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Contos por contar

Contos por contar

20
Jul20

A Matilde e o gato - Ilustrada pela Matilde Aveiro

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma menina pequena chamada Matilde. A vida da Matilde girava à volta dos seus pais, do seu gato e das suas amigas que viviam na sua rua. Matilde vivia numa cidade pequena, numa rua sossegada com casas de um só andar com um pequeno jardim à frente e outro atrás.

O jardim era o seu pequeno reino, brincava lá horas sem fim com o seu gato sempre por perto. Gostava de lhe dar pequenas bolas que ele perseguia sem parar em grandes corridas. Outras vezes ficava a dar-lhe mimos e ele nunca se fartava. De vez em quando o gato gostava de saltar a vedação de madeira do fundo do jardim e ir sozinho até ao lago que havia ali perto. No fim do dia voltava sempre e batia com as patinhas na porta e miava até que o deixassem entrar. Em casa Matilde e o gato também eram inseparáveis, sempre que a menina estava a ler ou a desenhar lá estava o gato a ver tudo e a procurar algumas carícias.

A casa onde a Matilde vivia era bonita com as suas paredes brancas o pequeno alpendre de telha vermelha que abrigava a porta da entrada. Era uma casa pequena mas muito graciosa, tinha um telhado de telha vermelha com quatro águas, três janelas de guilhotina verdes com vidros pequenos, cada uma com doze quadradinhos. Também a porta da entrada era verde e tina uma pequena janela branca com quatro vidros. Para a Matilde a sua casa parecia uma casa dos contos de fadas e ela gostava de a imaginar no meio de um bosque e não na cidade.

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Um dia os pais da Matilde deram-lhe uma grande notícia, ela finalmente ia ter um irmão, ou uma irmã, ainda não se sabia. A menina ficou muito feliz, muitas das suas amigas já tinham irmãos e ela queria muito, finalmente tinha acontecido.

Algum tempo mais tarde os pais disseram-lhe que iam ter de procurar uma casa nova para viverem porque naquela casa só havia dois quartos e o espaço era pequeno agora que iam passar a ser uma família de quatro. A menina não conseguia entender o que sentia. Estava muito contente por ir ter um irmão, mas muito triste por ir deixar a sua casa e deixar de estar perto das suas amigas. Porque é que não podia haver só coisas boas! Porque é que tinham de deixar aquela casa?! E se a casa esticasse? E se pudessem construir mais algum quarto para o bébé? Mas os pais pareciam muito decididos, tinham até dito que já estavam a procurar outra casa para todos.

A mãe da Matilde notou que a menina estava estranha, não se ria como antes e falava menos e ficou apreensiva. Decidiu perguntar à Matilde o que se passava mas a menina ao príncipio dizia que não era nada e não queria abrir o seu coração à mãe. A mãe perguntou-lhe se já não estava feliz por ir ter o irmão e a menina disse que estava muito feliz por isso, o que não queria era deixar aquela casa e aquela rua onde moravam e de que ela tanto gostava. A mãe abraçou-a e disse-lhe calmamente que também gostava muito daquela casa e que tinha vivido lá momentos muito felizes mas que tinha chegado a hora de procurarem uma nova casa, bonita e com espaço para todos serem felizes também lá. A mãe disse que podiam sempre voltar para vir brincar com as amigas e que elas podiam ir à nova casa porque os amigos iam continuar a visitar-se e a estar juntos. A mãe também lhe disse que podiam ir juntas procurar a casa nova e que a Matilde também podia ajudar a encontrar a casa para a família. A menina ficou mais animada e começou a fazer muitas perguntas sobre onde podia ser a casa, como a iam compar, o que ia acontecer à casa deles, enfim, foi um nunca mais acabar de conversa entre a mãe e a filha. A Matilde começou a pensar que talvez pudesse ser bom ter uma casa nova, começou a pensar como é que gostaria que a casa fosse… Ela gostava mesmo de ter um grande quarto no sotão com o teto inclinado e janelas para um jardim, gostava de ter uma varanda no seu quarto para poder sentar-se a ler ao sol com o seu gato por perto. Gostava que a casa nova tivesse uma lareira na sala para terem a magia da fogueira nas noites de inverno. Afinal talvez pudesse gostar de outra casa tanto como gostava daquela.

Depois de muita procura finalmente encontraram a casa perfeita e todos estava felizes. O pai e a mãe também tinham sonhos para a casa nova e tinham gostado dos sonhos da Matilde. A casa que tiham encontrado cumpria a maioria dos sonhos de todos e estava a chegar o dia da mudança. Ao longo da semana tinha sido uma azáfama de encaixotar e desmontar móveis e parecia que nunca mais acabava. Todos andavam um pouco perdidos com aquela confusão, o gato não era exceção, andava agitado e não conseguia estar sossegado nos seus lugares favoritos, estava sempre a ser incomodado. Andava até de mau humor, sempre a miar e a afastar-se.

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No dia da mudança chegou uma enorme camioneta que levou todos os móveis e caixotes e quando finalmente estavam a entrar para o carro a Matilde não conseguiu encontrar o gato. Chamou por toda a casa, foi ao jardim, foi às casas das amigas lá da rua, foi ao parque do lago e … nada.

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Tiveram de ir para a casa nova mas o pai disse que voltavam assim que pudessem para procurar o gato porque ele devia ter ido dar um passeio e regressava entretanto. A Matilde pediu para ficar na casa de uma amiga para continuar a procurar. As amigas disseram que o melhor era fazerem um anúncio com a foto do gato a dizer que se tinha perdido. A Matilde concordou e rapidamente fizeram os papéis e começaram a colar por toda a zona enquanto continuavam a procurar o gato. Apesar de todos os esforços o gato não apareceu naquele dia, nem no seguinte, nem no outro a seguir e a Matilde estava inconsolável.

Nunca deixaram de procurar, mas parecia que o seu belo gato cinzento de olhos verdes e cauda tufada tinha desaparecido sem deixar rasto.

O gato tinha ido até ao lago como costumava fazer muitas vezes, começou a andar atrás dos patinhos que andavam por lá a nadar, distraiu-se com os peixes vermelhos e foi andando a ver até onde eles iam. De repente, do meio do nada apareceu um cão a correr muito depressa atrás do gato e ele teve de correr e trepar a árvores e saltar vedações e continuar a correr sem parar, até que o cão desapareceu. Mas com tanta corrida, o gato tinha-se afastado muito e estava noutra zona da cidade que não conhecia. Como estava muito cansado enroscou-se e ficou a dormir debaixo de uma árvore muito grande.

Nos dias seguintes andou pelos jardins e espreitava às janelas para ver se reconhecia alguma daquelas casas, mas nada, não estava a conseguir encontrar o caminho para casa.

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Alguns dias depois uma senhora com cara de avó chegou perto dele e começou a chamá-lo com carinho: bicho, bicho, bchs. Ele começou a aproximar-se, a senhora gostou logo dele por ser tão bonito e meigo. Depois de estar algum tempo com o gato a senhora começou a lembrar-se da fotografia que tinha visto na montra do café do parque do lago e começou a achar que este gato era parecido com a fotografia. Vendo bem, era mesmo muito parecido, devia ser o gato perdido.

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A senhora deu-lhe um pouco de comida e o gato comeu muito depressa, via-se que estava cheio de fome. A senhora pensou que os donos de um gato tão bonito e meigo deviam estar muito tristes sem saber dele. Decidiu que ia ao café com o gato e ia tentar entregá-lo ao dono. O gato primeiro não queria ir com a senhora, mas aos poucos ela conseguiu agarra-lo e leva-lo com ela.

Na casa nova o telefone da mãe da Matilde toucava sem parar, a mãe atendeu e o seu rosto iluminou-se com um sorriso enorme. A mãe chamou a Matilde e disse-lhe que tinha optima notícia, tinham que ir depressa até ao lago porque estava lá uma senhora com um gato cinzento de olhos verdes, de cauda tufada e que pensa que era o gato da Matilde. A menina ria e chorava ao mesmo tempo, estava tão feliz, tinha a certiza que era o seu gato, mal podia esperar para o agarrar  e o trazer para casa.

No jardim lá estava a senhora com o gato, e o gato era, claro, o gato da Matilde. Foi uma alegria para todos, o bichano não parava de ronronar ao colo da menina.

Quando voltaram para casa a menina disse à mãe que finalmente sentia que aquela era a sua casa, porque antes de ter lá o seu adorado gato, ela gostava da casa e das suas coisas boas, mas agora com o seu amigo peludo tudo estava mais perfeito.

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16
Jul20

Abetarda, a ave que tarda

Cristina Aveiro

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Era uma vez um menino que vivia numa grande cidade e gostava muito de observar os animais. Na cidade havia poucos animais e os pássaros e as aves eram os que ele mais gostava de ficar a ver porque estavam em liberdade. Um dia estava ele na janela do seu quarto a ver uma gaivota pousada no parapeito quando a mãe lhe perguntou se ele sabia qual era a ave mais pesada da Europa. O menino ficou a pensar e disse que devia ser o peru, mas perguntou logo à mãe se o peru voava. A mãe disse que os perus voavam, em especial os selvagens porque os perus domésticos tinham muita dificuldade em voar por estarem habituados a estar presos nas capoeiras. A mãe disse que ele quase acertara mas na verdade a ave mais pesada da Europa era a abetarda. O menino perguntou abe… quê? A mãe disse “A ave que tarda! A abetarda.” O nome da ave é abetarda porque há muito, muito tempo as pessoas que a viam estranhavam por ela demorar a levantar voo, primeiro começava a andar, depois corria para tomar balanço e só no fim conseguia levantar voo. O menino ouviu interessado e disse: “Então é como os aviões que começam a andar devagar, depois mais depressa e só depois é que começam a voar.” A mãe concordou e explicou que a abetarda é grande como um peru mas tem umas pernas bem mais altas e consegue voar bem alto. O menino disse que gostava de ver as abetardas porque pareciam aves curiosas e ele nunca tinha ouvido falar delas. A mãe ficou a pensar um pouco e disse com um ar muito misterioso, só se formos ao Campo Branco, é o sítio onde há mais abetardas perto de nós. E o menino perguntou como era o campo branco, tinha o chão branco, as árvores brancas, as ervas, tudo? A mãe sorriu e disse que era uma zona muito grande de planície com muito poucas árvores, onde cultivavam trigo ou havia pastagens bem no centro do Alentejo.

Um dia os pais do menino disseram que iam fazer um passeio de que todos iam gostar muito. Saíram bem cedo de manhã enquanto a cidade dormia e rumaram a Sul, às enormes planícies ondulantes do Alentejo. O menino foi fazendo perguntas sobre tudo o que via e ia sempre perguntando para onde iam, o que iam fazer, quando chegavam… E os pais iam dizendo que era surpresa, mas que podia já ficar a saber que iam até Castro Verde. O menino perguntou se era também tudo verde nesse sítio, o que era um castro, o que se fazia lá, e claro a pergunta de sempre “Estamos quase a chegar?” O pai disse que já faltava pouco, mas ainda dava tempo para ficar a saber que castro era uma palavra muito antiga do tempo dos romanos para dizer povoado, ou como diríamos hoje cidade e que deviam ter-lhe chamado verde porque na primavera os campos em volta eram prados e campos de cereais verdejantes.

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Os pais tinham levado uns binóculos novos e o menino estava curioso para ver como se usavam e o que iam ver com eles. Quando chegaram à Herdade do Vale do Gonçalinho o menino ficou todo animado e desejoso de explorar tudo à sua volta, foi então que a mãe disse que tinham vindo ver as abetardas. Começaram o passeio pela herdade até chegarem a um ponto mais alto junto à única árvore que se avistava pararam e instalaram-se em silêncio total e armados com os binóculos.

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As abetardas estavam a uma distância enorme mas conseguiram ver os seus grandes bigodes brancos, a cabeça e o pescoço acinzentados e as costas pardacentas com riscas pretas. Mas o que foi fantástico mesmo foi quando um grupo de abetardas começou a fazer uma roda e todos empinaram os rabos bem para cima e só se viam penas brancas do interior das asas e da parte de baixo das asas, nem pareciam aves, pareciam uma espécie de rosas brancas gigantes e dançavam. Os pescoços das abetardas estavam enfunados pareciam um grande balão, enfim nunca tinham visto nada assim.

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Quando estavam todos satisfeitos a ver as aves ouviu-se o som das ovelhas de um rebanho com os seus chocalhos e logo a dança parou e as abetardas começaram a andar devagar, mais depressa, a correr e depois a voar. Viram muitas coisas mais mas nada se comparou ao momento de observação das abetardas, o menino ficou fascinado com a rainha das planícies.

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Quando regressavam a casa o menino adormeceu e… estava deitado nas costas de uma abetarda e cruzava os céus, via os campos lá do alto com um sobreiro aqui e outro acolá, via outras aves que o cumprimentavam, os sisões, os peneireiros… De repente apanham um grande susto, a abetarda quase choca contra um poste da eletricidade, ficaram aterrados. A abetarda teve de pousar e também foi emocionante a aterragem.

O carro parou e o menino acordou. Ora afinal não tinha voado, mas tinha sonhado… e depois daquele dia a abetarda tinha ganho um lugar no seu coração. 

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Vê a abetarda em ação:

 

 

 

16
Jul20

A Abetarda

Cristina Aveiro

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Ontem ouvi uma notícia de um fogo em Castro Verde onde arderam de dois mil hectares da Reserva da Biosfera da UNESCO em Castro Verde, uma região que faz parte de uma Zona de Protecção Especial das Aves e que tem sido alvo de programas coordenados pela Liga para a Proteção da Natureza (LPN). A notícia referia que a velocidade do fogo foi muito grande e certamente muitas espécies não conseguiram abrigar-se e resguardar-se, nomeadamente algumas das crias das aves ainda deste ano que ainda não estavam voadoras, tivemos algumas estruturas de nidificação que também foram afetadas. Das aves afetadas a abetarda foi destacada. Fiquei a saber que esta é uma espécie ameaçada a nível mundial.

Fiquei curiosa e ... escrevi "Abetarda a ave que tarda"

08
Jul20

O Rouxinol Triste - Um conto de Laura Ramos e Cristina Aveiro

Cristina Aveiro

9472091.jpgEra uma vez um pássaro com penas de tons acastanhados, uma cauda comprida arruivada que se via melhor quando estava a voar. Vivia nas margens de uma ribeira com árvores frondosas e muito matagal nas amplas planícies douradas e ressequidas do sol. O pássaro era pequenino e muito tímido, estava sempre escondido entre a vegetação e ninguém o conseguia ver porque passava o tempo todo bem camuflado no meio das densas ramagens. Andava a construir um ninho numa pequena moita junto ao chão. Todos os dias ia buscar pequenos galhos e folhas que moldava de modo a fazer uma pequena taça muito densa e resistente. Depois desta primeira etapa começava a procurar ervas finas que colocava gentilmente a revestir o interior da cavidade do ninho. Depois procurava pelos de outros animais e penugem que ia perdendo para tornar o interior do ninho ainda mais fofo e aconchegante. O rouxinol sonhava com uma companheira para ocuparem juntos o ninho que estava a construir com todo o carinho. Mas o rouxinol tinha um grande problema, ele sabia que as suas penas não eram coloridas como as dos guarda-rios que ele via constantemente no rio a esvoaçar e a pescar.

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 Os guarda-rios tinham penas de um azul brilhante e luminoso na cabeça e no dorso e tinham as penas do peito e da barriga de um laranja intenso, nada como as suas penas pardacentas sem nada de especial.

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 Admirava também a Popa que elevava as penas do alto da sua cabeça e ficava mais alta e toda ufana com a sua bela popa claro está.

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 Gostava também das pegas-rabudas com a sua elegância, vestindo penas pretas e brancas, a sua longa cauda negra que pareciam um noivo vestido com o seu fraque.

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 A perdiz também se destacava com o seu bico e pernas vermelhos, a sua lista negra junto aos olhos que até pareciam pintados e as suas asas às riscas como não havia igual.

O rouxinol achava que o seu corpo nada tinha de cor, de beleza ou elegância e isso enchia-o de tristeza, deixava-o preocupado, achando que talvez nunca fosse encontrar uma parceira para o seu ninho. Na sua tristeza sentia-se um pouco melhor quando cantava e então cantava sem parar, de dia e de noite. Cantava bem alto uma variedade enorme de assobios, trinados e gorgolejos. Nas noites calmas e silenciosas o seu cantar era ouvido por toda a planície, todos esperavam o momento em que cantava  “tu-tu-tu-tu-tu” em crescendo, cada vez mais forte. O seu canto atraiu numerosos admiradores, mas o que maior alegria trouxe ao rouxinol foi uma jovem fêmea que se aproximou timidamente. O rouxinol continuou a cantar mas já não tirou os olhos dela, tinha ficado fascinado, quase nem acreditava que ela estava parada a olhar para ele.

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O rouxinol e a sua companheira tornaram-se inseparáveis, puseram quatro lindo ovos e nasceram uns belos rouxinóis bébés. O canto do rouxinol continuou a ser admirado por todos, as pessoas até inventavam canções a falar do passarinho que cantava pela noite fora e quando queriam dizer a alguém que cantava bem, diziam:

- Canta como um rouxinol!

O rouxinol aprendeu que tinham um dom inigualável, não precisava de penas coloridas, bico especial ou outra coisa que não tinha. O rouxinol, tal como todos nós tinha algo de muito especial que era só seu e que todos admiravam. Descobrir a beleza e o poder do seu canto acabou com a sua tristeza e as suas dúvidas. O rouxinol agora queria ensinar tudo o que sabia aos seus filhotes, em especial ensinar-lhes a acreditarem em si e a gostarem de si como são, porque todos somos especiais.

 

Podes escutar um rouxinol a cantar:

 

 

08
Jul20

Hoje a Laura veio cá...

Cristina Aveiro

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Hoje foi um dia especial, a Laura veio passar a tarde comigo. Finalmente dei-lhe a prenda do seu aniversário. Um fio curto com uma medalha com um L. Aos 13 anos ficou mesmo bem, mas eu também usava um com um C.

Passamos a tarde a escrever um conto. Foi muito bom, escolher o tema, desenhar a história, escolher palavras palavrosas e novas como eu gosto. Adorei Laurinha, temos que repetir.

Ficaram curiosos com a história? Está quase a chegar.

06
Jul20

A Raposa Corajosa - Desenhada pela Matilde Aveiro

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma raposa vermelha que tinha acabado de ser mãe de três raposinhos pequeninos. A raposa e o pai dos raposinhos tinham preparado uma bela toca, às vezes chamava-lhe covil, antes dos raposinhos nascerem para poderem estar bem confortáveis. Primeiro procuraram um bom buraco numa colina para terem uma boa vista sobre tudo o que se passava à volta e poderem ver quem se aproximava. Escolheram um buraco grande junto à raiz de uma árvore velha muito grande. Escavaram o buraco e construíram uma toca muito comprida, nalgumas zonas tinha mais de dois metros de túnel. Escavaram também mais duas entradas para que nunca ficassem encurralados se algum intruso entrasse pela porta. Se algum animal viesse e não pudessem escapar por uma porta saiam por outro lado e ficavam a salvo.

Normalmente as raposas não precisam de tocas, dormem bem enroscadinhas, cobertas com a sua cauda felpuda, escondidas debaixo de um arbusto ou de ervas densas durante todo o dia. Mas nesta altura do ano tudo tinha que ser especial, tinham que cuidar bem dos seus filhotes. Tudo começara no meio do inverno quando conhecera o seu companheiro, e no início da primavera tinham nascido os pequenotes.

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Nos primeiros tempos era o pai que ia procurar e trazer comida porque a raposa nunca saía do covil. A raposa ficava o tempo todo a cuidar daquelas bolinhas de pelo macio e escuro que ainda não conseguiam ver, nem ouvir, nem tinham dentes e precisavam a todo o tempo do cuidado da mãe. Um mês depois de nascerem os raposinhos já começavam a andar e a explorar um pouco o terreno junto à entrada da toca e a mãe raposa e o pai durante a noite iam caçar e procurar comida para os seus filhotes. Os raposinhos só conseguiriam viver e caçar sozinhos no início do outono. Faltava ainda muito tempo para isso, até essa altura a raposa tinha que lhes ensinar tudo sobre como viver sozinho, afastar-se dos perigos, encontrar comida, enfim tudo o que uma raposa tinha que saber.

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A zona onde a família de raposas vivia era uma mata perto de quintas e da cidade. Antigamente a mata era muito maior, havia apenas uma quinta, e não havia casas, mas agora havia muitas casas com jardins, pessoas que às vezes vinham passear pela mata, traziam cães e nos jardins às vezes também andavam gatos a passear por ali. Quando a raposa via os cães ao longe na mata desatava a gritar e a ladrar para avisar as outras raposas e todas se afastavam.

Quando via os gatos e os cães ao longe escondida pelas ervas altas e pelos arbustos a raposa ficava intrigada, no corpo ela até era parecida com alguns cães, mas por outro lado, os seus olhos pareciam de um gato, tinham a pupila vertical e só ficava redonda quando andava no escuro, que era a maior parte do tempo. E mais, os seus olhos à noite brilhavam da mesma maneira que os dos gatos, devia ser porque também eles gostavam de andar no escuro.

A raposa era muito bonita, tinha um focinho pontiagudo que conseguia entrar em qualquer buraco que quisesse farejar, tinha uns bigodes enormes que eram verdadeiras antenas sempre a detetar o que se passava em volta, as orelhas eram triangulares, sempre levantadas e alerta. Os seus olhos cor de âmbar estavam na parte da frente do focinho, como os olhos das pessoas e dos gatos e não um de cada lado do focinho como os cães ou os esquilos. Por ter assim os olhos, conseguia ter uma visão muito alargada e podia ver em profundidade, medido as distâncias. Tinha um pelo muito bonito de um tom castanho avermelhado, com pelos brancos debaixo do pescoço, no peito e num tufo na ponta da sua grande, espessa e felpuda cauda. Nas pernas magras os pelos eram castanho escuros, tal como a maior parte dos pelos da cauda.

À medida que os filhos iam crescendo era preciso levar-lhes cada vez mais comida e embora houvesse muitas larvas, bagas silvestres e pequenos ovos de aves, a raposa não estava a conseguir encontrar comida nas proximidades da toca em quantidade suficiente. A mãe raposa e o pai começaram a afastar-se cada vez mais da árvore grande onde estava a toca e começavam mesmo a sair da zona da mata. A mãe raposa começava a sair cada vez mais cedo, mesmo quando ainda havia luz ao final do dia, e só voltava quando já começava a despontar o dia. Quando se afastava mais da mata começava a ver as casas e os seus jardins, aproximava-se sempre devagar, em passos silenciosos, escutando com muita atenção. A raposa até conseguia ouvir as toupeiras e os ratos a escavarem e a caminharem nos seus pequenos túneis subterrâneos. Mesmo à distância conseguia sentir o cheiro muito apetecível que vinha do lado das casas. Estava muito tentada a aproximar-se mais, e ia observando e caminhando até estar mesmo na relva do jardim de uma casa de tijolos vermelhos. Escondida ao máximo nos arbustos olhava em todas a direcções, cheirava e escutava sempre alerta. Viu uns pedaços de carne numa taça e correu à pressa para os agarrar e fugiu para a sebe onde comeu. O que a raposa não viu foi um senhor já velhinho que a observava com toda a atenção a partir da janela. O senhor estava fascinado com a beleza da raposa, com a sua graciosidade nos movimentos e a sua atenção a tudo o que se passava à sua volta.

A raposa voltou a aproximar-se devagarinho, sempre a cheirar e levou mais um pedaço de comida. O senhor abriu a porta da casa para o jardim devagar, com muito cuidado e saiu. A raposa afastou-se imediatamente para o fundo do jardim e como o senhor se mexeu um bocadinho ela desatou a correr para a mata muito assustada. Quando estava a chegar à toca viu um vulto estranho a mexer-se e desatou a ladrar e a gritar para avisar os seus raposinhos que de imediato começaram a chorar sem parar. Só quando entrou na toca e deu a comida que tinha trazido a família voltou a acalmar e pode descansar.

Nos dias seguintes a raposa continuou a ir até ao jardim da casa no final da tarde e lá encontrava sempre comida. Começou a habituar-se à presença do senhor velhinho e como ele nunca tinha sido ameaçador, ela começava a sentir-se mais segura naquele sítio. Bem, não se sentia segura, apenas sentia menos medo do que antes e só se aproximava mais para recolher a comida.

O senhor começou a fazer um som quando a raposa chegava, parecia que a estava a chamar e a raposa estranhamente começou a gostar daquele som.

Houve uns dias em que encontrou comida na mata e não precisou de se afastar tanto nem de ir até às casas. O senhor continuou a ir ao jardim esperar pela raposa mas ela não aparecia e ele sentia a sua falta. Aquele encontro estava a tornar os seus dias mais felizes. Ele imaginava como seria a vida da raposa quando não estava ali. Pensava como ela era graciosa e tinha a coragem de se aproximar da casa e dele e nunca ela tinha sido ameaçadora ou perigosa, parecia sim que estava com medo e fome e que a comida era mesmo o que ela ali procurava. O senhor pensava que quando era criança e lhe contavam contos e fábulas as raposas eram sempre matreiras, traiçoeiras e em geral personagens de quem nos devíamos afastar. Esta raposa verdadeira parecia-lhe muito inteligente, curiosa, rápida a afastar-se de perigos, esforçada a procurar comida, o senhor achava que ela precisava de muita comida, mas ainda assim ela era muito magra. Claro que o senhor não podia saber que a raposa estava a levar comida para os seus raposinhos e que quando conseguia que sobrasse comida ela a guardava enterrada na despensa da toca.

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Sempre que a raposa voltava ao jardim sabia que ia encontrar comida e também o senhor velhinho. Este encontro passou a fazer parte da maioria dos dias da raposa e do senhor velhinho. Quando chegou o inverno a raposa continuou a aparecer no jardim, com a mesma ânsia por comida de sempre e com cada vez menos receio do seu amigo.

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