É uma laranja ou um limão?
#4 - Verde Escuro - Desafio da Caixa dos Lápis de Cor
Era aquele dia tão especial, fazia anos que tinham dado o primeiro beijo.
Ela lembrava-se de cada detalhe do momento. Tinha acabado de escurecer e andavam às voltas pelo bairro de pequenas vivendas com jardim à frente, conversavam sem se cansar. Nesse último mês tinham dado muitos passeios, tinham ido aos jardins quase todos da cidade. Ela no início tinha medo de que se acabassem os temas de conversa mas, tinha entretanto percebido que isso não acontecia. Naquele dia sentia-se uma tensão no ar, mas era uma tensão boa. Ambos viram uma árvore ao longe na frente de uma das casas do bairro e ela disse que o fruto no chão era um limão, ele disse que era uma laranja e os dois aproximaram-se para ver o fruto ao mesmo tempo e aconteceu. Ele tinha a barba algo crescida e ela a pele muito delicada, a emoção do instante não deixou perceber o que estava a acontecer e no fim ela estava com os lábios em brasa. Um pouco embaraçada quando ele a olhou interrogativamente ela foi dizendo que a barba picava um pouco e tinha arranhado. Riram os dois e nem quiseram saber afinal qual era o fruto. Ficaram apenas com a pergunta que às vezes repetiam como um código só deles: É uma laranja ou um limão?
Ela estava algo desiludida porque ele parecia ter-se esquecido do dia, antes não tinha falado em planos para um jantar, ou uma escapadinha. No dia não tinha dito nada, nem deixado um recadinho, uma flor, enfim, alguma coisa. Ela estava triste, mas tinha escolhido fazer de conta que também não se tinha lembrado, sabia que dava muito mais importância a estas coisas do que ele. Ela gostava dos pequenos gestos que lembravam o que sentiam um pelo outro e sabia que para ele bastava vivê-lo nos momentos normais da vida do quotidiano.
Como de costume foi ter com ele ao fim do dia ao escritório, ele saiu com o seu fato e a mala do computador de todos os dias, nada de flores… Ficou admirada quando ele sugeriu que fossem ao jardim favorito dela. Era misterioso com as suas árvores centenárias, de troncos cheios de musgo verde escuro, quase parecia pertencer a um livro de contos infantis com fadas e duendes. Ele sugeriu que se sentassem num banco, pousou a mala do computador e tirou de lá uma robusta garrafa verde escura, dois flutes e uma cestinha em madeira cheia de morangos gordos e perfumados.
Ela ficou sem palavras. Ele tirou com carinho o cogumelo de cortiça e foi com sorrisos que ouviram o som festivo e encheram os copos. A vibração que ela sentiu no coração e nas entranhas não se pode descrever, o momento trouxe-lhe uma memória forte e boa do instante inicial de tudo o que partilhavam. Ele ficou feliz por ver a emoção dela. Sabia que estavam ligados por um fio longo, frágil mas muito luminoso e queria guardá-lo para sempre.
Texto no âmbito do #4 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Verde Escuro
Neste desafio participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, a A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ, a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor, a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, e a bii yue.
Todas as quartas-feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós :)