A gaivota Graciosa
Era uma vez uma gaivota chamada Graciosa que vivia na Ria Formosa. Graciosa era muito feliz, tinha os dias sempre preenchidos com voos pelos céus da ria e do mar. Nas manhãs gostava de passar tempo junto ao porto de pesca e de acompanhar os barcos na faina no mar. Gostava de voar bem alto sobre a ilha do Farol e as outras ilhas da ria com os seus areais dourados e polvilhados de conchas de todas as cores e feitios, de conquilhas, ameijoas, ostras, lingueirão, … seixos do mar polidos e arredondados em formas suaves. Na ria também gostava de ver os canais sinuosos que pareciam divertir-se nas suas formas curvilíneas sempre cheios de vida, aves, caranguejos, peixe, …
Ao fim da tarde quem a quisesse ver era ir até à praia da ilha barreira em Cabanas de Tavira, frente à aldeia do outro lado da ria. Assim que o sol começava a estar muito inclinado, a luz ficava dourada e lá começavam todas a chegar, Graciosa e as outras gaivotas que por ali viviam. Era a hora das gaivotas, pousavam na areia e iam andando por ali. Desciam em voos planados e lentos parecendo que estavam a escolher o sítio ideal para pousarem. Estavam habituadas às pessoas que se espalhavam pela praia e que por esta hora já começavam a arrumar as suas coisas e começavam a ir até ao barco para regressar a casa. As pessoas eram bandos multicolores, de roupas brancas, amarelas, rosa vivo, laranja, turquesa num festival de cores alegres que desenhavam o Verão. Era normal ver as gaivotas a andar pela areia entre as pessoas e a desviarem-se delicada e eficazmente quando uma criança se aproximava demasiado.
Graciosa e as amigas pesquisavam a areia para procurar pedaços de bolacha, de pão, de batata frita e um sem número de petiscos que só podiam encontrar no Verão na areia da praia. No resto do tempo na areia da praia não havia comida fácil e boa como esta, havia claro muito peixe no mar, nos barcos de pesca e no porto onde o peixe pequeno era mandado à água, havia as estrelas-do-mar, as ostras, as ameijoas, … Na verdade havia sempre comida em abundância, podia dar mais ou menos trabalho, mas havia sempre.
Graciosa vivia no paraíso, tinha a ria, o mar, podia alimentar-se de animais vivos que recolhia da natureza mas sabia que noutros lugares havia gaivotas que se alimentavam em lixeiras, outras apenas dos restos de comida caída em cidades junto ao mar, ela nem conseguia imaginar como seria. Um dia, por engano, Graciosa comeu um bocadinho de plástico que estava na areia da praia e lhe tinha parecido pão. Ia quase morrendo com dores na barriga, durante dias nem conseguia comer ou voar. Agora, quer na praia, quer na ria ou no mar estava sempre atenta para ver se não comia coisas estranhas deixadas pelas pessoas por todos os sítios.
Mesmo no mar, à hora das gaivotas, elas também não se importavam com as pessoas que tomavam banho, mergulhavam em rápidos voos picados para apanhar pequenos peixes que ali nadavam mesmo na beira da água. Num destes fins de tarde Graciosa já tinha apanhado vários peixes e alguns até quase os deixava cair porque eram já um pouco pesados. Os banhistas estavam todos a vê-la pescar quando ela mais uma vez mergulha bem fundo e levanta voo com um peixe grande da cor da areia no bico, mas desta vez ela não conseguiu aguentar o peso dele e teve de o largar na água.
O banheiro, que todos os dias de verão estava na praia, conhecia bem as gaivotas e a sua forma de pescar, levantou-se da areia e foi para o mar para o sítio onde a gaivota tinha deixado cair o peixe. As outras pessoas olhavam com curiosidade e Graciosa também via o que se passava lá do alto onde andava num voo planado muito tranquilo. O banheiro olhava para o fundo do mar, metia a mão na água e voltava a fazer o mesmo, até que finalmente levantou o braço bem alto com um linguado do tamanho da sua mão que tinha conseguido encontrar. Era o linguado que a Graciosa pescara mas que não conseguira levar consigo. As pessoas na praia estavam espantadas, nunca tinham visto nada assim. Elas acreditavam que quando contassem o que tinham visto ninguém ia acreditar e que iam pensar que esta era uma história inventada.
Graciosa e as amigas colaboravam entre si para avisarem quando havia comida, quando havia algum perigo, … estavam sempre a ajudar-se.
Havia também conflitos, algumas gaivotas gostavam de impor a sua vontade e tentavam ocupar o sítio de outras, ou tirar-lhes a comida que tinham acabado de apanhar,… e nesses casos havia uma espécie de combate à distância com aproximações de bico em riste, voos rasantes tentativas de tirar a comida do bico alheio, mas em geral tudo se resolvia com estas demonstrações de força, sem haver contacto ou agressão. Muitas vezes a gaivota que estava a ser incomodada afastava-se em voo largo e porte orgulhoso, esvaziando os motivos da disputa. Nos casos mais graves vinha também o par da gaivota ajudar na sua defesa. Eram pares para toda a vida e todos os anos criavam novas ninhadas nos seus ninhos escondidos no chão ou em penhascos altos. Eram os mesmos pares e usavam sempre o mesmo ninho, havendo comunidades com as mesmas gaivotas ao longo de anos.
Uma das coisas que a Graciosa mais gostava de fazer era pousar num ponto alto, num poste de um amarradouro e ficar simplesmente ali a olhar para o mar e para o horizonte, nunca se cansava porque o mar nunca era igual, nem nunca parava e ela sentia que fazia parte do mar e do céu daquele lugar.