O piano e a baleia
Era uma vez uma ilha onde nasciam os pianos mais perfeitos e belos do mundo. Os pianos eram feitos com madeira de abeto, estrutura e cordas de metal e milhares de peças que funcionavam harmoniosamente entre si com a precisão de uma orquestra.
Um dia chegou à ilha das cerejeiras em flor, onde nasciam os pianos, um pedido para que nascesse um piano de cauda especial, com as melhores madeiras e criado pelos melhores artesãos da ilha. E foi assim que na ilha das cerejeiras em flor nasceu o belíssimo piano de cauda a que chamaram Sakura. Era magnífico, os seus sons, a sua música, encantavam todos os que a escutavam, parecia mágico.
Do outro lado do mundo, numa pequena ilha verde, todos esperavam ansiosamente a chegada do piano. A vinda do piano de cauda para a ilha era um sonho antigo, que tinha sido muito difícil de alcançar. Tudo começara com um rapaz pequeno que estudava piano com uma professora idosa no seu pequeno piano antigo. Dizia-se que ela tinha sido uma pianista famosa que viera viver na pequena ilha verde para poder sentir a sua paz e para estar sempre a ver o mar. O menino aprendia tudo velozmente, treinava e estudava sem nunca se cansar. A professora cedo percebeu o talento enorme que o menino tinha e nunca se cansava de o ensinar, de o desafiar, enfim de o conduzir para ir sempre mais longe na sua música.
Na pequena ilha verde todos foram ficando a saber do talento do menino e iam em grupos para o jardim da pequena casa branca escutar o menino e a sua música. Cada vez havia mais pessoas a ir sentir o encanto da música e o jardim foi ficando pequeno para todos. Começaram então a sonhar com uma grande sala com paredes de vidro viradas para o mar e com um piano de cauda como os das melhores salas de concertos do mundo. Se bem sonharam, melhor fizeram e juntando esforços ao longo de anos conseguiram pedir para que nascesse Sakura na ilha onde nasciam os pianos.
Finalmente tudo estava preparado na ilha verde e a longa viagem de Sakura, pelo oceano já começara. Os dias passavam devagar na ilha verde, onde as vacas vagarosamente pastavam livres e felizes nos campos a ver o mar, onde os ilhéus percorriam as estradas sempre contornadas de hortênsias azuis com uma calma e tranquilidade especial que existia em muito poucos lugares do mundo.
A bordo do navio, Sakura, o belo piano de cauda, sentia angústia por ter deixado a ilha onde tinha nascido e sentia desconforto com o frio e a humidade do ar. Quando o navio balançava ficava mais tranquilo e até conseguia sentir alguma música naquele ondular. Ao fim de muitos, muitos dias no mar, Sakura começou a ver ao longe o que lhe parecia ser umas ilhas. Havia também outros barcos, mas o que lhe prendeu toda a sua atenção foi um som forte, único, era uma canção, mas não era cantada por pessoas. O som era grave e forte, parecia triste e fazia-o sentir um friozinho na barriga, parecia que o estavam a chamar.
Tentou perceber de onde vinha aquele som mágico e percebeu que vinha do mar. Ao longe, ao lado do navio ele viu de onde vinha o som. Oh! Como era bela! Era cinzenta, quase preta, enorme, erguia-se sobre as águas e voltava a cair no mar deixando apenas à vista a sua belíssima e singular cauda. Ele nunca vira tanta beleza, abaixo da enorme boca sorridente ela tinha o que pareciam ser teclas que se afastavam quando a boca estava cheia de água. Ouviu os marinheiros dizerem que era uma baleia. Nunca tinha visto nada tão belo, como gostaria de ter alguém que o tocasse e juntasse a sua música à maravilhosa canção da baleia. Será que ela algum dia iria escutar a sua música? Será que ela poderia sequer prestar-lhe atenção?
No céu uma andorinha preta e branca que voava por aquelas paragens sentiu a emoção que a canção da baleia despertava no enorme piano de cauda que viajava no barco. A andorinha até conseguia sentir a música que o piano deixar sair das suas entranhas para acompanhar a melodiosa canção da baleia. Havia no ar tanta música que a andorinha deu por si a acompanhar com o seu canto aqueles dois seres enormes, vestidos de negro, com enormes sorrisos e cheios de música por dentro. Só a andorinha é que pôde ver aquele encontro mágico entre a enorme baleia e o imponente piano de cauda que acabava de chegar ao porto da ilha.
Com a chegada ao porto, foi um nunca mais acabar de manobras e transportes até que finalmente colocaram o majestoso piano de cauda na sala de concertos virado para o mar. Chegou então o momento que todos pacientemente tinham aguardado, o menino sentou-se ao piano e começou a tocar. A magia das mãos do menino nas teclas do piano e a perfeição e imponência dos sons do Sakura foram avassaladoras, a música encheu a sala, abriram as janelas viradas para o mar e jorrou música como se fosse a lava de um imparável vulcão. Tudo parou na ilha, não havia qualquer outro som que não o do piano e ao longe, muito longe podia escutar-se o som da baleia que cantava com toda a alma parecendo chamar Sakura para junto de si.
Desde esse dia e durante muitos anos sempre que o piano de cauda da ilha verde era tocado via-se a baleia bater a sua cauda no mar e escutava-se o seu canto grave e profundo.
No mar cada vez mais baleias, golfinhos e todo o tipo de criaturas marinhas iam vindo até à baía próxima da sala de concertos onde Sakura, o magnifico piano de cauda apaixonado era tocado. As pessoas vinham de todas as paragens para sentir a música e ver as mais variadas criaturas do mar concentradas na baía enquanto durava a música. No meio de todos brilhava sempre a baleia que ele tinha visto quando tinha chegado à ilha verde e pela qual era profundamente apaixonado, era ela que fazia o canto mais admirável e apaixonado e que no dueto único com o seu amado atraia os seres humanos e os seres marinhos.