Hoje vamos à maré, quem quer vir?
#10 - Verde Claro - Desafio da Caixa dos Lápis de Cor
Era uma vez um bando de primos que adorava estar na praia com a tia Amélia, que não tinha filhos e vivia numa casa só para ela. Aquela praia aninhada no Pinhal de Leiria tinha poucas casas, era ventosa e o mar estava bravo a maior parte do tempo, mas a criançada adorava estar lá. Havia dias em que iam fazer passeios e explorar o pinhal e havia sempre jogos e coisas para fazer, coisas simples como apanhar pinhas a ver quem consegui ter mais, procurar o lugar mais escondido no meio dos medronheiros altos e densos, subir a colina onde estava o posto de vigia dos fogos e ver se os deixavam subir. Nunca se cansavam de inventar coisas para fazer e a tia escutava aquelas vontades todas de gente pequenina e ia combinando, aceitando e rejeitando projetos conseguindo que o bando aceitasse as escolhas finais que eram da tia. A tia era mais fácil de convencer a fazer coisas diferentes do que os pais deles. Havia coisas que só podiam fazer sendo muitos e mesmo as ideias que iam tendo para brincar e fazer eram mais e melhores por estarem naquele lugar e por estarem todos juntos. Quando planeavam o que queria fazer falavam muito, às vezes discutirem de forma acalorada qual era a melhor coisa que podiam fazer no dia seguinte, mas isso só tornava tudo mais divertido.
Um dia de manhã bem cedo a tia disse: - Hoje vamos à maré, quem quer vir?
A criançada ficou logo a dizer que sim com entusiasmo. Alguns não sabiam o que era ir à maré, mas queriam ir na mesma. Todos sabiam que havia a maré cheia e a maré vazia, no fundo o mar encolhia e esticava todos os dias sempre ao mesmo ritmo. Eles preferiam quando a maré estava vazia porque podiam aventurar-se um pouco mais na água. Na maré cheia, mesmo nos raros dias de bandeira verde, apenas podiam molhar os pés porque o mar ainda que manso era grande, com ondas suaves mas muito gordas e ficava fundo, não era para gente pequena.
Vamo-nos despachar a vestir e tomar o pequeno-almoço, depois, cada um agarra no seu balde de praia e leva-o consigo e a tia leva o resto das coisas. No caminho da praia foram para a zona das rochas que estavam descobertas porque a maré estava bem vazia. Estava tão vazia que até se conseguia passar até à outra praia mais a Sul. Os miúdos estavam encantados com o que iam vendo. A tia explicou que iam apanhar os mariscos das rochas, mostrou-lhes os burriés, lapas, os mexilhões, percebes e todos podiam procurar outras coisas que lhes parecessem boas para apanhar. A tia disse que depois daquela pescaria iam fazer um enorme petisco e comer o que apanhassem. Algumas crianças fixaram-se em apanhar os burriés ficando fascinadas com a quantidade de cores que tinham, desde preto, castanho, riscados de branco, … Outras tentavam apanhar os percebes, era uma tarefa mais difícil, os maiores percebes cresciam nas fendas entre duas rochas ou então nas zonas mais baixas, virados de “cabeça” para baixo. Um dos primos ia saltitando de rocha em rocha, apanhando um pouco de tudo o que encontrava.
Para apanhar as lapas era preciso a ajuda da tia porque tinham de usar uma navalha para as descolar da rocha. Afinal não é à toa que se diz “agarrado como uma lapa”.
Quando a maré começou a subir e todos já estavam a ficar cansados a tia disse que era hora de irem embora e assim foi. Antes de regressar a casa para guardar a pescaria sentaram-se na areia da praia com os seus baldes ao centro para todos verem as pescarias de cada um. Ficaram admirados com o cada um tinha apanhado. Mas havia um balde que deixou todos de boca aberta. Um dos pequenos tinha o balde cheio de alface do mar, linda no seu verde claro, viçoso e brilhante e ele estava muito orgulhoso.
Os primos começaram a rir e a dizer que ele não tinha percebido nada! Aquilo não era pescaria nenhuma. O menino começou a ficar triste e foi dizendo que se ia haver um petisco com coisas do mar também devia haver uma salada e ele tinha apanhado a alface para a salada. Todos riram ainda mais. Então a tia disse para pararem de ser mauzinhos, aquela não era a alface normal das saladas a que estavam habituados, era alface do mar, comestível e um bom alimento. Sentiam que tinham feito uma bela pescaria e, se a tia dizia que a alface do mar também ia brilhar no petisco é porque era verdade.
Ao chegar a casa foi toda uma azáfama a limpar os mariscos, a aprender como se cozinhava cada um e até mais tarde a aprender como se comiam. Sim, comer burriés tem que ser aprendido, não se percebe logo como se vai tirar o bichinho da concha.
Chegou a vez de lavar muito bem a alface do mar e todos estavam curiosos sobre como a iam comer. A tia explicou que quando tinha visitado os Açores tinha aprendido muitas maneiras de cozinhar aquelas alfaces e naquele dia elas iam entrar em muitos pratos, na sopa, na salada que ia acompanhar o jantar, numa bela omelete, num molho para barrar as torradas e um pouco para a caldeirada. Se houvesse mais até podiam usar para fazer uma sobremesa, mas hoje ia mesmo ser só fruta para a sobremesa!
E tu alguma vez foste à maré? Alguma vez provaste os legumes do mar, as algas?
Texto no âmbito do #10 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Verde Claro
Neste desafio, que eu saiba, participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, a A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ, a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor, a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, João-Afonso Machado, A Marquesa da Marvila e a bii yue.
Todas as quartas-feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós :)