Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Contos por contar

Contos por contar

31
Jan21

Avô, porque tens abelhas no quintal?

Memórias doces do meu avô Manuel Saco !

Cristina Aveiro

7e4cc00953976be1b0858d1205b3223a.jpg

Era uma vez uma menina que adorava ir à casa dos avós, em especial ao quintal que havia atrás da casa. O quintal era todo rodeado por um muro de pedra “insonsa”, ou seja, tinha sido cuidadosamente com pedras irregulares grandes e pequenas pousadas de modo a ficarem perfeitamente encaixadas e que subiam a uma altura grande sem terem mais nada a segurar.

alvenaria-de-pedra-seca.jpg

No quintal havia um grande cercado com as galinhas e os galos, tinha ameixieiras lá dentro, era enorme. Do outro lado havia as coelheiras construídas em madeiras, com telhado em telhas vermelhas e umas portas em rede com buracos em forma de bolas, lá havia coelhos de todos os tamanhos e cores. Havia mais de dez laranjeiras enormes, com folhas de um verde escuro e onde havia sempre laranjas. Os seus troncos eram muito grossos, até pareciam de pinheiros velhos. Os troncos e ramos das laranjeiras eram verdes, cobertos de musgo muito baixinho. Nessa zona do quintal não se conseguia ver o céu, as densas copas das laranjeiras não deixavam o sol chegar ao chão.

Lá mais para o fundo do quintal, não havia árvores e era uma zona cheia de sol, flores e colmeias de abelhas que assustavam a menina. Bastava aproximar-se daquela zona para o som das abelhas a voar a fazer ficar com medo. Havia umas tábuas que formavam uma espécie de banco onde estavam pousadas seis cascas de sobreiro que quase pareciam troncos, só que eram apenas a cortiça que antes cobria o tronco. O avô chamava-lhe cortiços e dizia-lhe que eram casas para as abelhas. A menina achava que pareciam um pouco casas porque até tinham telhas a cobrir o topo, mas não tinham janelas, havia apenas uma fenda horizontal em baixo com uma espécie de rampa para entrar.

cork-bee-hives_11039_pic10_size2.jpg

 

A menina tinha perguntado ao avô:

- Avô, porque tens abelhas no quintal? Elas podem picar-nos e são perigosas. Eu tenho muito medo delas.

O avô tinha-lhe dito que as abelhas eram as suas amigas doces. Eram elas que faziam o mel que usavam lá em casa para adoçar o café, o cacau, os bolos dos Santos e era também um ótimo remédio quando se estava constipado ou com dor de garganta. O avô levou a menina até à cozinha e mostrou-lhe o enorme frasco de vidro com uma boca bem larga e uma tampa esmerilada de vidro que até parecia das farmácias antigas. O frasco estava meio cheio de mel escuro e muito espesso. Noutro frasco mais pequeno tinham mel em favos de cera nova que também estava muito bem fechado.

unnamed.jpg

O avô tirou uma colher pequenina com o mel espesso e deu à menina, ela olhou para a cor escura que parecia caramelo, sentiu aquele cheiro doce e quente do mel “velho”, viu o granulado que parecia grãos de açúcar e fez o que o avô lhe dizia, pôs na boca como se fosse um chupa e saboreou devagar. Era muito forte o sabor! O avô disse-lhe para ir chupando devagarinho, não era para comer, era para sentir e saborear.

O avô disse-lhe que depois de ter acabado aquela guloseima estava pronta para ir ver as obreiras mais de perto. A menina disse que tinha medo, mas o avô disse que não havia nada a temer. Tinham de se aproximar das colmeias devagar, com movimentos suaves, respeitando as viagens das abelhas. A menina lá foi apertando muito a mão grossa e calejada. Sentaram-se no banco onde estavam pousados os cortiços e o avô foi mostrando como elas iam e vinham, mostrou as patinhas cheias de pólen, mostrou como elas aproveitavam as flores da avó ali do quintal para colher o néctar com que faziam o mel.

https___amybrattebo.avenuehq.com_wp-content_upload

Elas iam até às zínias, sécias, brincos de princesa e mesmo aos pampilhos e malmequeres selvagens que havia por ali. O avô mostrou também a taça larga de barro com água que ele tinha ali no banco para as abelhas terem sempre água por perto. A menina aos pouco foi ficando com menos medo, embora se mantivesse muito quieta, e estava a adorar poder ver as temíveis abelhas tão de perto e tão entretidas na sua vida que não queriam saber nem da menina, nem do avô. As abelhas eram muito ocupadas e estavam sempre com pressa a trazer néctar e pólen e a voltar de novo às flores.

5b0045f732aab44f5b4287ade40f9cb2.jpg

O avô disse que mais tarde ia retirar os favos de mel dos cortiços porque já estava na altura certa. A menina ficou admirada, como vais conseguir tirar os favos, lá dentro está tudo cheio de abelhas, vais incomodá-las, vão ficar zangadas e vão-te picar todo!!!

honey-comb2-56a020495f9b58eba4af14fb.jpg

O avô explicou que havia um truque que era usado há muitos, muitos, anos, usava-se uma engenhoca que fazia um fumo espesso que ajudava a acalmar as abelhas quando se ia mexer na colmeia. Para fazer o fumo usava-se bostas de vaca secas e ervas meio secas. O defumador tinha um fole que fazia sair mais ou menos fumo conforme a agitação das abelhas. As abelhas reagem ao fumo, não se sabe se é por reagirem à aproximação de um fogo, e se organizam para reagir ao fogo, ou se é porque o fumo as põe tontas e incapazes de ficar agressivas. O certo é que elas com o fumo não atacavam o invasor.

O avô disse à menina que ela podia ver tudo da janela da sala da casa, mas que não podia vir cá para fora porque mesmo com o fumo ia haver algumas abelhas zangadas.

p91900441.jpg

Quando chegou o dia de tirar o mel, a menina ficou com a carinha colada à janela a ver todos os passos. Viu o avô colocar o cócó de vaca seco e as ervas no defumador, acender, começar a mandar o fumo com o fole à volta do primeiro cortiço. Passado algum tempo o avô retirou as duas telhas que faziam de telhado da colmeia, e lentamente metia a mão lá dentro e cuidadosamente cortava com a navalha pedaços dos favos e colocava numa panela alta de alumínio. Ia tirando favos claros quase cor de caramelo leve, outros mais escuros e alguns quase de um tom acastanhado. Em cada cortiço o avô via cuidadosamente para não retirar o sítio onde estavam as abelhas que iam nascer e também tinha cuidado para manter a abelha-rainha dentro do cortiço no final da colheita. O avô já lhe tinha dito que nunca se retirava todo o mel, afinal ele era a reserva de alimento para as abelhas, só podiam retirar o que não lhes ia fazer falta, o resto ficava para elas poderem viver nas alturas em que não havia néctar, nem pólen para produzirem mais mel.

Quando tudo acabou, o avô trouxe a grande panela para a cozinha e ficaram a ver como os favos eram perfeitos e tinham cores bonitas. A menina viu que os favos tinham uma espécie de tampa que fechava o hexágono para o mel não sair. O avô escolheu um dos favos mais claros, de mel novo, que tinha ainda um forte cheiro e sabor a flores e cortou uns bocadinhos que pareciam rebuçados e deu à menina. Disse-lhe para pôr na boca, deixar sair o mel e chupar e depois deitar fora a cera. A menina assim fez e ficou deliciada. O avô também fez o mesmo e perguntou:

- Então meu amor, já sabes porque tenho abelhas no quintal?

A menina respondeu com um sorriso lambuzado e feliz.

d0bcd0b5d0b4-d0b2-d181d0bed182d0b0d185-d0bfd0bed0b

 

6 comentários

Comentar post

Mais sobre mim

foto do autor

Contos de Natal 2022

Contos de Natal 2021

Desafio Caixa dos Lápis de Cor

desafio com moldura selo.png

Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D

Desafios da Abelha

Eu Sou Membro
Em destaque no SAPO Blogs
pub