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Contos por contar

Contos por contar

01
Jul23

Os peixes não são todos iguais?!

Cristina Aveiro

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Há muito muito tempo, ou talvez agora mesmo, aqui mesmo ao lado, no mar desta praia, ou talvez num mar distante nunca visitado pelas pessoas, havia um mundo cheio de vida com muitos, muitos habitantes.

Tinham os corpos longos em formato de pena, com rabos e barbatanas e dois pequenos olhos, um de cada lado da cara. Quando nasciam eram todos iguais, de um cinzento azulado, cobertos de escamas prateadas que lançavam a luz em sua volta em mil cores brilhantes. Nas manhãs refletiam os tons de azul e cinzento do oceano. Por vezes ao pôr do sol, nos dias límpidos de sol intenso brilhavam com tons de laranja e rosa.

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À medida que iam crescendo as escamas iam mudando e surgiam formas e padrões diferentes nas escamas e cada peixe passava a refletir apenas algumas cores, ora vermelhos, ora verdes e azuis e tantas outras cores sem regra nem norma comum. A única regra era que o corpo se mantinha longo e em formato de pena, com os rabos e barbatanas e os olhos no mesmo lugar.

Havia peixes que todos reconheciam como os mais belos, ora pelos seus belos padrões regulares e majestosos das escamas, ora por terem cores diferentes do que alguma vez se tinha visto, ou simplesmente porque emanavam beleza por onde passavam.

Havia também peixes que pareciam ter cores ao acaso, que tinham poucos padrões nas suas escamas e os que tinham pareciam ter sido feitos à pressa e ao acaso, nalguns casos eram mesmo feios.

Podia pensar-se que os peixes mais belos seriam mais importantes, mais respeitados admirados e estimados pelo cardume. Podia imaginar-se que os peixes menos belos e até algo feios eram desprezados, desconsiderados e desrespeitados pelos outros peixes do cardume, mas... naquele mar e naquele cardume tudo se passava de modo muito diferente. Todos sabiam que todos os peixes eram igualmente importantes e que na verdade a essência da beleza do cardume era o conjunto de todos, com a diversidade de cores, padrões e tipos de beleza. Todos eram fundamentais para que o conjunto fosse mais rico, mais belo e surpreendente.

A identidade do cardume era a sua diversidade e harmonia.

Todos juntos conseguiam iludir e defender-se dos peixes maiores que andavam sempre a rondar o cardume procurando alimento para sobreviver no enorme reino do oceano.

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Este texto foi inspirado nas sardinhas decoradas pelas crianças que frequentam a Biblioteca da minha escola. Quando vi o seu trabalho senti esta história.

Sou apaixonada pelo tema das sardinhas, quase levei a mãe do meu marido ao desespero quando lhe propus que bordasse um quadro com sardinhas para uma das minhas filhas...

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25
Jun23

O Jardim das Rosas

Cristina Aveiro

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Era uma vez um enorme jardim onde havia lagos, estufas, bosque, floresta, … e uma enorme zona quadrada, cercada por altas sebes de cameleiras centenárias, onde as únicas plantas com flor eram roseiras.

No jardim das rosas, assim lhe chamavam, não havia duas roseiras iguais e eram muitas, quase mil. Em cada roseira, as rosas que nasciam também eram sempre diferentes, embora tendo a mesma cor, a mesma forma, cada uma era diferente e especial. Havia rosas de todas as cores, tamanhos e feitios. Havia rosas enormes, pequenas, muito pequeninas, cheias de pétalas, outras singelas com poucas pétalas, quase pareciam malmequeres.

No meio de tantas rosas havia uma rosa pequenina, que tinha nascido como um botão perfeito, bem cheio de pétalas brancas que à medida que abria deixava todos os visitantes do jardim encantados com a beleza das suas pétalas brancas, com o doce aroma suave que deixava no ar. A sua beleza singela, mas imponente ao mesmo tempo era a sua essência.

O jardineiro chamava à pequena rosa branca, Rosinha, tal era o carinho que tinha pela pequena flor.

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Três canteiros mais à frente, numa enorme roseira, havia uma rosa onde os visitantes do jardim também paravam sempre para a contemplar. Era uma rosa grande, volumosa, muito elegante, com pétalas aveludadas de uma cor irresistível, alguns diziam que era carmim escuro, outros diziam que era vermelho alaranjado ou laranja avermelhado. Na verdade, não havia uma cor que a definisse.

Tinha um perfume intenso e agradável que inundava o ar em volta do canteiro.

Com tanta beleza e encanto podia imaginar-se que fosse bela por fora e feiosa por dentro, mas era uma rosa bondosa e feliz no seu jardim.

O jardineiro chamava-lhe Senhora Rosa e tinha enorme prazer em cuidar dela.

A pequena rosa branca admirava imenso a Senhora Rosa, gostaria de ter a sua cor única, admirava a sua elegância e gostaria de ter o seu aroma.

Na verdade, a Rosinha sentia-se feia, pequena, sem beleza ou elegância. Não conseguia perceber que os visitantes a admiravam tanto quanto à Senhora Rosa. Quando as outras rosas do jardim lhe diziam o quanto a admiravam, a Rosinha dizia sempre que era insignificante e quase feia.

Um dia a Senhora Rosa em conversa com a Rosinha explicou-lhe o quanto a admirava, o quanto gostava da luz que as suas pequenas e delicadas pétalas brancas enviavam para todo o jardim. Disse ainda que adorava o seu tamanho pequeno que lhe recordava a sua infância em que sentia muito menos a força do vento quando soprava.

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A Rosinha abriu as pétalas de espanto! Nunca pudera imaginar que a Senhora Rosa a admirasse!

As centenas de rosas do jardim assistiam admiradas a esta conversa e, sentindo enorme gratidão por viverem naquele jardim mágico, começaram a cantar uma canção sobre a Rosinha e a Senhora Rosa, as únicas rosas com nome daquele jardim!

 

Este texto foi inspirado no Jardim Botânico do Porto - Casa dos Avós de Sophia de Mello Breyner Andresen e em duas Rosas de quem gosto muito.

03
Jun23

As Criaturas do Pinhal

Cristina Aveiro

 

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Naquele Pinhal encostado ao mar bravo de grandes ondas e vendavais havia seres que não se viam em mais lugar nenhum, na verdade nem mesmo naquele Pinhal.

Quando se passeava nos longos caminhos retos e ortogonais daquela floresta imensa, se se escutasse com atenção, ouvia-se o sussurro dos ramos dos pinheiros altos que se misturava com o rugir do mar lá ao longe, com a voz do vento que os movia e com o canto dos pássaros. Era aquela a voz da Catedral Verde, assim lhe chamara um dos seus amantes, era única e viciante. Quem conseguisse escutar a voz e sentir no coração a sua vibração ficava para sempre apaixonado por aquele lugar, nunca mais conseguia viver muito longe dele e tinha de voltar uma e outra vez bem amiúde.

As criaturas do Pinhal passeavam no manto emaranhado de fetos altos e verdes na Primavera, nas copas dos pinheiros altos no Verão, pelo meio dos mantos de cogumelos no Outono e nas charcas que se formavam nas chuvas do Inverno.

Divertiam-se a abanar os ramos dos pinheiros fazendo cair as pinhas e as carumas, mesmo sem haver vento, espalhando o penisco. Sim o penisco, as pequenas sementes de pinheiro com a sua bela asa voadora que as levava longe antes de pousarem na caruma entrelaçada.

Os pequenos seres mágicos adoravam atrapalhar o caminho das borboletas nos seus voos à volta das pequenas flores rasteiras que enfeitavam o chão arenoso do Pinhal durante todo o ano.

No Outono as criaturas mágicas espalhavam os esporos dos míscaros amarelos, dos cantarelos, e de tantos outros cogumelos que deixavam no ar um aroma especial a bosque e a molhado.

Na Primavera as criaturas pintavam de amarelo as flores dos tojos e nascia um verdadeiro oceano amarelo debaixo do teto verde das copas dos pinheiros.

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Não se sabia como eram as criaturas mágicas, mas todos tinham a certeza que cheiravam a resina, a pinhão e a maresia. Embora não as conseguissem ver todos acreditavam que eram uma espécie de nevoeiro de mil tons de verde luminoso e brilhante como a cauda de um cometa. Nas noites de nevoeiro e lua cheia havia quem dissesse que se podiam ver os rastos que deixavam no nevoeiro prateado.

Todos os habitantes das redondezas amavam o Pinhal gigante e mágico que era uma verdadeira muralha protetora da fúria do mar, dos vendavais e das areias voadoras. Gostavam de passear pelos caminhos geométricos do Pinhal, os aceiros e arrifes, pelos trilhos sinuosos como o do comboio de lata.

No Pinhal podiam beber água em tantas fontes… a da Água Formosa, a Férrea, a das Canas, a do Sardão, a da Garcia, a Nova, a de São Pedro, a do Tremelgo, a da Felícia, a dos Franceses… Todas as fontes eram lugares muito especiais, onde havia plantas e animais diferentes, típicos dos lugares encharcados. E os poços do Pinhal?! Eram muitos, mas os mais importantes eram o poço dos ingleses, o do fogo velho e o do nove.

No Pinhal os pinheiros mais altos e perfeitamente retilíneos eram chamados Pau Real, ou Sementões e tinham nomes e números tal era a sua importância.

Já as ribeiras eram lugares misteriosos, onde a luz do sol era coada pela vegetação densa e onde havia árvores gigantes, eucaliptos seculares, carvalhos alvarinhos enormes. Os habitantes não conseguiam saber se a Ribeira mais mágica era a de Moel, a do Tremelgo a do Rio Tinto ou a da Guarda Nova, mas de todas a de Moel era a mais concorrida.

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Junto à ribeira de Moel havia um lugar a que chamavam Vale dos Pirilampos que fascinava todos quando as pequenas luzes pintavam o ar com os seus bailados. Acreditava-se que as criaturas mágicas se abrigavam nestas zonas densas quando dormiam embaladas pelo canto dos pássaros.

Os habitantes amavam tanto o seu Pinhal encantado que tinham construído torres altíssimas com escadas em caracol até ao topo em lugares elevados, a torre do Facho, a da Crastinha, a da Boavista e a do Ponto Novo. No topo das torres havia uma pequena sala envidraçada onde dois habitantes faziam continuamente a vigilância do Pinhal e enviavam mensagens para as aldeias com pombos de correio sempre que avistavam ameaças para a floresta.

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A meio do Pinhal, junto ao mar, havia um farol que para além de guiar os navios também fazia a vigilância do tão precioso Pinhal.

O Pinhal estendia-se até às dunas da praia que contornavam todo o Pinhal a poente, e mesmo aí cresciam pinheiros. Eram moldados pelo vento, fazendo um enorme esforço para crescer apesar dos fortes ventos vindos do mar. Estes pinheiros não conseguiam crescer rumo ao céu. Cresciam deitados sobre as dunas, rastejando, erguendo-se um pouco de onde em onde, para depois voltar ao chão. Eram torcidos e retorcidos, sempre mais baixos do lado do mar e um pouco mais altos do lado do Pinhal.

Nas dunas havia outros companheiros na luta pela sobrevivência, os samoucos, as camarinheiras, os cardos lilases, os lírios das areias, … eram uma verdadeira barreira de proteção para as árvores e plantas do interior do Pinhal.

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Num dia trágico, o que ninguém podia imaginar aconteceu. Um incêndio gigante, furioso, incontrolável devorou quase todo o Pinhal. Queimou mesmo as dunas só parando na areia da praia.

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Foto: Hélio Madeira

Os habitantes ficaram desolados, sem saber como sobreviver àquele inferno de fogo que depois se tornou num deserto de cinza e negro. Acreditavam que as criaturas tinham sido destruídas pelo poder das chamas do terrível fogo apocalíptico. Imaginavam que tinham perdido para sempre o Pinhal secular que era parte da sua identidade.

A Natureza, rapidamente, na sua imensa força de vida, fez nascer pequenas plantas, começando a pintar de verde o imenso deserto cinza.

Ano após ano, vieram os pequenos arbustos, lá no meio, pequeninos pinheiros aninhados na vegetação rasteira foram aparecendo, frágeis, mas cheios de vida. As gentes plantaram pinheiros e outras árvores, mas eram incapazes de tratar de todo o imenso espaço nu e vazio.

Todos começaram a acreditar que as criaturas mágicas afinal deviam ter fugido do fogo, deviam ter resistido, que talvez tivessem ficado a pairar sobre a Lagoa da Saibreira durante o fogo. Sabiam que as Criaturas tinham voltado a fazer nascer os pinheiros por todo o Pinhal.

Agora todos sentiam que tinham ainda mais de se empenhar a cuidar e a fazer renascer a sua amada Catedral Verde porque assim tinha de ser.

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Vídeo sobre o Pinhal hoje e a sua recuperação, infelizmente, devido às condições atmosféricas adversas não foi possível avistar as Criaturas.

Para saber mais sobre o Pinhal, a sua história, imagens do passado, lugares a descobrir, deixo-vos estes dois fantásticos blogues onde recolhi informação preciosa e aprendi sobre este lugar que amo.

https://pinhaldorei.net/lugares-recantos/

http://opinhaldorei.blogspot.com/

 

27
Mai23

As meninas e o Tempo

Cristina Aveiro

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Era uma vez duas meninas pequeninas que adoravam brincar, inventar objetos novos, pintar, desenhar, cantar, correr e saltar e rir sem parar.

Um dia veio o Tempo e com os seus vagares foi fechando as meninas em corpos enormes, obrigou-as a ficarem muito sérias, talvez até importantes, prendeu-as em casas grandes com muitas coisas para fazer.

As meninas já não podiam fazer as coisas que gostavam: brincar, inventar, correr, rir e saltar. As meninas tinham que fazer coisas a que chamavam trabalho e estavam sempre com outras pessoas com corpos enormes, ninguém brincava ou fazia coisas só porque se sentia feliz e queria mostrar isso com todo o seu corpo, correndo, saltando e rindo.

Neste mundo tudo tinha muitas regras, havia momentos para correr, mas sem rir ou fazer “tontices”, momentos para cantar, mas em lugares próprios e da maneira adequada, momentos em que se podia chorar, mas eram muito poucos, momentos para rir, mas devia ser a seguir a dizerem certas coisas, … e por aí fora, sempre com regras e mais regras. Nada do que fosse espontâneo e fora das regras era bem recebido.

Quase parecia um daqueles teatrinhos que as meninas faziam antes, mas com caras vazias, sempre a dizer que estavam cansados, sempre pouco contentes com tudo e com nada.

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Não é preciso dizer o quanto as meninas se sentiam presas e sem vontade de representar aquele teatrinho da vida das pessoas com os corpos grandes, mas o Tempo não deixava que fosse de outra maneira.

Os únicos momentos em que as meninas voltavam a ser livres era quando ficavam as duas sozinhas, ou então quando estavam só com meninas e meninos. Nestes momentos tudo voltava a ser mágico! Era como se nunca tivesse vindo o Tempo.

As meninas inventavam as suas coisas, faziam novos objetos, falavam sem parar de ideias tontas que as faziam rir lá do fundo. Subiam para as mesas e faziam discursos inventados sobre o que lhes viesse à cabeça, ora eram fadas, ora bruxas encantadoras ou leoas corajosas.

Nesses momentos mágicos, em que voltavam a ser meninas só havia uma coisa que as preocupava. Receavam sempre que chegasse alguma pessoa dos corpos grandes. Já tinha acontecido e tinha sido perturbador. As pessoas dos corpos grandes ficavam a olhar reprovadoramente e com desdém. Era quase como se achassem que as meninas (que continuavam presas nos seus corpos enormes) estivessem doentes, ou fossem de outro planeta. Faziam perguntas desagradáveis:

- O que estão a fazer?

- Para que serve isso?

- Porque é que estão tão contentes?

- Voltaram a ser criancinhas?

As meninas fechavam o rosto e nem explicavam nada porque sabiam que quem fazia estas perguntas nunca iria compreender as respostas.

As meninas ficavam sempre tristes por perceberem que as pessoas dos corpos grandes dizendo que adoravam as crianças, na verdade, consideravam-nas inferiores a elas, menos importantes, como se não tivessem nada para ensinar só por serem pequenas.

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Quando as meninas estavam só com crianças ficavam também livres do Tempo e todos se divertiam juntos. Havia brincadeira, teatrinhos, cantorias, jogos, riscos e rabiscos, abraços verdadeiros e o mundo ficava perfeito por algum tempo.

O Tempo nunca deixou as meninas voltarem a ser livres. Os seus corpos enormes começaram a encolher aos poucos e já funcionavam mal. As caras das meninas eram já muito enrugadas e os cabelos ralos e branquinhos. Apesar de os seus corpos serem já frágeis continuavam, sempre que conseguiam, a ter os seus momentos mágicos, onde eram meninas que brincavam e faziam coisas “tontas”.

Um dia o Tempo, cansado de as prender, devolveu-lhes a liberdade e as meninas voaram. São agora duas estrelas marotas e rabinas que nunca deixaram de ser meninas.

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26
Mai23

Parabéns José da Xã!

Cristina Aveiro

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Há dias em que somos surpreendidos com mimos e alegrias inesperadas.
Aconteceu-me receber ontem o primeiro livro do Jose da Xã, um amigo de escrita do mundo dos blogues e fiquei muito feliz e grata.
O José da Xã é um Homem com o dom da escrita e da criatividade que me inspira e é inspiração em várias dimensões da Vida.
A Olga Pinto, amiga deste mundo das escritas, criou uma capa Magnífica!!! Muitos Parabéns Olga!
Tive o privilégio de o José ter escolhido um comentário meu para a contracapa sobre um dos seus personagens. https://josedaxa.blogs.sapo.pt/
 
Sou muito feliz e grata por ter sido acolhida neste grupo a que eu chamo com muito carinho Sapal Encantado.
 
Estão também de parabéns todos os que lançaram desafios e os que aceitaram ser desafiados neste lugar diferente.
Tenho saudades da escrita e de todos vós, mas a seu tempo voltarei!
 
Partilhar bons momentos torna-os ainda melhores!
 
Como diz o Zé:
"A gente lê-se por aí!"
11
Fev23

Contos Pequeninos de Meninas & Meninos

Cristina Aveiro

 

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Este ano o meu trabalho, por razões de saúde, é na Biblioteca da escola. Estou a aprender muito sobre o que as crianças afinal gostam de escutar nos contos.

Como o que as crianças mais pequenas mais procuravam era fazer desenhos de forma livre, partimos daí e começamos a pedir-lhes para introduzir palavras, depois, como apareceram ideias fantásticas começamos a recolher, moldar e dar forma ao que as crianças iam inventando.

Afortunadamente tenho comigo a Celina Santiago que domina as técnicas de criação e execução na expressão visual e que tem vindo a descobrir que "levar os meninos" a criar contos é uma experiência fantástica.

Como muito já se fez e está a fazer-se, houve necessidade de partilhar o que vai surgindo nesta aventura e assim nasceu um blog dedicado ao projeto.

Venho partilhar convosco porque isso me faz feliz!

 

Contos Pequeninos de Meninas & Meninos

04
Fev23

A boneca que não falava…

Inventada por Clara Alarcón, Lara Alves, Mara Ferreira e Yara Pereira, guiadas por Celina Santiago,

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma menina que tinha recebido uma boneca que adorava, ela e todas as pessoas que a viam. Era uma boneca muito diferente de todas as que já tinha tido.

Havia apenas uma coisa que a menina gostava que fosse diferente na boneca. A menina queria que a boneca falasse. Sempre que brincava com a boneca ficava a sonhar com o dia em que a boneca desatasse a falar. Numa tarde de sol, enquanto brincava com a boneca, o seu sonho foi interrompido por uma fada que chegou toda apressada e perguntou:

- Foi aqui que pediram para vir uma fada? Qual é o desejo que é preciso realizar?

A menina ficou espantada e mal conseguiu dizer:

-Queria que a minha boneca falasse…

- Já está! – disse a fada e desapareceu tal como tinha aparecido.

A menina olhou para a boneca e perguntou-lhe:

- Consegues falar?

E a boneca começou a falar sem parar:

- Eu não lavo os dentes!

- Eu não tomo banho!

- Eu não gosto de ti!

- Eu não gosto do pai!

- Eu não gosto da vida!

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A menina ficou espantada e muito triste. Afinal a boneca agora falava, mas não queria fazer nada, dizia não a tudo?!

A menina chamou a fada, na esperança que ela conseguisse arranjar a boneca. A fada não apareceu e a menina foi ter com o seu pai. Como o pai era mecânico, a menina pensou que ele talvez conseguisse consertar a boneca.

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O pai começou a mexer na boneca e a pensar como poderia fazer para a arranjar, mas assim que começou a tentar, a boneca desatou a falar de novo:

- Eu gosto de lavar os dentes!

- Eu gosto de tomar banho!

- Eu gosto de ti!

- Eu gosto do pai!

- Eu gosto da minha vida!

- Eu gosto de ler!

- Eu gosto de brócolos!

- Eu gosto de escrever!

A menina começou a ficar cansada de ouvir a boneca. Agora ela só dizia que gostava de tudo e isso era aborrecido.

A menina foi ter com a sua mãe e contou-lhe o que estava a acontecer. A mãe da menina era professora e teve a ideia de ensinarem a boneca a dizer sim a algumas coisas e não a outras.

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Depois de passarem algum tempo a ensinar a boneca, que ficou a escutar tudo com muita atenção, a boneca começou devagarinho a dizer:

- Eu gosto de correr!

- Eu não gosto de jogar à apanhada!

- Eu gosto de ler!

- Eu não gosto de livros assustadores!

- Eu não gosto de magoar os amigos!

- Eu gosto de legumes!

- Eu não gosto de brócolos!

A menina ficou radiante, percebeu que assim começava a conhecer melhor a sua amada boneca.

A menina percebeu ainda melhor que é muito importante saber dizer sim e saber dizer não. Percebeu que devemos pensar pela nossa cabeça e escutar as pessoas que já sabem mais coisas do que nós e nos podem ajudar a decidir.

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Esta história foi inventada pelas meninas Clara Alarcón, Lara Alves, Mara Ferreira e Yara Pereira, guiadas pela mão de Celina Santiago (que criou e elaborou a boneca) e posta em palavras por Cristina Aveiro. 

 

 

30
Dez22

O calor do Natal

Cristina Aveiro

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Tinham sido dois anos de pandemia em que todas as tradições de Natal não se tinham cumprido. Juntarem-se todos na casa de uma das avós para aqueles dias tão especiais, com as decorações próprias de cada casa, as receitas e delícias de cada anfitriã fora algo de que todos tinham sentido a falta. Naqueles dois anos muitas coisas se tinham passado e durante bastante tempo muitas pessoas no mundo estiveram cientes de que o que mais importa é o que se vive, e não o que se tem, e naquela família esse sentir tinha ficado ainda mais forte.

As avós e os avôs estavam com menos energia, os anos são mais pesados para quem já tem muitos e todos notavam como se cansavam mais, como as suas dificuldades físicas tinham ficado maiores.

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Os filhos reuniram-se em conselho de duendes e decidiram que este Natal iam criar uma nova tradição. Este ano o Natal ia ser numa casa nova, que ia ser da família apenas enquanto lá estivessem. Decidiram que iam para Sul, para uma daquelas casas enormes pertinho do mar e da ria, para onde lhes era impossível ir no Verão, mas que no Inverno estavam sozinhas e tristes à espera de ser vividas. Tiveram de escolher uma que cumprisse o que sabiam que as avós iam gostar: cozinha grande com tachos enormes, lareira, …

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Quando a família se reuniu para combinar o Natal, os filhos disseram que este ano tinham uma prenda muito especial para todos: iam passar o Natal num lugar mais quente, numa casa grande com jardim e junto à praia. Os avós ficaram algo perdidos com a notícia, já tinham começado a pensar tudo com cuidado, as compras a fazer, as coisas a encomendar, … As crianças desataram a fazer mil perguntas: se iam ter presépio, quem ia fazer a decoração de Natal, se iam tomar banho no mar como no verão, … e já agora se o presente era ir para a casa junto ao mar, como ia ser com os presentes de Natal?

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Aos poucos todos foram acolhendo a notícia e começaram a fazer planos. As tarefas culinárias e de organização foram distribuídas por todos, deixando mais tempo a cada um e aliviando os avós das tarefas que sempre tinham assumido como suas. Como tinham também secretamente decidido que cada criança ia ter apenas um presente que fosse algo especial e desejado por ela, sobrava tempo e dinheiro face às buscas de muitos presentes de outros natais.

Quando partiram para a casa do Natal, havia uma mistura de alegria e confusão, afinal não ia ser nada como antes. Os avós tinham resistido a este plano, mas lá iam com os seus mimos natalícios na mala do carro e com roupas mais leves porque não ia haver frio, e quase de certeza não ia chover.

Quando chegaram ficaram todos encantados com a casa grande, branquinha, com a açoteia no topo de onde se via o mar, as janelas que davam para o jardim e para o telheiro da sala, a lareira,… Os adultos adoraram a simplicidade da casa, onde pouco tinha mudado desde quando há muito tempo tinha sido construída, as paredes caiadas, os tetos altos até ao telhado, o chão de tijoleira de barro vermelho amaciada pelo tempo, tudo mostrava que era uma casa idosa e feliz.

Começou uma azáfama para vestir a casa de Natal, presépio, decorações, …, na cozinha as várias equipas faziam as preparações para os pratos respetivos.

Quando tudo ficou organizado, e depois de um almoço simples, porque a ceia ia ser de consoada, saíram todos para aproveitar o sol, uns foram caminhar mais depressa a ver se conseguiam ir até à praia, os avós foram mais devagar aproveitar para caminhar no passadiço junto à ria e encher os pulmões daquele ar morno e cheio de aromas de maresia, dos arbustos das dunas, da ria, enfim, tão diferentes dos que tinham nos seus lugares. Notava-se os sorrisos nas pessoas idosas de outras paragens que passavam com mangas curtas e calções coloridos, embora usando agasalhos no tronco. Os avós observavam e notava-se que pareciam surpreendidos com aquela aparência ativa e coloridas daquelas pessoas que eram das suas idades e afinal pareciam bem mais novas.

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Os pequenos estavam encantados com a liberdade de terem a povoação e a praia quase sem ninguém. Podiam correr, andar por ali à vontade, quase não havia transito e só estavam lá os poucos residentes e alguns visitantes de países frios do Norte da Europa.

Quando o sol começou a ir-se embora, regressaram a casa, e todos já lhe chamavam a nossa casa, finalizaram-se as preparações da consoada envolvendo miúdos e graúdos.

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O ambiente natalício estava perfeito, com a fogueira, as decorações que tinham vindo na viagem e a azáfama de uma família feliz em noite de consoada.

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Este conto responde ao desafio da Isabel do blogue Pessoas e Coisas da Vida sob o mote "o meu conto de Natal" que já deu origem a duas coletâneas de contos pelas mãos da Isabel, do Zé do blogue Lados AB e a nossa ilustradora e escritora  Olga do blogue A cor da escrita

Gostava de partilhar com a Isa do blogue Um pássaro sem poiso, a Ana D. do green ideas, o Vagueando do blog Generalidades,  a Lúcia do Com um sorriso chegas ao infinito, o Casimiro do Folhas de luar,  a Oh da guarda peixe frito, a Concha, A 3ª Face, a Maria Araújo, a Fátima Bento, a Imsilva, a Luísa De Sousa, a Maria, o José da Xâ,  a Rute Justino, a Célia, a Charneca Em Flor,  a Gorduchita, a Miss Lollipop, a Ana Mestre a Ana de Deus, João-Afonso Machado, A Marquesa da Marvila,  a bii yue e outros de quem gosto tanto ...

 

20
Dez22

A Galinha sem Penas!

Ilustrações de Cristina Marto

Cristina Aveiro

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Era uma vez uma galinha muito, muito vaidosa. Ela desde muito pequenina que era vaidosa e fazia tudo para dar nas vistas, tentava andar de uma forma diferente das outras galinhas, como se dançasse, tentava cantar fazendo sons diferentes das restantes galinhas. Um dia chegou ao capoeiro um grupo de novas galinhas que eram diferentes, não tinham penas no pescoço.

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Todas as galinhas, galos e frangos da capoeira ficaram muito intrigados com as galinhas sem penas no pescoço. A galinha vaidosa ficou muito perturbada porque todos estavam tão interessados nas galinhas que tinham acabado de chegar. Decidiu que tinha que voltar a ser o centro das atenções de toda a capoeira. Começou a pensar o que poderia fazer para que voltassem a dar-lhe atenção. Afinal ela era mais bonita, mais interessante e mais inteligente que essas galinhas sem penas no pescoço. Treinou de novo o seu canto e procurou fazer sons mais impressionantes, ensaiou novos passos dançantes, começou a praticar para voar mais alto do que a subida para o poleiro. Conseguiu fazer um canto mais impressionante, ainda mais esganiçado que antes, andou toda desengonçada, até parecia que lhe doíam as patas esgravatadeiras, os seus voos criaram grande alvoroço na capoeira, eram penas a cair e a andar pelo ar, ficavam todos incomodados com os voos da galinha, mas ainda assim as galinhas recém-chegadas continuavam a ser o centro das atenções no capoeiro.

 

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Decidiu que tinha que fazer alguma coisa mais radical, afinal porque é que ela não podia ter também o pescoço sem penas? E se gostavam tanto de pescoços sem penas, o que aconteceria se ela não tivesse penas nenhumas? Nunca se tinha visto nada assim. Ela tinha a certeza que nunca ninguém tinha visto uma galinha sem penas… Quem sabe se ela não se ia tornar uma galinha famosa em todo o mundo. Quanto mais pensava nesta ideia mais lhe parecia que era original e muito boa. Nunca lhe passou pela cabeça que se nunca tinha havido nenhuma galinha sem penas talvez isso não fosse uma boa ideia.

Convencida que a sua ideia era brilhante começou a tratar de a pôr em prática. Todos os dias à noite quando todos estavam a dormir arrancava as suas belas penas com o bico. Era difícil e fazia-lhe doer, mas ela estava determinada a ser a primeira galinha sem penas.

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Aos poucos ela começou a ficar com cada vez menos penas e as outras galinhas olhavam para ela curiosas. Até às galinhas sem penas no pescoço olhavam para ela com interesse. A galinha vaidosa ficou a achar que todos a admiravam porque ela estava a ficar mais bonita. Embora lhe doesse cada vez mais a pele, ela continuou a arrancar as penas até ficar totalmente sem penas.

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Assim que acabou de tirar todas as penas passou a pavonear-se pela capoeira exibindo a sua pele amarelinha com pontinhos mais altos em todos os sítios de onde tinha arrancado as penas. Ela ao princípio ficou contente porque todos na capoeira paravam para olhar para ela. Não conseguiam tirar os olhos dela, mas não pareciam gostar do que viam, estavam todos arrepiados com a imagem da galinha vaidosa, o aspeto dela era estranho e desagradável.

A galinha sem penas tinha frio, não conseguia aconchegar-se no ninho porque lhe faltava a fofura das penas, e embora sentisse que conseguia ter a atenção de todos não se sentia feliz.

A galinha vaidosa começou a ser acarinhada pelas outras galinhas do capoeiro e ela começou a admirá-las e a ver que eram bonitas com as penas, mas não se preocupavam com o que os outros achavam do seu aspeto. A galinha vaidosa não voltou a arrancar as suas penas e as penas começaram a nascer. Aos poucos a galinha voltava a ter o seu aspeto normal e estava a sentir-se cada vez mais feliz. A galinha vaidosa estava a deixar de ser vaidosa e estava a começar a gostar do seu aspeto normal e já não se esforçava por ser diferente das outras galinhas. A galinha que já não era vaidosa e que já não era a galinha sem penas era uma das galinhas bonitas do galinheiro e gostava de estar com as outras galinhas. Esta galinha passou a esforçar-se por agradar e ser amiga das outras galinhas em vez de querer ser diferente e de só querer que todos a admirassem. Agora a galinha sentia-se mais feliz, tinha descoberto que a amizade é mais valiosa que a admiração.

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