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Contos por contar

Contos por contar

28
Set22

A menina que cantava!

Desafio Arte e Inspiração 2.0 - semana #3

Cristina Aveiro

O fado-Malhoa-sem moldura.png

Tinha nascido em casa dos avós num bairro de ruas estreitas e inclinadas sobre o rio. Era um bairro de gente simples, com poucas posses, mas onde sempre que havia ocasião se cantava e todos se juntavam nas pracetas, pois as casas eram pequenas e a rua era parte das suas casas.

Os pais ficaram a viver algum tempo com os avós, mas depois regressaram à sua casa na aldeia procurando melhor ganha-pão. A menina foi ficando com os avós e acabou por crescer com eles. Na cidade a escola ficava mais perto e os avós ajudavam no seu sustento.

A menina cresceu feliz nas ruas do bairro e desde muito pequena sempre que podia ia escutar as cantadeiras e os homens que tocavam guitarra para as acompanhar. Quando não podia ir para junto das tabernas onde cantavam por já ser tarde e os avós não deixarem, ia pôr-se ao varandim a escutar as cantigas. A música fazia-a sentir-se bem, havia uma mistura de tristeza e gargalhadas no meio das cantorias.

Sem dar por isso, começou a cantar as cantigas que escutava àquelas mulheres altas, esbeltas e lindas, nos seus cabelos longos e faces rosadas. A menina sentia que eram mulheres poderosas, mulheres que faziam com que todos se virassem à sua passagem, eram os seus ídolos.

No bairro todos começaram a reparar na miúda que cantava como as fadistas, ficavam impressionados com a sua voz, e com a forma como cantava canções que falavam de emoções de adulto, mas que ela reproduzia como se já as tivesse experienciado.

Aos poucos todos começaram a pedir que cantasse, nas tardes de domingo, nos Santos Populares, nas marchas, … Um dia a menina disse aos avós que queria ir cantar como as mulheres crescidas que cantavam o fado. Os avós disseram que nem pensasse em tal coisa. Podia cantar numa festa ou outra, mas nos lugares do fado nem pensar.

A menina cedo deixou a escola para trabalhar a vender peixe na rua de modo a ajudar no sustento da casa. As vendas corriam-lhe bem pois os seus pregões cantados com voz de fadista traziam as gentes à sua canastra.

A menina cresceu, nunca deixou de cantar, tornou-se uma fadista requisitada. Na sua casa pobre e pequena havia sempre guitarras e cantigas, gente boémia e uma alegria estouvada. Tornara-se uma bela mulher morena, magra, de olhos escuros e longos cabelos negros que enfeitava com lenços de seda de ramagens. Agora também se voltavam quando a viam passar! Amava a sua música, mas percebia agora os receios dos seus avós.

 

Todas as quartas-feiras eu e a Fátima Bento, a Ana D., a Ana de Deus, a Ana Mestre, a bii yue, a Célia, a Charneca Em Flor, , a Imsilva, o João-Afonso Machado, o José da Xã, a Luísa De Sousa, a Maria, a Maria Araújo, a Mia, a Olga, a Peixe Frito, a Sam ao Luar, e SetePartidas publicamos um texto relativo ao quadro da semana, que é apresentado todas as sextas de manhã.

 

21
Set22

A menina de sua Mãe!

Desafio Arte e Inspiração 2.0 - semana #2

Cristina Aveiro

Young Mother Sewing-Mary Cassatt-1900.jpg

Sempre fora assim, tinham-se uma à outra, parecia que eram quase um único ser. A menina adorava a sua mãe, os dias eram passados com ela em pleno. Quando a mãe cuidava da casa a menina seguia os seus passos, quando ia lavar a roupa ao rio acompanhava a mãe, no início ficava sentada numa bacia de zinco, depois já ficava sentada na margem, ou a chapinhar no rio quando era Verão. Quando já era mais crescida até gostava de tentar apanhar peixinhos que depois levava para casa, mas que para surpresa sua acabavam por morrer, tal como a mãe já antes tinha vaticinado, mas que a menina não conseguia acreditar.

O pai adorava a menina e a mãe, mas estava pouco tempo em casa, tinha sempre de ir a muitos sítios no seu carro verde cheio de tecidos e outras coisas para vender às pessoas que precisavam. Assim, a maior parte do tempo da menina passava-se na companhia da sua mãe.

A menina adorava o tempo que a mãe passava naquele lugar da casa a que chamavam casa da costura, onde havia uma bela máquina Singer, onde a mãe costurava longas horas sacas do pão, a partir de tecidos cortados que cheiravam muito bem, cheiravam a algodão, num cheiro quente e intenso que quase parecia o do pão quente que iriam albergar.

A menina gostava de tudo naquele ritual, desde o som ritmado da máquina de costura a galope tranquilo, ao cheiro doce das sacas que pareciam já ter o pão lá dentro, até às tarefas que lhe deixavam fazer. A menina podia virar do avesso as sacas depois de terem sido cozidas uma primeira vez. A mãe dizia sempre que ela tinha ajudado muito e que se notava como estava crescida. Mais tarde, quando já conseguia controlar melhor os movimentos, a mãe deixava-a colocar a fita de nastro nas sacas usando um alfinete de ama, que empurrado e puxando fazia a fita chegar ao outro lado e depois dava o nó para ficar fechada a fita.

Quando começava a ficar cansada, a menina deitava-se sobre o monte das sacas já feitas e a mãe continuava a cozer sem parar e a menina, embalada pelo som amigo e tranquilo da máquina de costura começava a fechar um pouco os olhos e quando dava conta já tinha adormecido.

Acordava quando o som da máquina parava e ficava tonta e estremunhada, procurando a mãe e resmungando porque o sol já se tinha ido embora e a menina não o tinha visto partir.

Oh! Como a casa da costura era um lugar mágico! Oh! Como nada de mal podia acontecer por ali! Durante o resto da sua vida, a menina, sempre que se sentia em água turbulentas regressava à casa da costura e ali ficava com a sua mãe e nada no mundo era mau, perigoso ou triste. Ali tudo era calmo, cheio de amor e tranquilidade para todo o sempre!

 

 

PS: Quando vi esta pintura pela primeira vez no MOMA, nem sabia que tinha havido impressionistas americanos, tinha ido lá para ver os nossos mestres europeus. Tive de trazer um poster do quadro para oferecer à minha mãe. Muitos anos mais tarde, a minha mãe pode ir ver o mesmo quadro ao MOMA e trouxe três reproduções deste quadro e ofereceu uma a cada uma das suas três filhas. A máquina de costura e costurar sempre foram uma companhia da minha mãe e das meninas que foram nascendo e mesmo os rapazes (netos) sentem algum fascínio por costurar com a avó.

 

Todas as quartas-feiras eu e a Fátima Bento, a Ana D., a Ana de Deus, a Ana Mestre, a bii yue, a Célia, a Charneca Em Flor, , a Imsilva, o João-Afonso Machado, o José da Xã, a Luísa De Sousa, a Maria, a Maria Araújo, a Mia, a Olga, a Peixe Frito, a Sam ao Luar, e SetePartidas publicamos um texto relativo ao quadro da semana, que é apresentado todas as sextas de manhã.

Se se quiser juntar a nós, esteja à vontade, diga apenas que o vai fazer!

(o desafio termina na última semana de novembro )

18
Set22

"partilha palavras de sabedoria que alguém te disse um dia"

52 semanas de 2022 | tema 32

Cristina Aveiro

Idosa desconstruida.jpg

A menina Emília, uma senhora  idosa, sábia e com uma enorme capacidade de viver de forma feliz, não se casara e vivia com as irmãs também solteiras e com o irmão. Eram uma família harmoniosa, ativa na sociedade, sendo os irmãos agricultores e ela contínua muito respeitada de uma grande escola secundária da cidade.

Já os conheci quando viviam a fase final das suas vidas, gostava muito de conversar com a menina Emília. Gostava também de lhe fazer pequenas provocações dentro dos limites do respeito e educação. Numa dessas conversas algo provocatórias eu defendia que ser mais jovem correspondia sempre a uma situação de vantagem face aos idosos. O jovens eram mais belos, até as pessoas feias quando jovens eram mais bem parecidas, eram, em geral mais saudáveis, podiam fazer mais coisas, enfim... A menina Emília escutou-me com atenção e quando eu esgotei os argumentos ela disse-me serenamente:

- Há uma enorme vantagem dos idosos face aos jovens. Os idosos têm a garantia da vida vivida, enquanto que os jovens têm uma enorme incerteza relativamente ao que virá a ser a sua.

Matutei bastante tempo sobre esta forma de pensar, aliás ainda hoje penso nela. É um pouco como "mais vale um pássaro na mão que dois a voar". Quando a passagem do tempo me trás alguma contrariedade em termos físicos, vem-me sempre à mente que esse é o preço a pagar por já ter vivido, e que isso foi muito bom.

 

Texto no âmbito do desafio 52 semanas de 2022 lançado pela Ana de Deus no seu blog busy as a bee on a rainy day.

 




14
Set22

O que é o tempo?

Desafio Arte e Inspiração 2.0 - semana #1

Cristina Aveiro

A persistência da Memoria-Set 22.jpeg

A persistência da memória, de Salvador Dali.

O menino estava com esta pergunta dentro da cabeça já há algum tempo… Mas afinal o que é o tempo perguntava-se.

Ele já tinha entendido que o tempo era algo que corria num sentido único e que nunca voltava atrás, um pouco como a água de um rio que corre da nascente até ao mar, sem nunca regressar onde partiu. Já tinha compreendido que o ritmo do tempo era marcado pela luz do sol, que ora estava lá, ora chegava a noite, mas será que era isso o tempo?

Os adultos eram estranhos quando falavam do tempo, tão depressa desejavam regressar a tempos do passado que nunca mais voltariam, como apenas sonhavam com os tempos que estavam para vir e parecia que não tinham interesse pelo que estava a acontecer agora, mas o menino não sabia bem se o agora também fazia parte do tempo!

Decidiu ir conversar com o avô para perceber melhor. Afinal o avô nunca tinha pressa e gostava de falar com ele, os pais diziam que ele tinha tempo, como que dizendo que ele era muito rico. Afinal o tempo talvez fosse riqueza e os pais fossem mais pobres que o avô!

Sentou-se ao lado do avô e explicou-lhe que gostava de saber o que era o tempo, porque parecia ser algo difícil de entender, embora todas as pessoas estivessem sempre a dizer que não tinham tempo, ou que demorava muito tempo, ou que passava num instante…

O avô para começar, e em jeito de brincadeira perguntou ao pequeno:

- Tens muito ou pouco tempo para conversar?

- O menino disse que ia estar com o avô até à hora de jantar.

Vamos lá ver, afinal tu até já sabes como medimos o tempo, medimos em horas, dias, com relógios, calendários e tudo. O que é que queres saber mais?

-Avô, quero saber mesmo o que é o tempo. Se não se vê, não se toca, nada, então porque é tão importante?

O avô ficou pensativo e demorou algum tempo a começar a falar. A sua voz era calma, pausada e tranquila, as suas mãos eram grandes com dedos grossos e calejados, mas sabiam dar mimos delicados e abraços que faziam o menino sentir-se seguro e preparado para todas as tempestades que viessem.

O tempo não se pode ver, mas conseguimos ver o que acontece porque ele passou. As sementes tornam-se plantas e árvores, crescem, dão frutos e morrem. As gentes e os animais nascem, crescem, envelhecem e morrem, tudo porque o tempo passa.

A Terra está em constante movimento à volta de si e do sol, e isso faz com que haja dia e noite sucessivamente. O Homem desde sempre usou o dia como forma de contar o tempo. Os dias variam de tamanho ao longo do ano, há dias longos de luz com noites curtas e dias curtos com noites longas. O Homem viu que isto se repetia regularmente. Notou ainda que a natureza acompanhava esta mudança e que havia tempos em que tudo renascia, depois dava fruto, a seguir começava a perder energia e as plantas perdiam as folhas e os animais ficavam menos ativos até que tudo parecia ficar um pouco parado, sem vida até tudo recomeçar de novo. E foi assim que o homem começou a contar o tempo de uma forma mais longa, usando o que chamamos agora as estações do ano. Durante muito tempo o homem também contou o tempo com base no aspeto da Lua e verificou que a cada 28 dias ela voltava a ter o mesmo aspeto e povos como os Índios usavam essa forma de contar o tempo.

O menino escutou, pensou e disse:

- Compreendo então que o tempo resulta do movimento da Terra. O que ainda não entendo é porque razão quando estou à espera que a mãe chegue, ou que vamos a algum lugar o tempo parece parar e ao mesmo tempo, quando estamos todos juntos a festejar, ou na praia a divertir-nos o dia corre e num instante o sol já está a enterrar-se no mar e o dia acaba.

O avô com a calma de quem já viveu muito, foi dizendo que o tempo de que ele estava a falar era o tempo de sentir, esse era um tempo que não consegue medir, nada tem a ver com o tempo dos astros do céu. Esse é o tempo do coração e da alma é menos previsível. Não há máquinas que possam medir o que sentimos, sentir é algo muito especial que só os animais e as pessoas conseguem. As pessoas têm muitas formas diferentes de sentir e que são próprias de cada pessoa e do momento que estão a viver.

O menino escutou, e disse que pensava que estava a perceber melhor o que era o tempo, mas ainda havia uma coisa que não entendia.

-  Avô porque é que tu tens mais tempo para conversar comigo do que os meus pais?

 

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