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Contos por contar

Contos por contar

13
Set21

Um ritual de passagem

#8 - Desafio 30 dias de escrita da Ana de Deus

Cristina Aveiro

Receita das filhoses da Dona Ilda.jpg

Na noite de consoada o cheiro das filhoses a fritar tem que encher a casa! Há um aconchego e uma magia da noite de Natal que este aroma traz e reforça.

A minha avó fritava filhoses nessa noite ao lume, num tacho de ferro em azeite. Eram filhoses de massa de farinha de trigo com abóbora cozida e que levedava num enorme alguidar de barro vidrado de verde. A massa era aconchegada e envolta numa manta junto ao calor suave. Depois, contava-me a minha mãe, à hora de fritar, o meu avô trazia a lenha cortada cuidadosamente para poder dar um “lume certinho” nem demasiado forte, nem que enfraquecesse facilmente. As crianças estavam ali com a mãe e passavam as filhoses ao de leve pelo açúcar com canela. Quando começavam a ficar cansadas a minha avó perguntava-lhes se queriam que lhes fizesse filhoses com formas especiais, “um galito”, “um pião”, … para os manter animados com a tarefa.

Quando eu era criança a minha mãe repetia em nossa casa o ritual de amassar e fritar as filhoses, já em óleo, num fogão a gás e num espesso tacho de alumínio. Eu adorava ver a massa ir levedar e ver como ficava no fim. Mais tarde começaram a surgir novas receitas, menos trabalhosas e eu comecei a participar mais ativamente. Após várias alterações ficou a receita datilografada como a versão oficial das filhoses. Foi datilografada por um bom amigo cuja esposa participou na afinação da receita (como sinto saudades da D. Ilda e do Sr. Silva).

Todos os Natais sou eu que faço as filhoses e frito enquanto outros vão tratando da ceia. Adoro fazer as filhoses no Natal!

 

 Texto escrito no âmbito do desafio 30 dias de escrita lançado pela Ana de Deus, e em que participam Ana de Deusbii yueJoão-Afonso MachadoJorge OrvélioJosé da XãMaria Araújo  e eu.

 

 

22
Jan21

Mãe, a avó gosta de jogar!

Cristina Aveiro

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Num dia de muita chuva e vento, em que não se podia passear, nem ir à rua ao quintal ou à varanda, um menino estava em casa com a avó e estava aborrecido porque não podia ir onde queria. A avó olhou para o menino e disse-lhe:

- Hoje está um dia perfeito para jogar às cartas!

O menino perguntou:

- Que cartas? Daquelas que antigamente escreviam e vinham no correio?

A avó disse com doçura, não com as cartas de jogar, com um baralho. Sabes, há muito muito tempo na China inventaram o baralho de cartas e muitos jogos para jogar com elas, depois como era divertido e interessante, o jogo foi-se espalhando por todo o mundo e foi sendo modificado pelos diferentes povos. Os árabes juntaram às cartas chinesas as figuras que hoje conhecemos em todos os baralhos e mais tarde os franceses inventaram uns desenhos mais simples que passaram a ser usados em quase todo o mundo.

O menino ficou interessado e começou a fazer muitas perguntas. A avó disse que lhe ia contar tudo o que sabia sobre o baralho. Para começar chamava-se baralho porque para jogar tinham que se misturar todas as cartas para ficarem “baralhadas”, sem nenhuma ordem e assim poderem ser distribuídas ao acaso.

O menino disse logo que gostava do nome, estar baralhado não era agradável, mas às vezes baralhar era divertido, a avó sorriu contente com a vivacidade do seu menino.

A avó foi buscar o seu baralho favorito e começou a espalhar as cartas sobre a mesa. Perguntou ao menino o que lhe chamava mais a atenção. O menino disse que havia cartas vermelhas e cartas pretas. A avó disse que as cartas vermelhas representavam o dia e as pretas a noite, disse também que havia 52 cartas no baralho, uma por cada semana do ano.

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O menino interessado disse também que havia cartas com figuras de pessoas e outras só com desenhos. A avó disse que havia quatro grupos de cartas com o mesmo símbolo, com corações, trevos, azulejos e pontas de lança. Na verdade, a cada grupo chamava-se um naipe (antes era Naib, uma palavra árabe) e os nomes dos naipes eram copas, paus, ouros e espadas.

O menino disse espantado que não havia nenhumas espadas, nem paus, que os nomes eram estranhos. A avó explicou que, há muito tempo atrás, os desenhos eram mesmo de paus, espadas, copos e moedas de ouro, mas depois em França inventaram os desenhos mais simples que usamos hoje, mas continuamos a usar os nomes antigos por isso nada parece fazer sentido.

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A avó continuou a explicar, os quatro naipes representam as quatro estações do ano, e cada estação do ano tem treze semanas, como tal cada naipe tem treze cartas. Ouros representava a Primavera, paus o Verão, copas o Outono e espadas o Inverno.

Então o menino disse que afinal parecia que o baralho era um calendário, com as estações, as semanas, só faltavam os meses. A avó disse que havia uma carta para cada mês, eram as cartas com as figuras do rei, da rainha e do valete. O menino disse então que assim eram apenas três meses. A avó lembrou-o que havia quatro naipes diferentes, cada um com três figuras e assim fazia doze meses. Havia o mês do rei, da rainha e do valete em cada uma das estações.

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A avó disse ao menino que das cartas com os números apenas o às tem nome especial, o nome deriva da palavra em latim que significa um, porque esta é a carta número um.

O menino disse à avó que as cartas pareciam cheias de histórias, ele já começava a imaginar que as espadas e os paus eram cartas malvadas que apenas queriam lutar contra as cartas boas como as que tinham os corações. Já os ouros ele não sabia bem se eram boas ou más. Tinha gostado muito que houvesse reis e rainhas e cavaleiros parecia mesmo um reino antigo como os das histórias que lhe costumavam contar.

A avó disse que era muito fácil inventar histórias com as cartas. As pessoas inventaram e imaginaram jogos e mais jogos que se podiam fazer com as cartas.

Então o menino perguntou quando é que iam jogar e como é que se jogava. A avó disse que iam começar por um jogo simples, mas era preciso conhecer os números e entender quais eram maiores e quais eram menores. O menino disse muito contente que já sabia os números até vinte.

E lá começaram a jogar, baralharam as cartas, deram quatro a cada um e deixaram o resto num montinho bem arranjado com as costas viradas para cima. E depois foi aprender as regras, quem jogava primeiro, que tinha que se jogar uma carta do mesmo naipe, perceber qual era a carta mais forte e que fazia ganhar. Num instante o jogo tinha terminado e o menino queria saber quem tinha ganho e pronto houve que contar para ver quem tinha conseguido o melhor resultado. Tinha sido o menino! Estava aos pulos de contente, queria jogar mais e mais. Jogaram muitos jogos, uns ganhou a avó, outros o menino. Quando perdia o menino ficava um pouco triste, mas a avó dizia-lhe que ele tinha era que jogar mais para aprender todos os truques e dizia-lhe também que quando se joga é sempre assim, umas vezes ganha-se, outras vezes perde-se.

A avó explicou ao menino que gostava dos jogos do baralho porque podem jogar-se em quase todos os sítios, porque as cartas ocupam pouco espaço e são fáceis de levar, não precisam de eletricidade, podem ser jogadas por crescidos, por pequenos e podem fazer-se jogos com pessoas de várias idades. O menino escutou a avó com atenção e disse que se calhar era por serem assim que os jogos de cartas já eram jogados há tanto tempo mas ainda eram divertidos.

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Num instante o tempo passou, e como estava um dia chuvoso escureceu cedo. Quando os pais chegaram a casa ao fim do dia ele perguntou logo se tinham vindo mais cedo. Eles disseram que não, que era a hora habitual. O menino disse logo a correr:

- Mãe, a avó gosta de jogar!

 O menino começou logo a falar sobre as cartas e os jogos com a avó e a pedir para jogarem todos depois do jantar. Os pais disseram que sim, claro, mas perguntaram se o menino conseguia contar as cartas e se já conhecia todas e ele todo contente disse que sim. O menino explicou que não sabia que a avó gostava de jogar e que sabia tantas coisas sobre as cartas. O menino disse que gostava de outros jogos, mas estes de que a avó gostava também eram muito divertidos e assim podiam jogar juntos.

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Nessa noite depois de adormecer o menino sonhou com os reis e as rainhas, os paus, as espadas, os ouros que todos queriam e disputavam e com os valetes de bom coração que acalmavam todos e pediam que houvesse paz. Quando a mãe o foi ver ao quarto ele sorria com ar sonhador e ela lembrou-se do dia em que a sua mãe lhe tinha ensinado a jogar e a divertir-se com as cartas. Tinha sido um momento bom e ela estava feliz que a sua mãe também tivesse contagiado o seu filho com a magia do baralho.

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16
Jan21

Bernardo vem para a cama!

Cristina Aveiro

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O Bernardo era um menino já crescido, que ia começar a aprender a ler e a escrever no fim daquelas férias de Verão. Era alegre, turbulento às vezes, mas era atento às pessoas, prestava atenção ao que sentiam.

Era Verão e tinham viajado durante horas para uma praia cheia de sol, com mar calmo onde iam ficar com os tios, as primas e a avó. Estavam todos numa casa grande perto da praia e todos os dias apanhavam um pequeno barco para irem para a praia. Os dias eram cheios de alegria, banhos no mar, brincadeiras com as primas e o irmão, mas também com os adultos porque nas férias todos tinham mais vontade de brincar. Naquela praia a areia tinham uma enorme quantidade de conchas, em especial de vieiras perfeitas de todos os tamanhos e de várias cores. Todos adoravam passear e apanhar as bonitas conchas.

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Num destes dias felizes de sol, mar e brincadeira o telefone do tio tocou e o Bernardo estava com ele. O Bernardo viu que o tio ficou triste e preocupado, com uma cara como ele nunca tinha visto. Então o tio explicou a todos que tinha acontecido uma coisa muito triste, a sua avó Antónia tinha morrido. O Bernardo sabia que a avó do tio já era muito velhinha, tinha mais de noventa anos, mas estava boa, não estava doente.

No dia seguinte o tio e a tia não estiveram na praia, viajaram para acompanhar a avó Antónia. Quando já muito tarde os tios regressaram à casa das férias, já a mãe do Bernardo estava lá em cima nos quartos a preparar-se para contar uma história às crianças antes de dormirem. O Gonçalo, assim que sentiu que os tios tinham chegado, desceu as escadas e veio juntar-se a eles na cozinha.

A mãe procurou-o e disse-lhe: Bernardo vem para a cama! Mas o Bernardo não foi e a mãe desceu para ver o que se passava.

O Bernardo sentou-se ao pé dos tios e perguntou com uma cara séria como tinham corrido as coisas com a avó Antónia. O tio respondeu que tinha corrido normalmente, que tinha sido feito o funeral e que agora a avó era uma estrelinha no céu. O menino ouviu com atenção e disse que não entendia uma coisa. Se no funeral o corpo é enterrado como consegue subir para o céu para ser uma estrela? O tio ficou um pouco perdido antes de responder e a avó do Bernardo disse, sabes só o nosso corpo é que fica sem vida, mas a nossa alma, o que nós sentimos, o que temos no coração, não desaparece. É a nossa alma que consegue subir até ao céu e assim fica lá como uma estrela a olhar por todos. O Bernardo escutou e ficou pensativo.

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A mãe do Bernardo chega à cozinha e diz-lhe de novo, Bernardo eu disse para vires para a cama… O menino respondeu calmamente que tinha que vir conversar com o tio para saber como ele estava. A mãe ficou enternecida com a atitude do seu menino e perguntou-lhe se agora já podia ir para a cama e o Bernardo disse que sim.

 

 

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