes, ou que se aborrecessem por ele não se lembrar do que tinha combinado, ou de onde tinha posto alguma coisa. Afinal quando o menino era pequenino também perguntava a mesma coisa muitas vezes, queria que lhe voltassem a contar a mesma história vezes sem fim e ninguém se aborrecera com isso. Agora era o avô que precisava desse carinho.
Os pais disseram que era muito importante contar coisas novas ao avô, jogar jogos com ele, passear sem ser sempre pelo mesmo caminho, fazer coisas diferentes e que agora o menino já mais crescido podia ajudar muito o avô a continuar ativo e a manter-se a descobrir o mundo e a ser feliz.
O menino, que já era um rapaz sentiu-se importante nesta sua missão de cuidar e retribuir ao avô o enorme carinho que tinha recebido dele ao longo da vida. Agora trazia amigos para se juntarem a ele na casa dos avós e juntos traziam vida à casa, enchiam-na de gargalhadas, pediam ao avô para contar histórias antigas, ajudavam a avó a fazer os lanches, cuidavam do jardim e do quintal. Um dos amigos tocava guitarra e passou a haver cantorias, descobriram que o avô também sabia tocar, a avó sabia muitas cantigas de outros tempos que todos foram aprendendo. Havia um ambiente de festa que enchia de sol e calor aquela casa grisalha.
O avô continuou a ser cada vez mais diferente do que tinha sido, mas o menino continuou sempre a voltar, a conversar, a jogar, a tocar, enfim a cuidar com muito amor de quem com tanto amor o tinha ajudado a crescer.