A menina dos brincos-de-princesa
Era uma vez uma menina pequenina que adorava brincar às princesas e de se vestir com roupas brilhantes e coloridas e passear pelo seu reino com as amigas num mundo de brincadeiras sem fim. No seu reino não havia tempo e todos podiam fazer o que queriam enquanto quisessem, sem ter de ir para aqui e para ali, fazer isto e mais aquilo.
O reino da menina era o reino de brincar, de fazer o que se gosta até cansar e só então ir fazer outra coisa. Era um reino tranquilo, com gargalhadas, enganos e trapalhadas, onde se podia mais tarde tudo esclarecer e voltar a resolver porque nunca havia pressa. A princesa e as amigas enganavam-se muitas vezes a fazer as coisas que queriam, mas depois voltavam com calma a tentar, e tentar até conseguir alcançar o que tinham desejado e sonhado.
Um dia as meninas princesas do reino disseram aos reis que queriam muito ir passar tempo no campo, deixar o seu palácio e ir para o campo, para o jardim, para a floresta explorar, ver, cheirar e sentir o mundo mais verdadeiro e vivo do que o que se vivia no palácio.
Os reis pensaram e conversaram e finalmente lá decidiram que no sábado à tarde as princesas iam poder visitar os domínios da rainha-mãe, que era afinal a avó da princesa.
Oh, como ficaram felizes as princesas! Que mil planos fizeram! Como iam correr pelos campos de papoilas, perder-se no jardim das camélias, procurar os pássaros azuis que voavam sobre o rio bordejado de canas e velhas árvores preguiçosas. Um dos sonhos das princesas era encontrar um ninho e ver os ovos ou os passarinhos pequenos. A princesa conhecia um rapaz que vivia numa aldeia junto aos domínios da rainha-mãe que sabia tudo sobre pássaros, coelhos, ervas e segredos da floresta. Se ele estivesse por lá no sábado à tarde tinha a certeza de que iam ver coisas novas que nunca tinham visto e era isso que as princesas mais queriam.
E finalmente chegou o sábado à tarde e lá foram as princesas, a rainha-mãe estava radiante com a visita, tinha preparado um banquete com bolos, morangos, cerejas, bolachas de mel e todas as delícias que se podiam encontrar nos seus domínios. Foi um não acabar de conversas e gargalhadas até que as princesas pediram permissão para irem até ao seu reino de brincar. A rainha-mãe concedeu que se ausentassem e sugeriu que fossem até ao jardim e procurassem os brincos-de-princesa para ver quais os que ficavam melhor a cada uma. Disse ainda que as cerejas também davam belos brincos de princesa, e que podiam também experimentar.
As princesas foram até ao jardim e estavam contentes porque adoravam enfeitar-se com brincos, colares e mesmo coroas. No jardim começaram a procurar os brincos, mas não encontraram nada. Havia flores, arbustos, árvores, mas não encontraram brincos. Começaram então a fazer coroas com flores para enfeitarem as suas cabeças reais e adoraram o cheirinho doce que as coroas libertavam. Depois treparam à cerejeira e apanharam cerejas enormes e bem vermelhas que deixavam a boca toda pintada. Começaram então a experimentar usar as cerejas aos pares penduradas nas orelhas como brincos e sentiram-se mais belas do que com quaisquer outros brincos que já tinham usado. Estavam a divertir-se imenso, mas ainda não tinham encontrado os brincos de que a rainha-mãe falara.
Estavam as princesas a procurar os brincos quando chegou o rapaz da aldeia ao jardim. A rainha-mãe tinha-o convidado para vir para o reino de brincar. O rapaz riu-se e disse que o difícil era escolher quais os brincos que ficavam melhor a cada princesa, encontrá-los era a coisa mais fácil do mundo, afinal elas estavam rodeadas por eles. A princesas nem estavam a acreditar, como podiam estar rodeadas de brincos e nem os ver?!
O rapaz disse, com a sabedoria de quem vive na natureza, que podemos olhar e não ver, para ver é preciso saber e conhecer. As princesas estavam cada vez mais intrigadas e ele começou a mostrar-lhes os brincos-de-princesa brancos, os rosa-claro, rosa-escuro, lilás, violeta, grandes, pequenos, singelos, dobrados, enfim uma variedade enorme que havia no jardim da rainha-mãe.
As princesas começaram a experimentar nas suas orelhinhas pequenas e estavam encantadas, não era fácil escolher os que mais gostavam. Depois de encontrarem os brincos certos para cada uma, colocaram as suas coroas de flores e foram mostrar à rainha-mãe as suas joias belas e preciosas. O rapaz estava divertido com toda aquele entusiasmo das princesas pelos brincos e coroas, enfim, coisas de meninas! Ele estava era cheio de vontade de ir ver como estava o ninho que tinha encontrado na pereira junto ao riacho e tinha esperança que elas também quisessem ir ver.
Quando o rapaz disse que queria ir atá ao riacho ver um ninho, as princesas disseram logo que queriam ir, deixaram para trás as suas joias e lá foram todos juntos a correr pelos campos fora.
Assim que se aproximaram da pereira, ele disse que não podiam fazer barulho, que tinham que esperar e ver se os pais do ninho não estavam lá. Se estivessem podiam ficar assustados e abandonar o ninho e isso não podia acontecer. As princesas e o rapaz ficaram escondidos atrás de umas ervas altas a observar o sítio que ele lhes mostrava ao longe, onde estava o ninho. Primeiro elas olhavam, mas não viam nada, depois com as explicações dele e com mais atenção lá viram o ninho castanho, bem redondinho encaixado numa bifurcação de ramos. Esperaram bastante até terem a certeza de que não estavam lá os pais e foram até lá ver. As princesas ficaram espantadas com a perfeição da cama redonda, acolchoada com palhinhas finas e delicadas e com os lindos ovos pequeninos azuis sarapintados. O rapaz disse que eram ovos de melro e que tinham de ir embora porque os pais podiam regressar ao ninho.
Ficaram ainda a ver ao longe, escondidos, até que o melro voltou para o ninho e se aninhou lá tão bem que quase não se via.
O sol estava a começar a esconder-se e tiveram de regressar a casa da rainha-mãe. Os reis chegaram para levar as meninas de volta ao palácio na cidade. Na viagem de regresso as meninas, todas engalanadas com as suas coroas de flores e com os seus brincos-de-princesa foram dizendo aos reis que quando crescessem não queriam viver no palácio, queriam ir viver para o campo porque lá o reino sem tempo era mais real e mais perfeito e tudo era mais verdadeiro e livre.
Os reis trocaram olhares e sorriram, eles compreendiam bem o que a sua bela princesa dizia. No futuro tinham que voltar todos e passar mais tempo no campo onde todos viviam mais genuinamente.
Hoje muitas crianças não têm tempo para gastar a brincar como bem lhes apetecer, sem atividades e mil tarefas, falta-lhes tempo de exploração livre do mundo, em especial da natureza. Este reino sem tempo, ou reino de brincar é um reino onde as temos de deixar ir mais vezes, sujarem-se, molharem-se, cheirarem as ervas, magoarem-se às vezes, ... Isso é que é ser criança de verdade!