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Contos por contar

Contos por contar

26
Fev22

A Dona Ilda e o Senhor Silva

Amizades do coração

Cristina Aveiro

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Estavam sempre ali, na casa ao lado, a minha era alta e a deles mais baixa. Da janela do quarto dos meus pais via a D. Ilda atarefada na sua amada cozinha e falava com ela, ou ia apenas ver se ela lá estava e se podia ir até à sua casa. 

Não podiam ser mais diferentes e ao mesmo tempo mais semelhantes. Ele era um leitor ávido, ancorando o seu saber em livros, e entendidos nas matérias. As bibliotecas públicas e as pessoas com recurso a livros e saberes eram sempre fontes de conhecimento onde satisfazia a sua sede de saber. Ela nunca tinha aprendido a ler, nem a fazer as contas como nós fazíamos, mas a sua capacidade de fazer e aplicar os seus saberes era tão grande que nunca sentiu interesse em gastar o seu tempo a aprender a ler ou fazer as contas e gerir como faziam outros.

Ela foi a primeira chef gourmet que conheci. A ida à praça (o mercado da cidade) era um ritual cheio de exigência, a escolha dos legumes e frutas, a exigência na escolha do peixe fresco... Ah como a pescada graúda era inspecionada, desde a consistência, à cor da guelra, ao cheiro, ao estado da escama! A D. Ilda foi a primeira pessoa que vi ir devolver uma enorme pescada à peixeira porque não estava em condições e para isso teve de regressar no autocarro, demorar bastante tempo, e acima de tudo desestabilizar o seu ritmo de rituais cuidadosamente repetidos para que à hora do almoço tudo estivesse no ponto, nem antes, nem depois. Fiquei espantada quando ela explicou que descompôs a peixeira e que ela teve de lhe devolver o dinheiro.

Quando ela fazia os seus lendários rissóis da dita pescada fresca, da que dá boas lascas eu adorava ver, ler-lhe algum pormenor da receita que ela apesar de saber de cor, por vezes queria ouvir, ou então talvez gostasse apenas de me dar o prazer de lhe ler. Deixava-me sempre ajudar nas tarefas, do estender da massa, colocar a bolinha de recheio com uma colher, panar antes da fritura... Eu adorava estar envolvida em todo aquele processo de rigor profissional. Depois era ir para o anexo encostado à cozinha onde estava o fogareiro a petróleo para fritar os rissóis. O mais curioso de tudo era que por muito que eu tentasse e provasse, não conseguia gostar dos ditos, mas adorava estar ali.

Casa da Ilda e do Silva.jpgDo outro lado do anexo, na zona mais aberta à luz havia outra zona onde a magia acontecia, a mesa de marceneiro do Senhor Silva. Ali era um não acabar de ferramentas, plainas (a plaina corre ligeira, afaga a madeira...), as serras, os serrotes, o formão a grosa, as limas, a pua, os produtos desconhecidos, o verniz, o diluente, o viochene, ... Também ali eu nunca me cansava de escutar, perguntar e aprender e a paciência e vontade de explicar e ensinar do Senhor Silva nunca se esgotava. 

Quando me ofereceu o livro "Adeus quinze anos" nos meus quinze anos, ou quando me apresentou os livros de Lobsang Rampa sobre a sua vida no Tibete, abriu-me portas de mundos que eu desconhecia e fez-me sentir especial.   O que aprendi com ele sobre cinema fascinou-me, ele tinha acumulado durante muitos anos a tarefa de arrumador de sala no cinema para além do emprego como escriturário (Oh como era veloz a escrever à máquina, aquele som nunca se esquece) e dos trabalhos como marceneiro e restaurador de móveis. Foi naquele trabalho que ganhou o hábito de ver cinema, muitos anos depois, continuava a ir semanalmente assistir a filmes. Era a única pessoa que conhecia que o fazia.

A D. Ilda e o Senhor Silva foram enormes amigos do coração, a diferença de idades não foi nunca um obstáculo ao desenvolvimento desta profunda amizade. Hoje que nos observam lá do alto, estou certa que estão contentes por partilhar convosco este meu sentir.

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Texto escrito no âmbito do desafio 52 semanas de 2022 da Ana de Deus em que também participam:

A Ana de Deus
A Introvertida
Ana do Green Ideas
Anita Não se Cansa disto
Bruno no Fumo do seu Cigarro

Carlos Palmito
Di a Mulher
Fátima Bento
Isabel M Silva
João-Afonso Machado
José da Xã
Maria Araújo
Maria do Abrigo das Letras
Purpurina
Sam ao Luar

 

26
Fev22

Sabe sempre tão bem quando gostam do que escrevemos...

Cristina Aveiro

Venho partilhar convosco a satisfação pelo destaque que a equipa da sapo deu ao conto  No Reino Encantado dos Sapos Verdes.

Destaque - No Reino Encantado dos Sapos Verdes-26-

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                                                                                                                                                                                                                                                     Desenho da Matilde Aveiro


24
Fev22

O banquete interrompido

Desafio do Triptofano

Cristina Aveiro

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Estavam felizes e celebravam a vida e os seus marcos numa festa de batizado em família. Eram pessoas de poucas posses, na sua casa humilde junto à fronteira do país vizinho do qual também falavam a língua que consideravam também sua. Viviam da agricultura e de empregos de serviços básicos aos seus compatriotas. Eram devotos e apesar de a tensão entre os dois países estar em crescendo desde há alguns anos e num ritmo mais frenético nos últimos meses queriam acreditar que tudo iria acalmar e que as razões maiores de paz e segurança iam vencer. Assim organizaram o banquete caseiro onde participaram a família e os amigos e conseguiriam brindar, cantar e dançar celebrando a vida e o batismo de mais uma criança da família. Nem as notícias da concentração de tropas nos dias anteriores os demoveram do propósito de comemorar e ter esperança na paz.

A meio da refeição o ruído dos morteiros a atingir a aldeia vizinha terminou com a festa, tudo foi deixado para trás. Apressaram-se para o abrigo subterrâneo da aldeia deixando para trás a alegria, a esperança e tudo o mais que tinham preparado.

No refúgio rezavam, abraçavam-se e continuavam a suplicar ao mundo e a Deus pela paz. O mundo assistia a tudo isto em direto. Sentados nas suas salas quentes e saboreando uma boa refeição sentiam solidariedade com aquele povo, interrogavam-se sobre o seu próprio futuro, sofriam de impotência face aos acontecimentos que os ultrapassavam.

A História repete-se e o Homem e o Mundo não aprendem!

Descubram também os textos da Marta - o meu canto, do Bruno, da Ana D., da Ana de Deus e da Maria. Querem participar? Vejam aqui como!

 
20
Fev22

No reino encantado dos Sapos Verdes

Cristina Aveiro

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Há muito muito tempo, agora mesmo e para sempre havia um reino diferente de todos os outros, um reino encantado, o Reino dos Sapos Verdes. Todos os habitantes do reino tinham chegado de outros lugares e reinos.

As portas do reino estavam sempre abertas para todos, os que chegavam e iam ficando, para os que iam de visita apreciar as criações e construções dos habitantes do reino.

Naquele reino distante e ao mesmo tempo visível da nossa janela, mesmo ali ao lado, os sapos eram todos diferentes, grandes, enormes, pequenos, verdes muito verdes, castanhos, amarelos, era um verdadeiro arco-íris. Havia sapos sempre a transbordar de energia, quais formiguinhas laboriosas que estavam sempre a criar e a desafiar os seus vizinhos para se lançarem em aventuras sem fim, navegarem por mares nunca antes navegados, irem a lugares onde nunca tinham ido, dentro e fora do reino, dentro e fora deles mesmo.

Havia sapos mais tranquilos, quase preguiçosos mas que com o canto e incentivo dos outros habitantes do reino ganhavam energia renovada e desabrochavam em criações magnificas que todos admiravam.

Naquele reino cada sapo era rei e podia usar  a coroa que desejasse, ou então outro qualquer adereço que melhor lhe assentasse consoante o seu sentir do momento ou a sua identidade mais permanente.

O poder de reinar levava os sapos a sentir uma liberdade enorme para criar, partilhar, desafiar, desabafar, ... enfim para encontrar mundos que tantas vezes nem sabiam que tinham dentro de si. A coragem de partilhar as suas descobertas ia aparecendo à medida que caminhavam e que o tempo ia correndo. À medida que iam partilhando e mostrando as suas criações recebiam a atenção dos outros sapos do reino e sentiam alegrias novas nunca antes sentidas. Umas vezes aplausos, outras encorajamento e consolo, e outras silêncios que também existem e têm a sua função. Com o tempo, e com a atenção recebida iam percebendo a importância que tinha para si e davam também a sua atenção aos restantes e retribuíam o que iam recebendo, chamavam abraços a este modo especial de viver no reino.

Podem pensar que um lugar assim não existe, não é real.

Posso garantir que este lugar existe, pode ser difícil de encontrar, mas existe. Para encontrar este lugar é preciso procurar dentro e fora de nós de coração aberto e agarrando aquele pedaço de coragem que é preciso para sair do lugar onde sempre estivemos.

  

 

 

17
Fev22

O nosso Xadrez

Desafio do Triptofano

Cristina Aveiro

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Tinham saído do ninho, trilhavam caminhos de autonomia e liberdade numa nova etapa das suas vidas. Iam atrás do sonho do saber aprendido na cidade grande, na escola dos que mais sabem e onde mais se aprende, na escola onde se fabricam doutores e engenheiros tal como eles queriam vir a ser. Eram os mágicos 20 anos onde tudo ainda vai ser e todos os sonhos cabem nas nossas mãos. E além da alegria dos pássaros à solta em voos de novos mundos e lugares houve aquela magia que une os olhares quando se cruzam e se procuram, houve o acompanhar novos grupos de amigos para que os olhares ainda mais se aproximassem e os momentos juntos fossem mais frequentes e mais prolongados.

E havia aquele café onde os estudantes daquela Coimbra dos amores se encontravam à noite em bandos ruidosos. Na sala do fundo tudo era mais tranquilo e havia jogos de tabuleiro, damas, xadrez, ... e ela que nunca quisera nada com o xadrez porque no seu ninho não era um jogo de casa, pediu que ele lhe ensinasse porque nunca tinha aprendido. E começaram a jogar todos os dias, as conversas não acabavam, envolvidas nas torres, bispos e peões. Ele sempre em vantagem do saber mais antigo, ela desafiada por querer sempre chegar mais além e não ficar atrás de ninguém.  Os amigos há muito tinham percebido o que andava envolvido naquelas peças e no elegante tabuleiro branco e negro. Eles demoraram um pouco mais a perceber que a magia daquele tabuleiro ia muito para além do jogo de xadrez. Com o tempo perceberam a magia que lhes tinha chegado no embalo do jogo nascido na Índia há tantos séculos atrás.

Quando nasceram rebentos daquele amor frutuoso voltou o jogo ao tabuleiro para que as pequenas aprendessem a magia daquelas peças dançantes no tabuleiro mágico.

Quando ficaram velhinhos, onde outros jogos de que tanto tinham gostado na vida, mas agora os corpos cansados nos 80 anos já não permitiam as aventuras de grandes caminhadas e descobertas mais físicas e o tabuleiro voltou a unir aquelas duas metades e o xadrez bailou entre aqueles dedos amantes.

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"No xadrez como na vida o Rei e o Peão vão para a caixa no fim do jogo!"

Provérbio Italiano

Descubram também os textos da Marta - o meu canto, do Bruno, da Ana D., da Ana de Deus e da Maria. Querem participar? Vejam aqui como!

 
15
Fev22

A felicidade é...

Cristina Aveiro

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sentir o que irradia dos que estão felizes e ficar com as nossas cordas do sentir a vibrar cá dentro

uma coisa rara que aparece em deliciosos salpicos como os que lançam as ondas do mar

juntar nos meus braços as minhas meninas

sentir no abraço o cheiro das pessoas amadas

olhar para um bebé e contemplar a perfeição

ficar deitada a olhar o céu

tomar banho no mar transparente e com ondas

pisar a areia molhada com as ondas do mar a desfazerem-se de mansinho contra os pés

correr na areia ao Sol com a Marley  aos saltinhos ao meu lado

passear na floresta, sentir aquele cheiro que espalha perfume enquanto caminhamos

receber um abraço, um sorriso inteiro

sentir que nos entendem e apreciam

ficar a olhar a fogueira e fazer chegar o verão com o seu calor

afagar um animal dócil e quente

respirar de peito aberto e deixar entrar todo o ar que conseguir

conversar com uma criança e voltar ao essencial

aprender algo novo com as dores e alegrias do processo

ir por um caminho nunca percorrido

olhar para os olhos da minha mãe

ter alguém que me segura a mão quando me sinto insegura

ser desafiado pela vida, e pelas gentes que nos trás, para percorrer novos caminhos

escrever o que me vai na alma

não saber como parar de procurar e registar o que é afinal 

ficar com um sorriso no rosto por pensar em coisas boas

descobrir que há tantas coisas que para mim são a Felicidade!

 

Texto escrito no âmbito do desafio 52 semanas de 2022 da Ana de Deus em que também participam:

A Ana de Deus
A Introvertida
Ana do Green Ideas
Anita Não se Cansa disto
Bruno no Fumo do seu Cigarro

Carlos Palmito
Di a Mulher
Fátima Bento
Isabel M Silva
João-Afonso Machado
José da Xã
Maria Araújo
Maria do Abrigo das Letras
Purpurina
Sam ao Luar

 

07
Fev22

O desafio da Lu - Aqui há Coração

Cristina Aveiro

Assim que a Lu do Aqui há Coração nos colocou o desafio da Lu a todos, não consegui resistir.

Então aqui estão a perguntas da Lu e as minhas respostas.

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Quando era pequenina(o) o que desejava ser quando crescesse?

Médica

Cor preferida?

Azul

Uma palavra/frase a que recorra muitas vezes?

Gosto muito de ti!

Uma atividade que goste muito? 

Aprender

Um lugar que adorasse conhecer?

Apenas a Terra inteira

Algo que goste imenso de comer?

Marisco

Se pudesse mudar apenas uma coisa em mim o que seria?

Perfeccionismo

Escolhe uma palavra que te defina!

Mãe

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