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Contos por contar

Contos por contar

11
Fev23

Contos Pequeninos de Meninas & Meninos

Cristina Aveiro

 

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Este ano o meu trabalho, por razões de saúde, é na Biblioteca da escola. Estou a aprender muito sobre o que as crianças afinal gostam de escutar nos contos.

Como o que as crianças mais pequenas mais procuravam era fazer desenhos de forma livre, partimos daí e começamos a pedir-lhes para introduzir palavras, depois, como apareceram ideias fantásticas começamos a recolher, moldar e dar forma ao que as crianças iam inventando.

Afortunadamente tenho comigo a Celina Santiago que domina as técnicas de criação e execução na expressão visual e que tem vindo a descobrir que "levar os meninos" a criar contos é uma experiência fantástica.

Como muito já se fez e está a fazer-se, houve necessidade de partilhar o que vai surgindo nesta aventura e assim nasceu um blog dedicado ao projeto.

Venho partilhar convosco porque isso me faz feliz!

 

Contos Pequeninos de Meninas & Meninos

04
Fev23

A boneca que não falava…

Inventada por Clara Alarcón, Lara Alves, Mara Ferreira e Yara Pereira, guiadas por Celina Santiago,

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma menina que tinha recebido uma boneca que adorava, ela e todas as pessoas que a viam. Era uma boneca muito diferente de todas as que já tinha tido.

Havia apenas uma coisa que a menina gostava que fosse diferente na boneca. A menina queria que a boneca falasse. Sempre que brincava com a boneca ficava a sonhar com o dia em que a boneca desatasse a falar. Numa tarde de sol, enquanto brincava com a boneca, o seu sonho foi interrompido por uma fada que chegou toda apressada e perguntou:

- Foi aqui que pediram para vir uma fada? Qual é o desejo que é preciso realizar?

A menina ficou espantada e mal conseguiu dizer:

-Queria que a minha boneca falasse…

- Já está! – disse a fada e desapareceu tal como tinha aparecido.

A menina olhou para a boneca e perguntou-lhe:

- Consegues falar?

E a boneca começou a falar sem parar:

- Eu não lavo os dentes!

- Eu não tomo banho!

- Eu não gosto de ti!

- Eu não gosto do pai!

- Eu não gosto da vida!

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A menina ficou espantada e muito triste. Afinal a boneca agora falava, mas não queria fazer nada, dizia não a tudo?!

A menina chamou a fada, na esperança que ela conseguisse arranjar a boneca. A fada não apareceu e a menina foi ter com o seu pai. Como o pai era mecânico, a menina pensou que ele talvez conseguisse consertar a boneca.

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O pai começou a mexer na boneca e a pensar como poderia fazer para a arranjar, mas assim que começou a tentar, a boneca desatou a falar de novo:

- Eu gosto de lavar os dentes!

- Eu gosto de tomar banho!

- Eu gosto de ti!

- Eu gosto do pai!

- Eu gosto da minha vida!

- Eu gosto de ler!

- Eu gosto de brócolos!

- Eu gosto de escrever!

A menina começou a ficar cansada de ouvir a boneca. Agora ela só dizia que gostava de tudo e isso era aborrecido.

A menina foi ter com a sua mãe e contou-lhe o que estava a acontecer. A mãe da menina era professora e teve a ideia de ensinarem a boneca a dizer sim a algumas coisas e não a outras.

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Depois de passarem algum tempo a ensinar a boneca, que ficou a escutar tudo com muita atenção, a boneca começou devagarinho a dizer:

- Eu gosto de correr!

- Eu não gosto de jogar à apanhada!

- Eu gosto de ler!

- Eu não gosto de livros assustadores!

- Eu não gosto de magoar os amigos!

- Eu gosto de legumes!

- Eu não gosto de brócolos!

A menina ficou radiante, percebeu que assim começava a conhecer melhor a sua amada boneca.

A menina percebeu ainda melhor que é muito importante saber dizer sim e saber dizer não. Percebeu que devemos pensar pela nossa cabeça e escutar as pessoas que já sabem mais coisas do que nós e nos podem ajudar a decidir.

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Esta história foi inventada pelas meninas Clara Alarcón, Lara Alves, Mara Ferreira e Yara Pereira, guiadas pela mão de Celina Santiago (que criou e elaborou a boneca) e posta em palavras por Cristina Aveiro. 

 

 

30
Dez22

O calor do Natal

Cristina Aveiro

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Tinham sido dois anos de pandemia em que todas as tradições de Natal não se tinham cumprido. Juntarem-se todos na casa de uma das avós para aqueles dias tão especiais, com as decorações próprias de cada casa, as receitas e delícias de cada anfitriã fora algo de que todos tinham sentido a falta. Naqueles dois anos muitas coisas se tinham passado e durante bastante tempo muitas pessoas no mundo estiveram cientes de que o que mais importa é o que se vive, e não o que se tem, e naquela família esse sentir tinha ficado ainda mais forte.

As avós e os avôs estavam com menos energia, os anos são mais pesados para quem já tem muitos e todos notavam como se cansavam mais, como as suas dificuldades físicas tinham ficado maiores.

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Os filhos reuniram-se em conselho de duendes e decidiram que este Natal iam criar uma nova tradição. Este ano o Natal ia ser numa casa nova, que ia ser da família apenas enquanto lá estivessem. Decidiram que iam para Sul, para uma daquelas casas enormes pertinho do mar e da ria, para onde lhes era impossível ir no Verão, mas que no Inverno estavam sozinhas e tristes à espera de ser vividas. Tiveram de escolher uma que cumprisse o que sabiam que as avós iam gostar: cozinha grande com tachos enormes, lareira, …

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Quando a família se reuniu para combinar o Natal, os filhos disseram que este ano tinham uma prenda muito especial para todos: iam passar o Natal num lugar mais quente, numa casa grande com jardim e junto à praia. Os avós ficaram algo perdidos com a notícia, já tinham começado a pensar tudo com cuidado, as compras a fazer, as coisas a encomendar, … As crianças desataram a fazer mil perguntas: se iam ter presépio, quem ia fazer a decoração de Natal, se iam tomar banho no mar como no verão, … e já agora se o presente era ir para a casa junto ao mar, como ia ser com os presentes de Natal?

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Aos poucos todos foram acolhendo a notícia e começaram a fazer planos. As tarefas culinárias e de organização foram distribuídas por todos, deixando mais tempo a cada um e aliviando os avós das tarefas que sempre tinham assumido como suas. Como tinham também secretamente decidido que cada criança ia ter apenas um presente que fosse algo especial e desejado por ela, sobrava tempo e dinheiro face às buscas de muitos presentes de outros natais.

Quando partiram para a casa do Natal, havia uma mistura de alegria e confusão, afinal não ia ser nada como antes. Os avós tinham resistido a este plano, mas lá iam com os seus mimos natalícios na mala do carro e com roupas mais leves porque não ia haver frio, e quase de certeza não ia chover.

Quando chegaram ficaram todos encantados com a casa grande, branquinha, com a açoteia no topo de onde se via o mar, as janelas que davam para o jardim e para o telheiro da sala, a lareira,… Os adultos adoraram a simplicidade da casa, onde pouco tinha mudado desde quando há muito tempo tinha sido construída, as paredes caiadas, os tetos altos até ao telhado, o chão de tijoleira de barro vermelho amaciada pelo tempo, tudo mostrava que era uma casa idosa e feliz.

Começou uma azáfama para vestir a casa de Natal, presépio, decorações, …, na cozinha as várias equipas faziam as preparações para os pratos respetivos.

Quando tudo ficou organizado, e depois de um almoço simples, porque a ceia ia ser de consoada, saíram todos para aproveitar o sol, uns foram caminhar mais depressa a ver se conseguiam ir até à praia, os avós foram mais devagar aproveitar para caminhar no passadiço junto à ria e encher os pulmões daquele ar morno e cheio de aromas de maresia, dos arbustos das dunas, da ria, enfim, tão diferentes dos que tinham nos seus lugares. Notava-se os sorrisos nas pessoas idosas de outras paragens que passavam com mangas curtas e calções coloridos, embora usando agasalhos no tronco. Os avós observavam e notava-se que pareciam surpreendidos com aquela aparência ativa e coloridas daquelas pessoas que eram das suas idades e afinal pareciam bem mais novas.

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Os pequenos estavam encantados com a liberdade de terem a povoação e a praia quase sem ninguém. Podiam correr, andar por ali à vontade, quase não havia transito e só estavam lá os poucos residentes e alguns visitantes de países frios do Norte da Europa.

Quando o sol começou a ir-se embora, regressaram a casa, e todos já lhe chamavam a nossa casa, finalizaram-se as preparações da consoada envolvendo miúdos e graúdos.

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O ambiente natalício estava perfeito, com a fogueira, as decorações que tinham vindo na viagem e a azáfama de uma família feliz em noite de consoada.

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Este conto responde ao desafio da Isabel do blogue Pessoas e Coisas da Vida sob o mote "o meu conto de Natal" que já deu origem a duas coletâneas de contos pelas mãos da Isabel, do Zé do blogue Lados AB e a nossa ilustradora e escritora  Olga do blogue A cor da escrita

Gostava de partilhar com a Isa do blogue Um pássaro sem poiso, a Ana D. do green ideas, o Vagueando do blog Generalidades,  a Lúcia do Com um sorriso chegas ao infinito, o Casimiro do Folhas de luar,  a Oh da guarda peixe frito, a Concha, A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ,  a Rute Justino, a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, João-Afonso Machado, A Marquesa da Marvila,  a bii yue e outros de quem gosto tanto ...

 

20
Dez22

A Galinha sem Penas!

Ilustrações de Cristina Marto

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma galinha muito, muito vaidosa. Ela desde muito pequenina que era vaidosa e fazia tudo para dar nas vistas, tentava andar de uma forma diferente das outras galinhas, como se dançasse, tentava cantar fazendo sons diferentes das restantes galinhas. Um dia chegou ao capoeiro um grupo de novas galinhas que eram diferentes, não tinham penas no pescoço.

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Todas as galinhas, galos e frangos da capoeira ficaram muito intrigados com as galinhas sem penas no pescoço. A galinha vaidosa ficou muito perturbada porque todos estavam tão interessados nas galinhas que tinham acabado de chegar. Decidiu que tinha que voltar a ser o centro das atenções de toda a capoeira. Começou a pensar o que poderia fazer para que voltassem a dar-lhe atenção. Afinal ela era mais bonita, mais interessante e mais inteligente que essas galinhas sem penas no pescoço. Treinou de novo o seu canto e procurou fazer sons mais impressionantes, ensaiou novos passos dançantes, começou a praticar para voar mais alto do que a subida para o poleiro. Conseguiu fazer um canto mais impressionante, ainda mais esganiçado que antes, andou toda desengonçada, até parecia que lhe doíam as patas esgravatadeiras, os seus voos criaram grande alvoroço na capoeira, eram penas a cair e a andar pelo ar, ficavam todos incomodados com os voos da galinha, mas ainda assim as galinhas recém-chegadas continuavam a ser o centro das atenções no capoeiro.

 

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Decidiu que tinha que fazer alguma coisa mais radical, afinal porque é que ela não podia ter também o pescoço sem penas? E se gostavam tanto de pescoços sem penas, o que aconteceria se ela não tivesse penas nenhumas? Nunca se tinha visto nada assim. Ela tinha a certeza que nunca ninguém tinha visto uma galinha sem penas… Quem sabe se ela não se ia tornar uma galinha famosa em todo o mundo. Quanto mais pensava nesta ideia mais lhe parecia que era original e muito boa. Nunca lhe passou pela cabeça que se nunca tinha havido nenhuma galinha sem penas talvez isso não fosse uma boa ideia.

Convencida que a sua ideia era brilhante começou a tratar de a pôr em prática. Todos os dias à noite quando todos estavam a dormir arrancava as suas belas penas com o bico. Era difícil e fazia-lhe doer, mas ela estava determinada a ser a primeira galinha sem penas.

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Aos poucos ela começou a ficar com cada vez menos penas e as outras galinhas olhavam para ela curiosas. Até às galinhas sem penas no pescoço olhavam para ela com interesse. A galinha vaidosa ficou a achar que todos a admiravam porque ela estava a ficar mais bonita. Embora lhe doesse cada vez mais a pele, ela continuou a arrancar as penas até ficar totalmente sem penas.

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Assim que acabou de tirar todas as penas passou a pavonear-se pela capoeira exibindo a sua pele amarelinha com pontinhos mais altos em todos os sítios de onde tinha arrancado as penas. Ela ao princípio ficou contente porque todos na capoeira paravam para olhar para ela. Não conseguiam tirar os olhos dela, mas não pareciam gostar do que viam, estavam todos arrepiados com a imagem da galinha vaidosa, o aspeto dela era estranho e desagradável.

A galinha sem penas tinha frio, não conseguia aconchegar-se no ninho porque lhe faltava a fofura das penas, e embora sentisse que conseguia ter a atenção de todos não se sentia feliz.

A galinha vaidosa começou a ser acarinhada pelas outras galinhas do capoeiro e ela começou a admirá-las e a ver que eram bonitas com as penas, mas não se preocupavam com o que os outros achavam do seu aspeto. A galinha vaidosa não voltou a arrancar as suas penas e as penas começaram a nascer. Aos poucos a galinha voltava a ter o seu aspeto normal e estava a sentir-se cada vez mais feliz. A galinha vaidosa estava a deixar de ser vaidosa e estava a começar a gostar do seu aspeto normal e já não se esforçava por ser diferente das outras galinhas. A galinha que já não era vaidosa e que já não era a galinha sem penas era uma das galinhas bonitas do galinheiro e gostava de estar com as outras galinhas. Esta galinha passou a esforçar-se por agradar e ser amiga das outras galinhas em vez de querer ser diferente e de só querer que todos a admirassem. Agora a galinha sentia-se mais feliz, tinha descoberto que a amizade é mais valiosa que a admiração.

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04
Dez22

Lançamento dos Contos de Natal 2022

Cristina Aveiro

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Ontem foi um dia pleno de emoções! Na Biblioteca Municipal da Ericeira decorreu o lançamento do livro dos Contos de Natal deste ano, aventura de escrita a várias mãos mágicas do Sapal Encantado, que é esta comunidade de bloggers que se unem para criar algo belo, simples e cheio de partilha construtiva.

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Nem em sonhos me imaginei a estar na apresentação de um livro com tantos autores que adoro ler e ter nele também algo meu. Vinte e seis autores, tendo Alice Vieira participado com um conto seu neste livro e tendo estado connosco na apresentação com a sua simplicidade e alegria, de uma forma incomum para autores do seu gabarito e reconhecimento público.

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Na apresentação do livro contámos também com a participação da escritora Maria Manuel P. Reis que partilhou a sua experiência de vida e de escrita e que se encantou com a nossa comunidade do sapal, e quem sabe um destes dias vem também para o nosso bairro?!

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Os mentores, criadores e realizadores deste projeto foram inexcedíveis, a Isabel do blogue Pessoas e Coisas da Vida, o Zé do blogue Lados AB e a nossa ilustradora e escritora  Olga do blogue A cor da escrita.

Conheço muitos dos autores desde há dois anos e sinto verdadeira afeição por estes companheiros da aventura da escrita, mas nunca os tinha visto, escutado, abraçado e foi fantástico poder conhecer melhor os nossos mentores e a Isa do blogue Um pássaro sem poiso, a Ana D. do green ideas, o Vagueando do blog Generalidades,  a Lúcia do Com um sorriso chegas ao infinito, o Casimiro do Folhas de luar, e também os respetivos acompanhantes neste encontro.

Depois da Biblioteca, a magia da Ericeira fez-se sentir no restaurante Gabriel, onde as magnificas garoupas grelhadas abrilhantaram o repasto, e o aconchego da sala que foi a casa de uma tarde de partilha de livros, ideias, … de Natal!

Fiquei a sonhar com o próximo livro, com o próximo encontro, com encontrar e conhecer de perto os autores que ainda não estiveram presentes este ano. Sou muito grata a todos vós!

 

A nossa Comunidade de Blogs:

Diário de Fuga    Green Ideas   Busy as bee on a rainy day  That's It!  Because your smile make me live   Livros de cabeceira e outras histórias  Contos por Contar  1 Mulher  Folhas de Luar    Palhavras, escritasaborosas    Um Pássaro sem Poiso   Pessoas e Coisas da Vida    O que não mata, engorda e transforma-te num maratonista    José da Xã    Cantinho da Casa  Com um Sorriso chegas ao Infinito    Educar (com)Vida    Marta Velha - Writer    Liberdade aos 42    Diários de uma quarentona  Cidade dos Leões  A Cor da Escrita    Desabafos    Generalidades  Dia de Hoje

09
Nov22

A Princesa Pequenina

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma princesa muito bonita que deixava todos encantados no reino com a beleza dos seus olhos verdes que pareciam azuis e com os seus caracolinhos loiros. Tinha uma pele branquinha com bochechas rosadas e estava sempre a sorrir.

Como era a única filha do rei e da rainha iria ser ela que um dia iria governar o reino.

A menina ia crescendo e mantinha o seu sorriso alegre e luminoso e os seus caracóis foram crescendo e formando uma farta cabeleira que parecia uma chama amarela a saltitar por onde a menina passava. A menina adorava divertir-se e rir, todos conheciam as suas sonoras gargalhadas que eram contagiantes.

Os anos foram passando e a menina foi crescendo, mas continuava pequenina, já era quase adulta, mas continuava a ser baixinha, elegante e pouco corpulenta. As pessoas começavam a preocupar-se pois sendo ela assim franzina, será que seria suficientemente forte para tomar conta do reino? Os reis costumavam ser homens fortes e altos, e ela ia ser rainha e era baixinha e elegante.

A menina nada sabia destas preocupações porque ainda se ocupava apenas a aprender, a ler, a compreender as contas do reino, a escrever e explicar as suas ideias para grupos grandes de pessoas, enfim tudo aquilo que os crescidos têm de fazer, em especial se tiverem de tomar conta de um reino.

O que a menina mais gostava de fazer era vestir-se de forma simples, levar comida para o caminho e passar o dia a caminhar pelos vales e montes do reino. Com ela iam sempre as suas damas de companhia e alguns guardas. Quando a menina começou com estas caminhadas as damas e os guardas quase não conseguiam acompanhar o passo rápido da princesa, mas com o tempo todos se tornaram fortes e não havia caminho que lhes metesse medo. Não importava se subiam altas montanhas, se tinham de ir visitar grutas e buracas, se iam ver as nascentes dos rios, as cascatas, os lagos e diz-se que até foram junto ao mar. A princesa seguia sempre na frente cheia de entusiasmo com as descobertas que fazia.

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Aos poucos, no reino começou a saber-se que a princesa palmilhava todo o reino, conhecia aldeias e lugares e que mesmo as montanhas e vales sem gentes ela já tinha visitado. As gentes do reino admiravam-se por a princesa não andar montada no seu belo cavalo e preferir pisar o chão do reino com os seus pés, mas ela ia fazendo saber que só assim, mais devagar podia verdadeiramente ficar a conhecer os lugares e que também era importante saber o esforço que as gentes faziam quando percorriam a pé estes trilhos e caminhos.

A menina gostava de conversar com as gentes que encontrava no caminho, aprender sobre as suas vidas, os seus sonhos e os seus receios. Quando chegava a uma aldeia ou vila começava logo a correr a notícia de que a princesa tinha chegado e as pessoas vinham ter com ela trazendo flores, frutos, e procurando vê-la e conversar com ela.

Com o tempo a princesa ficou a conhecer tão bem o reino e as pessoas que nele viviam que até o rei lhe pedia conselhos sobre questões importantes que os governantes não sabiam, pois viviam o tempo todo em palácios.

No palácio a princesa gostava muito de cuidar das suas flores especiais que tinham vindo de um reino distante e eram frágeis e delicadas, adorava contemplar a Lua e as suas mudanças de tamanho, de forma e de cor. Trovão, o seu cão, era a sua companhia favorita e adorava falar com ele sobre tudo o que tinha aprendido em cada dia. Sem falar, mas escutando atentamente, Trovão parecia tudo compreender e o seu olhar e o seu “sorriso” bastavam para que a princesa pudesse sentir-se reconfortada.

 

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O rei continua a reinar, cheio de força e saúde, mas todos no reino agora sabem que quando chegar o tempo da princesa reinar tudo irá correr bem porque mesmo sendo pequenina, a princesa é também forte e poderosa e está mais sábia a cada dia que passa.

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08
Out22

Menina, senhora, fada, bruxa, princesa ou rainha???

Desafio Arte e Inspiração 2.0 - semana #4

Cristina Aveiro

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The Lady off Shalott de John William Waterhouse

Há muito, muito tempo, quando as noites eram escuras como breu porque apenas havia archotes para andar na escuridão, as gentes e a natureza ainda estavam unidas e tudo era muito diferente.

Nesses tempos quando o sol se ia deitar e escurecia, quase todos recolhiam às suas casas pequenas e simples, onde havia uma fogueira para dar luz, calor e cozinhar o que houvesse para a ceia. Quase todas as pessoas viviam em pequenos lugares, com apenas algumas casas, mas distantes umas das outras porque à volta das casas estavam os campos onde as pessoas cultivavam os seus alimentos. Nesse tempo distante não havia lojas ou lugares onde comprar. As pessoas trocavam entre si as coisas que precisavam, se tinham ovos podiam trocar por um pouco de leite com o vizinho que tinha cabras ou vacas, ou se tinham lã podiam trocar por sementes ou outra coisa que precisassem.

Numa dessas casas de pedra, perto do rio e da floresta, vivia uma família com seis rapazes e duas meninas e os seus pais. Tinham animais, três vacas, onze galinhas, dez cabras, sete ovelhas, dois porcos e um burro. Havia sempre muito trabalho para todos, a sua vida era passada a cultivar os campos, a tratar dos animais, enfim a manter o suficiente para poderem comer e aquecer-se todos os dias. As crianças mais velhas tomavam conta das mais novas e ajudam em todas as tarefas.

Os banhos e a lavagem das poucas roupas que tinham fazia-se no rio, fosse verão ou inverno. Os pequenos gostavam de ir ao rio a banhos, era um momento em que havia sempre brincadeiras, risos e gargalhadas. Quando iam secando ao sol e ao vento dois dos irmãos gostavam de se afastar um pouco caminhando ao longo das margens, procuravam uma zona de lagoa onde o rio era mais tranquilo, mas que ficava longe. Eles pensavam que esse lugar existia, mas não tinham a certeza, afinal tinham apenas escutado os irmãos mais velhos e falar sobre a lagoa, mas por vezes eles pregavam-lhes partidas e falavam de coisas que não existiam.

Sempre que podiam iam-se afastando um pouco mais, e mais, até que num dia se afastaram tanto que começou a escurecer e como o rio se tinha separado em dois já nem sabiam bem como regressar a casa.

Aninharam-se debaixo de uns arbustos grandes e espinhosos para ficarem protegidos quando viesse a noite e decidiram descansar. Os sons da floresta eram seus conhecidos, mas começaram a escutar um som diferente, parecia algo a deslizar nas águas do rio, que naquela zona já eram calmas. Começou por aparecer a ponta de um barco grande e preto com uma forma dourada no cimo, depois viram velas pousadas sobre o barco, lindas, perfeitas, brancas. Aos poucos foram aparecendo as mantas mais belas e coloridas que jamais tinham visto, pareciam pintadas com as papoilas e os malmequeres do campo. Por fim apareceu a menina, ou senhora, ou fada, bruxa, princesa ou rainha, mais luminosa e bela que alguma vez podiam ter imaginado. Vestia de branco com vestes longas, tinha cabelos longos e soltos de uma cor quase vermelha e tinha bordados brilhantes e dourados nas suas roupas.

Os rapazes nem respiravam, nem se mexiam, estavam cheios de medo, e ao mesmo tempo com uma enorme vontade de ver tudo o que estava à sua frente e que nunca tinham visto. O barco continuou rio abaixo e a mulher continuou a olhar o rio de frente, bem direita e só, a navegar o barco.

Quando desapareceu, os rapazes ainda ficaram um bocado sem se mexer nem falar, parecia que tinham ficado transformados em estátuas. Aos poucos começaram a falar baixinho um com o outro, a partilhar o que tinham sentido, o medo, o encanto, o espanto…

Veio a noite e ali dormiram, no dia seguinte retomaram o caminho para regressar a casa. Ainda estavam como que enfeitiçados pelo que tinham visto, não conseguiam falar de outra coisa. Estavam preocupados porque sabiam que os pais iam estar zangados com eles por se terem afastado. Estavam também sem saber o que fazer sobre o que tinham visto, se deviam contar (mas talvez ninguém fosse acreditar), se deviam guardar para eles (mas os pais acabavam sempre por descobrir tudo o que eles queriam esconder).

Todo o caminho pensaram e repensaram, e continuaram sem saber o que fazer.

E tu, como farias?

 

Todas as quartas-feiras eu e a Fátima Bento, a Ana D., a Ana de Deus, a Ana Mestre, a bii yue, a Célia, a Charneca Em Flor, , a Imsilva, o João-Afonso Machado, o José da Xã, a Luísa De Sousa, a Maria, a Maria Araújo, a Mia, a Olga, a Peixe Frito, a Sam ao Luar, e SetePartidas publicamos um texto relativo ao quadro da semana, que é apresentado todas as sextas de manhã.

 

  

28
Set22

A menina que cantava!

Desafio Arte e Inspiração 2.0 - semana #3

Cristina Aveiro

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Tinha nascido em casa dos avós num bairro de ruas estreitas e inclinadas sobre o rio. Era um bairro de gente simples, com poucas posses, mas onde sempre que havia ocasião se cantava e todos se juntavam nas pracetas, pois as casas eram pequenas e a rua era parte das suas casas.

Os pais ficaram a viver algum tempo com os avós, mas depois regressaram à sua casa na aldeia procurando melhor ganha-pão. A menina foi ficando com os avós e acabou por crescer com eles. Na cidade a escola ficava mais perto e os avós ajudavam no seu sustento.

A menina cresceu feliz nas ruas do bairro e desde muito pequena sempre que podia ia escutar as cantadeiras e os homens que tocavam guitarra para as acompanhar. Quando não podia ir para junto das tabernas onde cantavam por já ser tarde e os avós não deixarem, ia pôr-se ao varandim a escutar as cantigas. A música fazia-a sentir-se bem, havia uma mistura de tristeza e gargalhadas no meio das cantorias.

Sem dar por isso, começou a cantar as cantigas que escutava àquelas mulheres altas, esbeltas e lindas, nos seus cabelos longos e faces rosadas. A menina sentia que eram mulheres poderosas, mulheres que faziam com que todos se virassem à sua passagem, eram os seus ídolos.

No bairro todos começaram a reparar na miúda que cantava como as fadistas, ficavam impressionados com a sua voz, e com a forma como cantava canções que falavam de emoções de adulto, mas que ela reproduzia como se já as tivesse experienciado.

Aos poucos todos começaram a pedir que cantasse, nas tardes de domingo, nos Santos Populares, nas marchas, … Um dia a menina disse aos avós que queria ir cantar como as mulheres crescidas que cantavam o fado. Os avós disseram que nem pensasse em tal coisa. Podia cantar numa festa ou outra, mas nos lugares do fado nem pensar.

A menina cedo deixou a escola para trabalhar a vender peixe na rua de modo a ajudar no sustento da casa. As vendas corriam-lhe bem pois os seus pregões cantados com voz de fadista traziam as gentes à sua canastra.

A menina cresceu, nunca deixou de cantar, tornou-se uma fadista requisitada. Na sua casa pobre e pequena havia sempre guitarras e cantigas, gente boémia e uma alegria estouvada. Tornara-se uma bela mulher morena, magra, de olhos escuros e longos cabelos negros que enfeitava com lenços de seda de ramagens. Agora também se voltavam quando a viam passar! Amava a sua música, mas percebia agora os receios dos seus avós.

 

Todas as quartas-feiras eu e a Fátima Bento, a Ana D., a Ana de Deus, a Ana Mestre, a bii yue, a Célia, a Charneca Em Flor, , a Imsilva, o João-Afonso Machado, o José da Xã, a Luísa De Sousa, a Maria, a Maria Araújo, a Mia, a Olga, a Peixe Frito, a Sam ao Luar, e SetePartidas publicamos um texto relativo ao quadro da semana, que é apresentado todas as sextas de manhã.

 

21
Set22

A menina de sua Mãe!

Desafio Arte e Inspiração 2.0 - semana #2

Cristina Aveiro

Young Mother Sewing-Mary Cassatt-1900.jpg

Sempre fora assim, tinham-se uma à outra, parecia que eram quase um único ser. A menina adorava a sua mãe, os dias eram passados com ela em pleno. Quando a mãe cuidava da casa a menina seguia os seus passos, quando ia lavar a roupa ao rio acompanhava a mãe, no início ficava sentada numa bacia de zinco, depois já ficava sentada na margem, ou a chapinhar no rio quando era Verão. Quando já era mais crescida até gostava de tentar apanhar peixinhos que depois levava para casa, mas que para surpresa sua acabavam por morrer, tal como a mãe já antes tinha vaticinado, mas que a menina não conseguia acreditar.

O pai adorava a menina e a mãe, mas estava pouco tempo em casa, tinha sempre de ir a muitos sítios no seu carro verde cheio de tecidos e outras coisas para vender às pessoas que precisavam. Assim, a maior parte do tempo da menina passava-se na companhia da sua mãe.

A menina adorava o tempo que a mãe passava naquele lugar da casa a que chamavam casa da costura, onde havia uma bela máquina Singer, onde a mãe costurava longas horas sacas do pão, a partir de tecidos cortados que cheiravam muito bem, cheiravam a algodão, num cheiro quente e intenso que quase parecia o do pão quente que iriam albergar.

A menina gostava de tudo naquele ritual, desde o som ritmado da máquina de costura a galope tranquilo, ao cheiro doce das sacas que pareciam já ter o pão lá dentro, até às tarefas que lhe deixavam fazer. A menina podia virar do avesso as sacas depois de terem sido cozidas uma primeira vez. A mãe dizia sempre que ela tinha ajudado muito e que se notava como estava crescida. Mais tarde, quando já conseguia controlar melhor os movimentos, a mãe deixava-a colocar a fita de nastro nas sacas usando um alfinete de ama, que empurrado e puxando fazia a fita chegar ao outro lado e depois dava o nó para ficar fechada a fita.

Quando começava a ficar cansada, a menina deitava-se sobre o monte das sacas já feitas e a mãe continuava a cozer sem parar e a menina, embalada pelo som amigo e tranquilo da máquina de costura começava a fechar um pouco os olhos e quando dava conta já tinha adormecido.

Acordava quando o som da máquina parava e ficava tonta e estremunhada, procurando a mãe e resmungando porque o sol já se tinha ido embora e a menina não o tinha visto partir.

Oh! Como a casa da costura era um lugar mágico! Oh! Como nada de mal podia acontecer por ali! Durante o resto da sua vida, a menina, sempre que se sentia em água turbulentas regressava à casa da costura e ali ficava com a sua mãe e nada no mundo era mau, perigoso ou triste. Ali tudo era calmo, cheio de amor e tranquilidade para todo o sempre!

 

 

PS: Quando vi esta pintura pela primeira vez no MOMA, nem sabia que tinha havido impressionistas americanos, tinha ido lá para ver os nossos mestres europeus. Tive de trazer um poster do quadro para oferecer à minha mãe. Muitos anos mais tarde, a minha mãe pode ir ver o mesmo quadro ao MOMA e trouxe três reproduções deste quadro e ofereceu uma a cada uma das suas três filhas. A máquina de costura e costurar sempre foram uma companhia da minha mãe e das meninas que foram nascendo e mesmo os rapazes (netos) sentem algum fascínio por costurar com a avó.

 

Todas as quartas-feiras eu e a Fátima Bento, a Ana D., a Ana de Deus, a Ana Mestre, a bii yue, a Célia, a Charneca Em Flor, , a Imsilva, o João-Afonso Machado, o José da Xã, a Luísa De Sousa, a Maria, a Maria Araújo, a Mia, a Olga, a Peixe Frito, a Sam ao Luar, e SetePartidas publicamos um texto relativo ao quadro da semana, que é apresentado todas as sextas de manhã.

Se se quiser juntar a nós, esteja à vontade, diga apenas que o vai fazer!

(o desafio termina na última semana de novembro )

18
Set22

"partilha palavras de sabedoria que alguém te disse um dia"

52 semanas de 2022 | tema 32

Cristina Aveiro

Idosa desconstruida.jpg

A menina Emília, uma senhora  idosa, sábia e com uma enorme capacidade de viver de forma feliz, não se casara e vivia com as irmãs também solteiras e com o irmão. Eram uma família harmoniosa, ativa na sociedade, sendo os irmãos agricultores e ela contínua muito respeitada de uma grande escola secundária da cidade.

Já os conheci quando viviam a fase final das suas vidas, gostava muito de conversar com a menina Emília. Gostava também de lhe fazer pequenas provocações dentro dos limites do respeito e educação. Numa dessas conversas algo provocatórias eu defendia que ser mais jovem correspondia sempre a uma situação de vantagem face aos idosos. O jovens eram mais belos, até as pessoas feias quando jovens eram mais bem parecidas, eram, em geral mais saudáveis, podiam fazer mais coisas, enfim... A menina Emília escutou-me com atenção e quando eu esgotei os argumentos ela disse-me serenamente:

- Há uma enorme vantagem dos idosos face aos jovens. Os idosos têm a garantia da vida vivida, enquanto que os jovens têm uma enorme incerteza relativamente ao que virá a ser a sua.

Matutei bastante tempo sobre esta forma de pensar, aliás ainda hoje penso nela. É um pouco como "mais vale um pássaro na mão que dois a voar". Quando a passagem do tempo me trás alguma contrariedade em termos físicos, vem-me sempre à mente que esse é o preço a pagar por já ter vivido, e que isso foi muito bom.

 

Texto no âmbito do desafio 52 semanas de 2022 lançado pela Ana de Deus no seu blog busy as a bee on a rainy day.

 




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