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Contos por contar

Contos por contar

10
Fev21

É uma laranja ou um limão?

#4 - Verde Escuro - Desafio da Caixa dos Lápis de Cor

Cristina Aveiro

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Era aquele dia tão especial, fazia anos que tinham dado o primeiro beijo.

Ela lembrava-se de cada detalhe do momento. Tinha acabado de escurecer e andavam às voltas pelo bairro de pequenas vivendas com jardim à frente, conversavam sem se cansar. Nesse último mês tinham dado muitos passeios, tinham ido aos jardins quase todos da cidade. Ela no início tinha medo de que se acabassem os temas de conversa mas, tinha entretanto percebido que isso não acontecia. Naquele dia sentia-se uma tensão no ar, mas era uma tensão boa. Ambos viram uma árvore ao longe na frente de uma das casas do bairro e ela disse que o fruto no chão era um limão, ele disse que era uma laranja e os dois aproximaram-se para ver o fruto ao mesmo tempo e aconteceu. Ele tinha a barba algo crescida e ela a pele muito delicada, a emoção do instante não deixou perceber o que estava a acontecer e no fim ela estava com os lábios em brasa. Um pouco embaraçada quando ele a olhou interrogativamente ela foi dizendo que a barba picava um pouco e tinha arranhado. Riram os dois e nem quiseram saber afinal qual era o fruto. Ficaram apenas com a pergunta que às vezes repetiam como um código só deles: É uma laranja ou um limão?

Ela estava algo desiludida porque ele parecia ter-se esquecido do dia, antes não tinha falado em planos para um jantar, ou uma escapadinha. No dia não tinha dito nada, nem deixado um recadinho, uma flor, enfim, alguma coisa. Ela estava triste, mas tinha escolhido fazer de conta que também não se tinha lembrado, sabia que dava muito mais importância a estas coisas do que ele. Ela gostava dos pequenos gestos que lembravam o que sentiam um pelo outro e sabia que para ele bastava vivê-lo nos momentos normais da vida do quotidiano.

Como de costume foi ter com ele ao fim do dia ao escritório, ele saiu com o seu fato e a mala do computador de todos os dias, nada de flores… Ficou admirada quando ele sugeriu que fossem ao jardim favorito dela. Era misterioso com as suas árvores centenárias, de troncos cheios de musgo verde escuro, quase parecia pertencer a um livro de contos infantis com fadas e duendes. Ele sugeriu que se sentassem num banco, pousou a mala do computador e tirou de lá uma robusta garrafa verde escura, dois flutes e uma cestinha em madeira cheia de morangos gordos e perfumados.

Ela ficou sem palavras. Ele tirou com carinho o cogumelo de cortiça e foi com sorrisos que ouviram o som festivo e encheram os copos. A vibração que ela sentiu no coração e nas entranhas não se pode descrever, o momento trouxe-lhe uma memória forte e boa do instante inicial de tudo o que partilhavam. Ele ficou feliz por ver a emoção dela. Sabia que estavam ligados por um fio longo, frágil mas muito luminoso e queria guardá-lo para sempre.

Texto no âmbito do #4 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Verde Escuro

 

Neste desafio participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ,  a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, e a bii yue.

Todas as quartas-feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós :)

 

06
Fev21

A festa dos burros

Cristina Aveiro

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Há muito tempo, num quente mês de Agosto, estava a família de veraneio na Praia de Paredes de Vitória. Paredes de Vitória era um lugar singular, meia dúzia de casas baixas de um só andar, três ruas, um vale arenoso percorrido por um vivo ribeiro sempre cheio de água com um caudal forte no seu leito estreito e verdejante, mesmo nos meses de Verão.

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O vale era todo cultivado, cheio de hortas, todos os cantinhos de terra cultivados com esmero. Aquele lugar pequeno era cheio de magia. A praia era extensa, plana e parecia estar guardada por dois gigantes. A Norte havia um rochedo imponente, castanho, altivo a que chamavam castelo. À filha mais velha da família aquele rochedo parecia-lhe a esfinge dos livros de História, era enorme. A Sul erguia-se um morro orgulhoso, com cor de barro vermelho com laivos suaves de um tom esbranquiçado, da mesma altura do castelo. A meio da praia corria o ribeiro que se espraiava e fazia as delícias da criançada, em especial nos dias de mar bravo.

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Nas manhãs, todo o vale ficava coberto por um espesso manto de neblina que deixava tudo refrescado, como que borrifado com zeloso cuidado. Pelo vale acima subia o fumo da única padaria do lugar, que enchia todo o vale com o cheiro doce do pão cozido e da lenha de pinho queimada. As meninas desciam pelo carreiro do vale até à padaria para comprar o pão da manhã e depois regressavam à casa por cima de uma das várias azenhas que havia bem ao fundo do vale mais perto da nascente.

Os dias de praia corriam doces, alguns eram passados dentro da barraca de lona que alugavam ao banheiro a que todos chamavam Boguinhas. Esses eram os dias de neblina, que mesmo assim eram divertidos com infindáveis jogos de cartas, jogos com pedrinhas ou conchinhas, o jogo dos três cantinhos desenhado na areia, nesses dias o tempo parecia gigante, quase sem fim.

Um dia os pais avisaram as meninas que ia haver uma romaria muito importante à capelinha de Nossa Senhora da Vitória. As meninas não sabiam o que era uma romaria e os pais explicaram que era uma festa e que neste caso era muito diferente das que já tinham visto. No dia 15 de Agosto vinha um longo cortejo de Pataias com muitas pessoas, transportadas em carroças de burros que vinham todas enfeitadas com flores e ramagens e mesmo os burros vinham com as cabeças enfeitadas com flores do campo.

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As meninas ficaram cheias de curiosidade, não imaginavam uma procissão com burros e ainda mais enfeitados. Elas costumavam ver às vezes as mulheres que vinham em carroças de burro cheias de roupa para a lavarem no ribeiro, e secar nas margens, desaparecendo ao final do dia, de regresso a Pataias, de acordo com o que lhes tinham dito.

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Agora ficaram a imaginar como seria tudo aquilo enfeitado. O pai das meninas levou-as até ao paredão para conhecerem o Zé Ilhóca, um ancião que sabia incontáveis histórias sobre aquela terra. Ele começou por dizer que aquele lugar que era agora tão pequeno, já tinha sido um importante porto de mar, o maior daquelas costas. Era de tal forma importante que D. Dinis tinha concedido Carta de Foral no ano de 1282. As pequenas nem conseguiam desviar o olhar do rosto bronzeado, cheio de rugas fundas sempre com a boina pousada na cabeça um pouco descaída para trás. Com o passar dos séculos, o mar tinha mudado tudo o que ali havia, a invasão da areia fora aos poucos matando o porto. Das 17 caravelas e do forte para defesa do porto nada restava, e até a paróquia de Paredes tinha sido mudada para Pataias, corria o ano de 1536. Desde essa data as gentes de Pataias passaram a fazer a romagem a Nossa Senhora da Vitória, padroeira de Paredes.

Quando chegou o dia, bem cedo estavam junto à ermida de Nossa Senhora da Vitória e começaram a ver lá ao longe na estrada, rasgada no meio do imenso pinhal do rei, as primeiras carroças enfeitadas. Numa delas vinha o Anjo a cantar as loas, havia também um Juiz e uma Juíza e todos estavam vestidos de modo especial, festivo e respeitoso, alegre, mas devoto.

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Ao chegarem à ermida os romeiros celebraram em animada refeição, havia música e dança. As carroças, os burros e as gentes todos descansavam e refaziam-se da longa caminhada. No final da tarde celebraram a missa, fizeram a procissão com a Senhora da Vitória e regressaram então a Pataias.

As meninas desceram do morro da ermida e continuaram a falar sem parar de tudo o que tinham visto. Sentiam-se contentes, cansadas, mas cheias de imagens coloridas e sons alegres que estavam já a formar uma memória que elas não sabiam, mas que iria durar para sempre.

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A festa dos burros continua a realizar-se no dia 15 de Agosto mantendo a tradição secular.

03
Fev21

Leiria e os gatos pretos

#3 - Preto - Desafio da Caixa dos Lápis de Cor

Cristina Aveiro

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Há muito tempo, os gatos eram apenas gatos, não tinham raças especiais, apenas tinham cores diferentes do pelo. Eram gatos da rua ou da família, mas mesmo esses, viviam entre a casa e a rua. Muitas casas tinham uma porta especial apenas destinada aos gatos, a gateira.

Gosto muito de gatos pela sua disponibilidade para mimos e ronronadelas e ao mesmo tempo pela sua grande liberdade, independência e pela beleza dos seus movimentos e poses.

Em casa da minha avó havia sempre vários, mas os que eu preferia eram os gatos pretos. A elegância, o porte, os olhos verdes a contrastar com aquele pelo sempre luzidio. A maioria das pessoas não gostava dos gatos pretos, preferia os riscados ou os amarelos, mas para mim só os pretos tinham “a roupa” de gala, super-elegantes como um galã num dos filmes a preto e branco de que eu tanto gostava. Nesses tempos eu sentia-me algo sozinha nesta admiração aos felinos negros.

Na minha Leiria há um largo que todos conhecem como Largo do Gato Preto porque nele havia uma pensão assim chamada. A parede da antiga pensão tem um painel de azulejo com um gato preto no meio da parede de azulejo verde esmeralda. Sempre gostei deste prédio e do seu gato, parecia quase um desenho de criança e não tinha um ar tão sisudo como as outras paredes da cidade. Este parecia de um livro infantil e com o gato na cor certa!

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O tempo passou, e concluo que há certamente uma paixão por gatos pretos na minha cidade. Recentemente passámos a ter o maior gato preto que eu conheço. Na cobertura de um edifício, está a escultura enorme que nos prende o olhar e domina os telhados do casario antigo de Leiria.

Este belo gato enorme integra-se na paisagem, contrastando pela modernidade mas integrando-se porque é um Gato Preto.

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Texto no âmbito do #3 Desafio da Caixa dos Lápis de Cor - Preto

 

Neste desafio participo eu, a Oh da guarda peixe frito, a Concha, A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ,  a Rute Justino, a Ana D., a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, e a bii yue.

Todas as quartas-feiras e durante 12 semanas publicaremos um texto novo inspirado nas cores dos lápis da caixa que dá nome ao desafio. Acompanha-nos nos blogues de cada uma, ou através da tag "Desafio Caixa de lápis de Cor". Ou então, junta-te a nós :)

 

01
Fev21

Pintando com palavras

O desafio de desenhar com palavras.. da Ana de Deus

Cristina Aveiro

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Imagem de Ana de Deus

A jovem mãe na casa dos trinta anos tinha uma fresca pele levemente morena, um forte cabelo castanho com caracóis largos indomáveis que usava penteados para trás, num enrolado na nuca, entre um nó e um carrapito. O rosto oval, de contorno doce e meigo como o sorriso que habitualmente tinha. Lábios delicados e carnudos muito desenhados, ladeados por vincos de quem ri e sorri com vontade. As bochechas levantadas de tom levemente rosado eram a base de um olhar límpido de grandes olhos esverdeados e pestanudos. As ligeiras olheiras eram parte das marcas da maternidade recente, mas não retiravam beleza ao conjunto encimado por sobrancelhas grossas, muito bem arqueadas e com o mesmo ar indomável. algo rebelde, que também tinham os cabelos.

O seu pescoço elegante e bem definido completava aquela face de beleza natural, serena, cheia de vida, e ao mesmo tempo complexa e plena de distinção.

Esta menina mulher é a minha irmã mais nova, de quem fui um pouco mãe pois quase vinte anos nos separam. Sinto um enorme orgulho nos seus feitos e na sua beleza de mãe radiosa e mulher forte e generosa que impressiona os que partilham o seu caminho.

 

 

Texto no âmbito do Desafio "Desenhar com palavras" da Ana de Deus

 

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