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Contos por contar

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10
Abr21

A Princesa, o rei Rato e a Cigana

Cristina Aveiro

RTP-Serra Sintra.jpg

Fotografia RTP

Era uma vez uma Princesa muito alta e magra, com uns olhos azuis muito pequenos e cabelos loiros longos com caracóis muito apertadinhos. A Princesa queria ser sempre a melhor em tudo, achava que sabia mais do que todos e não suportava que a contrariassem. A Princesa adorava passear no seu imponente cavalo branco que a fazia sentir-se ainda mais ufana da sua beleza e aumentava a sua altivez. A floresta do monte da Lua era um dos seus lugares preferidos, com as árvores centenárias, retorcidas e tão cerradas que de dia parecia quase noite tal era a densidade da floresta. Havia também enormes rochedos cobertos de musgo escuro erguidos aos céus que pareciam ter caído do cesto de um enorme gigante que andasse a fazer um muro no seu quintal.  Na floresta eram vulgares os mantos de neblina fechada que não deixavam ver nada senão a névoa branca e impediam as gentes de andarem. Num dia a Princesa galopava no seu passeio pela floresta quando o manto de neblina a apanhou e ela teve de parar e passar a andar lentamente a pé com o cavalo à rédea.

Andou, andou até que cansada se encostou ao abrigo de umas pedras com o cavalo e adormeceu.

Quando amanheceu, acordou com o barulho do som de cavalos de uma carruagem e depois com gritos de homens a lutar, um grande alarido e novamente cavalos a galope a fugir. A Princesa decidiu ir cautelosamente até ao lugar de onde vinham os barulhos. Esperou escondida a ver se não havia ninguém, viu a carruagem, mas os cavalos e os homens não estavam lá. Pensando que na carruagem podia haver comida foi até lá, abriu a porta e quase morreu de susto quando viu que no chão estava deitado como morto um enorme rato com ar majestático. O animal começou a abrir um olho, e depois outro e quando viu que era uma princesa e não os malfeitores que o tinham atacado e à sua comitiva levantou-se de um salto.

Apresentou-se de imediato à Princesa informando que era o rei Rato.  

O rei Rato era muito magro e tinha o rosto escuro e ressequido. Sobressaiam os seus olhos minúsculos muito escuros e encovados, bem como o seu nariz grande e adunco e os lábios tão finos que tornavam a boca quase numa linha no rosto. O rei Rato andava sempre vestido com um fraque preto, muito orgulhoso do seu porte direito e da sua elegância e majestade. O rei Rato sempre se tivera em grande conta, quer da sua graça e beleza, quer da sua suprema inteligência e sabedoria. Estivera sempre muito certo de que era irresistível e que conseguia sempre tudo o que queria. Ao rei Rato nunca lhe ocorrera que alguém pudesse pensar de outra forma. O rei era totalmente cego e surdo em relação aos que o rodeavam, nunca se preocupava com mais ninguém que não fosse ele próprio.

A Princesa olhou demoradamente para o rei Rato e pensou que não era companhia que escolhesse se houvesse outra, mas ia ter que ser, com ele tinha mais hipóteses de conseguir sair da floresta e regressar a casa. Conversaram um pouco e decidiram que iam rumo ao Norte, olhando com atenção para os troncos das árvores e vendo o lado onde o musgo era mais forte e verde. Tentaram conversar para ir passando o tempo, mas cada um só se interessava por o que dizia e não tinham vontade de se escutarem um ao outro, cada um tinha a certeza que estava certo e não escutava a opinião do outro. Felizmente ambos achavam que ir para Norte era boa ideia, senão teriam ido cada um para seu lado.

trunk-4408218_1280.jpg

Fotografia Net

Foram andando em silêncio, ou num diálogo de surdos debitando as suas vaidades e maravilhas pessoais sem que o outro prestasse atenção. Caminharam durante todo o dia e ao final do dia, quando começava a cair a noite viram um clarão de fogueira lá ao longe e ficaram os dois encantados. Se havia fogo havia gente, se havia gente havia comida e quem sabe um lugar para dormir. Quando chegaram perto foram com cuidado ver que lugar era aquele e quem lá estava. Podiam ser malfeitores ou inimigos. Ficaram admirados quando viram uma enorme tenda com uma fogueira alta no terreiro à frente.  De pé olhando a fogueira estava uma extraordinária mulher Cigana.

A Cigana era diferente de todas as outras, não tinha a pele morena, nem o cabelo ou os olhos escuros. Era alta, entroncada, com corpo de guerreiro viking, tinha enormes olhos azuis e uma farta cabeleira ruiva. Não podia dizer-se que era bela, mas era certamente vistosa, parecia que gostava de fazer questão de se fazer notada. As suas roupas eram muito coloridas e rebrilhava no ouro que usava ao pescoço e nos brincos. Estava a cantar alto com a sua voz nasalada e áspera.  Eles não sabiam, mas a Cigana estranha gostava de dizer a todos o que pensava e erguia a sua voz acima da dos demais para se fazer ouvir, adorava escutar-se e pensava que todos sentiam o mesmo.

fogueira-na-floresta-a-noite_308079-1723.jpg

Fotografia Net

Passado algum tempo, a Princesa e o rei Rato decidiram avançar e ir ter com a Cigana esperando que ela os acolhesse. Quando os viu a Cigana gritou-lhes perguntando de onde é que tinham vindo e o que é que queriam dali. A Princesa e o rei Rato lá explicaram com calma o que tinha acontecido e a Cigana foi dizendo que se fosse com ela teria conseguido regressar a casa mesmo com a névoa, que teria mandado todos os bandidos embora e por aí fora. Estavam ali três seres tão diferentes e tão parecidos, será que se conseguiriam entender?!

A Cigana tratou de lhes dar comida e abrigo naquela noite e acompanhou-os no dia seguinte para os ajudar a regressar às suas vidas. Durante a viagem, a floresta e os seus encantos mágicos começaram a aproximar a Cigana e o rei Rato, que aos poucos começaram a falar, e depois a rir e ao fim de dois dias parecia que se conheciam desde sempre e que gostavam das mesmas coisas.

Chegados ao fim da floresta, acompanharam a princesa ao seu castelo e o rei Rato e a Cigana seguiram para o palácio do rei Rato. Como a viagem tinha sido muito longa e o rei Rato não se queria separar da Cigana pediu-lhe que ficasse ali a descansar alguns dias. A Cigana começou por ficar uns tempos numa enorme tenda que o rei Rato mandou erguer nos jardins porque a Cigana se recusava a dormir no palácio. A corte do rei achava tudo aquilo muito estranho porque agora o rei parecia só querer saber das vontades da sua amada Cigana e eles nem conseguiam entender os seus usos e costumes e muito menos as suas roupas e joias.

Ao fim de algum tempo o rei Rato encheu-se de coragem e ajoelhou-se em frente à Cigana, pegou-lhe na mão e pediu-lhe que fosse a sua rainha e ficasse com ele para sempre.

A Cigana aceitou o pedido do rei Rato, celebraram um casamento que durou mais de duas semanas, a princesa foi a madrinha e viveram felizes para sempre na sua tenda no jardim do palácio.

Palácio_de_Seteais_2013_10.jpg

Fotografia Net

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