O Cisne dos Pés Pretos
Era uma vez um cisne branco lindíssimo, com penas tão brancas e suaves que pareciam ser feitas de luz. Era alto, elegante, com um longo pescoço ondulante, flexível e gracioso. Quando nadava os seus movimentos pareciam fazer parte de uma dança clássica, mas quando caminhava sobre a relva tinha passadas lentas e firmes mas bamboleava-se para um lado e para o outro. A culpa era das suas enormes patas triangulares com as membranas entre os dedos. O contraste entre as penas e as pernas e os pés não podia ser maior porque as pernas e os pés eram admiravelmente pretos e destacavam-se muito da brancura das suas penas.
A beleza do cisne enquadrava-se na perfeição no sítio onde vivia, um sítio encantado, mesmo mágico. O cisne dos pés pretos e a sua companheira viviam num campo enorme cheio de relva sempre verdinha e cuidada o ano inteiro. No campo havia enormes árvores centenárias com troncos muito grossos e contorcidos, havia alfarrobeiras, oliveiras, figueiras, nespereiras, … enfim uma enorme variedade das árvores do Sul. O campo tinha também inúmeras flores de todas as cores e era povoado por cheiros mornos e doces do rosmaninho, do alecrim, das folhas de figueira e também de relva fresca, muitas vezes acabada de cortar.
O campo tinha também vários pequenos lagos que o cisne partilhava com várias famílias de patos pardos que eram bons companheiros. O andar desengonçado e desajeitado, as penas e o bico pardos tornavam ainda mais visível o porte real e majestático do cisne dos pés pretos.
O campo do cisne dos pés pretos de tão perfeito parece que é irreal, mas … existe. É na Quinta de Benamor, uma quinta centenária onde nasceu um campo de … golfe.
O cisne dos pés pretos observa os jogadores de roupas multicolores sem perturbar a sua vida, fica a olhar para os estranhos ovos brancos redondos que os jogadores seguem pelo campo fora, dando-lhes pancadas com toda a força que eles até voam no ar. O cisne dos pés pretos não compreende o que eles fazem mas não se incomoda com os jogadores. Os jogadores são silenciosos, tal como os carrinhos em que andam e estão sempre mais interessados nos seus estranhos ovos do que na vida do cisne. O único barulho que os jogadores fazem é quando batem com toda a força nos ovos e eles voam até junto das bandeiras brancas.
Havia, contudo, uma jogadora que olhava para o cisne dos pés pretos com atenção e carinho. Dia após dia vinha ao campo, ia-se aproximando do cisne e ele não se afastava. Um dia ela trouxe umas sementes na mão estendida e ficou ali à espera a ver o que acontecia. O cisne dos pés pretos foi andando muito devagarinho, passo após passo até chegar perto da senhora mas sempre um pouco receoso. Mantendo a máxima distância, esticou o seu longo pescoço o mais que pode e comeu. Era delicioso, a erva que comia no campo era boa mas aquelas sementes eram irresistíveis.
Assim começou um novo ritual dos dias do cisne dos pés pretos, a senhora chegava com as suas sementes e o cisne ia ter com ela para as comer todo feliz. Passou o Outono, o Inverno e o cisne dos pés pretos já nem passava sem aquele momento especial do dia. Um dia a meio da Primavera a senhora não apareceu. No dia seguinte também, e passou a ser sempre assim.
Alguém disse que a senhora tinha voltado para a Suécia para passar lá o Verão, mas claro que isso o cisne dos pés pretos não podia saber nem entender.
Os dias continuaram a passar felizes para o cisne, passeando no campo junto aos jogadores, nadando nos lagos e bailando com a sua companheira. O tempo começou a arrefecer e num dia igual ao anterior o cisne dos pés pretos viu chegar junto ao arco das heras… a senhora das sementes. O cisne dos pés pretos foi a correr até à senhora, os jogadores no campo voltaram-se admirados com a rapidez do cisne e não percebiam o que se estava a passar.
Quando o cisne chegou junto à senhora e ela lhe voltou a estender a mão com sementes ele comeu com alegria.
O cisne dos pés pretos ficou muito feliz com o regresso da senhora e ficou a pensar:
- Será que ela volta amanhã ?